Francieli Fantinato, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações, revelou nesta quinta-feira (8) na CPI da Covid-19 que coronel Élcio Franco vetou a inclusão de presos entre os grupos prioritários para a vacinação
Somente 5.372, ou 0,7% dos presos receberam a segunda dose da vacina contra a Covid-19 no Brasil, ou o imunizante de dose única, segundo dados desta quinta-feira (8/6) do painel da vacinação do Ministério da Saúde. Das 754 mil pessoas encarceradas apenas 17%, ou 144.709, receberam alguma dose da vacina contra o novo coronavírus.
Apesar de o grupo ser considerado por especialistas como de alta prioridade, a vacinação lenta revela a pouca importância dada às pessoas privadas de liberdade pelo governo federal, tema que foi colocado novamente no centro da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) nesta quinta, quando a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) Francieli Fantinato revelou que o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde coronel Élcio Franco pressionou os servidores da pasta a excluírem os presos entre dos grupos prioritários para a vacinação.
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O veto aconteceu em dezembro de 2020, o que provocou atrasos na imunização da população encarcerada. A vacinação da população carcerária brasileira começou a avançar com alguma expressão há pouco mais de 40 dias, conforme o próprio site do Ministério da Saúde.
“Quem pediu para tirar o grupo de privação de liberdade foi o coronel Élcio”, disse Francieli à CPI da Covid. Durante a sessão, ela ainda avaliou que a população privada de liberdade deveria ser prioridade, ao contrário da decisão de Franco. “É uma população que tem uma prevalência maior de doenças infecciosas. As condições presidiárias são muito inadequadas. As medidas não-farmacológicas são difíceis de ser executadas”, disse a enfermeira, mestre em medicina tropical.
Na versão prévia do plano, feita em 1º de dezembro, a população carcerária havia sido incluída como um dos grupos prioritários. Poucos dias depois, conforme afirmado pela ex-funcionária do Ministério da Saúde, o grupo foi excluído das prioridades do plano. Quando lançado oficialmente, em 16 de dezembro, o PNI considerava a população carcerária como prioritária.
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Em São Paulo, a vacinação contra a Covid-19 atingiu apenas 6% da população carcerária até a última terça-feira (6/7), conforme apontado pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). Fora isso, das 158 unidades prisionais tiveram casos confirmados da doença entre os reeducandos, do total das 178 prisões.
Segundo o defensor público Mateus Moro, integrante do Núcleo Especializado de Situação Carcerária, a população carcerária de SP foi relegada pelo governador João Doria (PSDB). “No estado de São Paulo, além de não ter sido um grupo prioritário, eles ficaram para trás das pessoas soltas, quem era pra ser prioridade acabou ficando para fora da fila, aproximadamente 40 mil pessoas com comorbidade e com mais de 41 anos deveriam ser vacinadas, somente 13 a 15 mil pessoas foram vacinadas”.
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Na visão de Moro, faz parte da ideologia do governo excluir pessoas pobres e negras das políticas públicas, como a vacinação. “Eles não tratam como humanas as pessoas presas, enquanto as pessoas ricas aí das nossas redes sociais estão se vacinando, as pessoas pobres e miseráveis, em sua maioria, negras e jovens, estão aí à própria sorte”.
São Paulo possui a maior parte dos detentos do país, com 207.803 pessoas presas. Com a demora na vacinação dos presos a Defensoria Pública de SP decidiu entrar no Tribunal Regional da 3ª Região com um pedido para a inclusão imediata dessa população no calendário vacinal.
Segundo o defensor, que participou de 32 inspeções junto ao Núcleo Especializado de Situação Carcerária em unidades prisionais de São Paulo, as situações sanitárias encontradas nos locais são desastrosas. “A gente pode observar que 85% das unidades faziam racionamento de água, as pessoas não tinham roupas, não tinham kits de higiene. Foram vistos, infelizmente, vários problemas de saúde graves em pessoas idosas e com comorbidades. A situação sanitária das unidades são realmente bárbaras, você vê ali cenas de guerra”.
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A vacinação da população encarcerada também teve resistências de deputados que queriam excluir o grupo do plano de imunização,como o projeto de lei 1954/2021, de autoria dos deputados federais Diego Andrade (PSD-MG) e Darci de Matos (PSD-SC), que retira os presos dos grupos prioritários de vacinação para a Covid-19, modificando a lei 14.121 de 2021.
Em fevereiro deste ano, uma resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária publicada no Diário Oficial considerou que, em caso de aumento de infectados da Covid-19 na população prisional, esta poderá demandar a ocupação de vagas em estabelecimentos hospitalares, sobrecarregando ainda mais o sistema de saúde pública, e que quanto maior a demora da vacinação no sistema prisional, maiores serão os gastos em 2021 com a prevenção e assistência de saúde da massa carcerária, evitando que estes recursos sejam investidos em outras áreas que carecem de atenção.
Por esses e outros motivos, o conselho recomendou que as Secretarias Estaduais de Saúde que viabilizem a vacinação de policiais penais e pessoas privadas de liberdade, observando estritamente as fases e calendário previstos no Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra a Covid-19, “evitando qualquer espécie de postergação de prazo ou fase”, diz a resolução.
Hugo Leonardo, presidente do IDDD [Instituto de Defesa do Direito de Defesa], alerta para o fato de que a falta da vacinação entre as pessoas presas pode provocar a transmissão do vírus entre aqueles que frequentam as unidades prisionais, como as famílias e os próprios funcionários do sistema carcerário. “Você cria uma situação de contaminação para todas essas pessoas que interagem com a população presa, familiares, agentes prisionais, tornando-os verdadeiros focos de contaminação”, avalia.
Leonardo também critica as tentativas de exclusão das pessoas privadas de liberdade da prioridade no plano nacional de imunização. “A população presa já sofre todo tipo de preconceito da sociedade. Essa população atende a todos os pressupostos de urgência da vacinação, haja vista que estão presas em uma situação que não conseguem manter o distanciamento social, não tem equipamentos de higiene muitas vezes e principalmente não possuem acesso à água durante todo o dia presídios.”
Outro lado
Procurado o Ministério da Saúde não respondeu às seguintes questões até a publicação desta reportagem:
Por que Élcio Franco queria excluir essa população da prioridade do plano?
Após a retirada, porque o grupo foi colocado novamente?
Como o MS se posiciona frente a vacinação neste grupo que atingiu apenas 5.372 pessoas com a segunda dose da vacina contra a Covid-19 no Brasil, ou o imunizante de dose única?
A Ponte questionou a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo sobre qual é a posição da pasta frente ao fato de que apenas 6% da população carcerária de São Paulo foi vacinada e por que toda a população prioritária dentro deste grupo não foi vacinada ainda.
Em nota a SAP afirmou que a vacinação de presos ocorre em conformidade definida no Plano Estadual de Imunização (PEI), assim, em todo o estado já foram vacinados 15.369 pessoas. “A expectativa é que a vacinação das pessoas privadas de liberdade avance entre julho e agosto, assim como da população em geral, considerando a ampliação das faixas etárias elegíveis para a vacinação pelo PEI”.
A pasta ainda destacou que no momento, as unidades prisionais também estão participando da campanha de vacinação contra a Influenza, “sendo vacinados, até o momento, 101.503 presos, com a necessidade de se obedecer um intervalo de 15 dias entre as aplicações das duas vacinas (contra a Covid-19 e Influenza). Assim, alguns presos já elegíveis para vacinação contra a Covid-19 podem não ter recebido a dose ainda em virtude da necessidade do intervalo em questão”, declarou em nota.
*Esta reportagem foi atualizada às 17h00 de 12/07/2021 para a inclusão das respostas da SAP.