Casal negro chama polícia para denunciar racismo no Extra e é ignorado por PMs

    Funcionária obrigou casal a esvaziar a bolsa no caixa, mas PM considerou que prática não era ‘fora do normal’; no ano passado, um segurança do Extra sufocou um jovem negro até a morte

    A trabalhadora autônoma Letícia Reis Oliveira de Carvalho, 43 anos, e o cozinheiro Edgar Coutinho Oliveira de Carvalho, 41, denunciam ter sido alvos de racismo por parte de uma funcionária do supermercado Extra no Jardim Aeroporto, na zona sul da cidade de São Paulo. Na noite de 26 de setembro, a funcionária teria obrigado Letícia a esvaziar sua bolsa no momento em que passou pelo caixa.

    O casal relata que, após passar as compras, a funcionária que os atendia pediu para revistar a bolsa de Letícia. “Vou ter que verificar sua bolsa”, teria dito. Edgar estranhou a atitude e perguntou se a funcionária tinha visto sua esposa colocar algo na bolsa para pedir a revista. “A caixa disse que era procedimento do Extra. Eu disse que ela era mentirosa, porque frequento o mercado há dez anos e nunca ninguém pediu para revistar minha bolsa”, conta Letícia.

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    O casal decidiu chamar a Polícia Militar para abrir a bolsa somente na presença do policial. Neste intervalo, entre o pedido e a chegada do PM, registraram tudo em vídeo. “Mudaram a pessoa de caixa, depois ela voltou, falou com o policial”, conta Letícia.

    Com a polícia presente, o homem pegou a bolsa e jogou os pertences dentro do carrinho. Explicou a situação ao PM, que não viu nenhum problema no pedido feito pela caixa. “Não é um caso fora do normal”, afirmou o policial, conforme registro feito pelo casal.

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    “Quando o PM chegou, nos tratou como se fôssemos criminosos. Disse que isso era normal, que não tinha nada de mais, por que eu não deixei a bolsa no carro ou em casa”, conta a mulher, indignada.

    O policial pegou o documento de identidade dela e do marido e verificou no Copom (Centro de Operações da Polícia Militar) se havia algum registro contra eles. Segundo Letícia, o mesmo não aconteceu com nenhum funcionário do Extra.

    “Eu não devo nada. Disseram que era normal. A moça do caixa disse que eu estava ‘nervosinha’. E eu falei: ‘lógico, estava me chamando de ladra'”, desabafa.

    Letícia conta não ter sido o primeiro caso de racismo vivido por ela ou a família no Extra do Jardim Aeroporto. Em 2015, um segurança a seguiu e disse que ela havia furtado uma boca de um fogão. “E eu fui lá para comprar o fogão”, diz.

    Seus filhos, um de 13 e outro de 16 anos, também sofreram violências, segundo ela. Em 2017, o menor deles foi seguido por um segurança, que perguntou o que ele tinha no bolso. “Em outra ocasião, meu filho mais velho estava com minha sobrinha e os seguranças acompanharam eles. Os dois são negros. Colocaram eles para fora e disseram que, se voltassem, quebrariam a cara deles na porrada”, relata Letícia.

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    A advogada Lenny Blue de Oliveira, que representa o casal, define o caso como uma violência clara, um ato de racismo, que não recebeu a devida importância. Segundo ela, a direção do Extra só soube do caso um mês depois, com a divulgação na imprensa.

    “É uma iniquidade, um casal do bem, frequentador contínuo do Extra. Só aconteceu porque eles foram considerados suspeitos unicamente por serem negros”, afirma a advogada.

    Um Boletim de ocorrência foi feito na época da revista, mas somente há dez dias que a Polícia Civil, por meio do 27º DP (Campo Belo), ouviu o casal. Colheram depoimento de uma testemunha do pedido de revista da bolsa na última terça-feira (27/10).

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    “Essa violência é equivalente à necropolítica, é uma morte simbólica um negro ser humilhado assim publicamente. Psicologicamente destrói”, diz Lenny.

    Segundo a defensora, o Extra pediu para ouvir Letícia e declarou ter demitido a funcionária. “Mas são atitudes recorrentes. Há outros casos no Extra e não muda. Tem um grupo de diversidade, de fato, mas não chega na ponta. Os funcionários recebem outra orientação”, sustenta.

    Em 2019, um jovem negro foi morto por um segurança do Extra na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. O segurança Davi Ricardo Moreira Amâncio, do Group Protection, deu uma gravata em Pedro Gonzaga, 19 anos, que morreu sufocado.

    A Ponte questionou o grupo GPA, responsável pelo Pão de Açúcar e rede que administra a marca Extra. Em nota, a rede afirma ter tomado ciência do caso somente um mês depois, no dia 29 de outubro. “Os envolvidos estão sendo ouvidos e as informações tratadas com a advogada do casal de clientes. A funcionária que aparece no caixa no vídeo não faz mais parte do quadro da companhia há cerca de um mês”, diz a GPA.

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    Na nota, a rede afirma aplicar continuamente “um calendário de treinamentos, atualizações de procedimentos e formações para o combate à discriminação e o preconceito”.

    Junto à Secretaria da Segurança Pública, do governo João Doria (PSDB), a reportagem questionou a ação do PM e o registro da ocorrência. A pasta explicou que há uma investigação na Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância). “Vítimas e testemunhas foram ouvidas. A equipe realiza diligências em busca de imagens que possam auxiliar no esclarecimento dos fatos”, afirma o governo.

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