Os blindados e soldados do Exército patrulhando as ruas do Rio de Janeiro não são sinônimos de segurança nas ruas
Os tanques do Exército que circulam ostensivos pela cidade do Rio de Janeiro representam a face explícita de um Estado abandonado nas mãos do crime organizado, à mercê da insegurança e da falta de planejamento dos governantes para enfrentar um problema que se arrasta há décadas.
Isso porque, ao contrário do que se pode imaginar, os blindados e soldados não são sinônimos de segurança nas ruas. São sim, o atestado da falência das políticas públicas implantadas até agora. Simbolizam a solução de curto prazo para a falta de continuidade e de recursos estaduais para estancar a crise que se escancara diariamente.
A presença de agentes federais na cidade do Rio de Janeiro expõe uma realidade que para milhares de pessoas é já cotidiana. Não é de hoje que moradores de comunidades, pacificadas ou não, convivem com traficantes empunhando fuzis para exercer controle sobre determinado território. O cenário de guerra, portanto, não é novo. Hoje, porém, o governo alega que está com os cofres vazios diante de obstáculos tão onerosos. Mas e quando não estava? E quando não estiver? Os mesmos problemas serão vistos sob novas óticas?
Os números da violência no Rio aumentam indiscriminadamente. E, ao que parece, não impressionam como antes. Uma das estatísticas mais desoladoras é o índice de balas perdidas: mais de 600 casos até julho desse ano. Balas disparadas em situações de confronto que vitimam a esmo. Foi o caso do bebê Arthur, baleado ainda no útero da mãe, na favela do Lixão, em Duque de Caxias. Um mês após ter lutado pela sobrevivência com ajuda da equipe médica, Arthur morreu no fim de julho desse ano, em decorrência do quadro clínico grave e de uma hemorragia.
Ainda não se sabe quem foi o responsável pelo disparo da bala que atingiu o ventre de Claudineia dos Santos Melo. E enquanto a polícia tenta investigar o número de famílias destruídas, a violência aleatória cresce e transforma em sofrimento o dia a dia dessas pessoas. Na mesma semana em que o bebê Arthur foi baleado, mais duas crianças também morreram feridas em ambientes onde deveriam ter garantida a paz: em casa e na escola. É como se esses territórios fugissem às atenções das autoridades, como se moradores tivessem de arcar com dois ônus sociais: por serem pobres e vítimas escolhidas pelo crime.
Desde 2015, pelo menos 21 crianças foram vítimas de bala perdida. Como resposta a essa tragédia social, viu-se a indiferença. Hoje, quem se lembra da trágica morte de Arthur? Que tipo de efeito psicológico um fato como esse é capaz de trazer em meio a tantas outras mortes que aguardam para entrar na pauta dos jornais?
Vale dizer que o Sistema de Definição e Gerenciamento de Metas para os Indicadores Estratégicos de Criminalidade, o Sim, um dos programas criados em 2009 para estimular a integração entre as polícias e reconhecer o desempenho dos agentes com boas práticas, ajudou a reduzir o número de homicídios nos anos seguintes, mas foi interrompido por falta de verba.
Enquanto o Estado não consegue pensar em soluções para problemas que afetam a população há mais de 20 anos, o crime ganha força para cooptar mais pessoas, sobretudo, em condições de maior vulnerabilidade.
A lição que deveria ficar é mais do que conhecida: ações isoladas não levam a nenhum avanço. A partir do momento que os tanques e agentes federais deixarem as calçadas de Copacabana, crimes voltarão a ocorrer da mesma forma que ocorriam antes da presença dos arsenais.
E é preciso entender que um dos fatores que move a engrenagem social das comunidades e dos morros é a invisibilidade social. São garotos que vêem diariamente pais, familiares e amigos sendo mortos em confronto. Meninos que sofrem com as conseqüências do crime, mas ainda assim muitos se projetam no tráfico.
Especialistas acreditam que integrar as redes de tráfico é, para muitos, uma forma de sair do anonimato, não sucumbir à desigualdade e ganhar poder. Isso explica porque as selfies ostentando fuzis e metralhadoras ganham popularidade entre traficantes. São jovens que encontram em atividades ilícitas um meio para obter poder, alcançar os fins desejados e a tão estimada visibilidade social.
Esse poder ajuda a construir uma nova auto-estima para quem não teve nenhuma. Por isso, é impossível resolver com tanques de guerra os problemas enfrentados por uma parcela da sociedade que já se acostumou com a dor, que não sangra com as balas e que sente o peso histórico da exclusão e da indiferença.