Artigo | Caso Thiago Brennand: o espetáculo midiático do privilégio branco

Enquanto imprensa divulga corte de cabelo e outfit na prisão de acusado de abuso sexual, encarcerado comum no Brasil convive com ratos, doenças, agressões e violações diárias de direitos

O milionário Thiago Brennand | Foto: Reprodução / Redes sociais

Sim, leitor, lá vem a Jéssica, de novo, falar sobre privilégio branco. Mas veja se não tenho alguma razão. Eis Thiago Brennand, este moço branco rico, que tem um arsenal com 67 armas, que agride uma mulher em público e nada lhe acontece. É acusado de estuprar mulheres e as tatua com suas iniciais — como se fossem bois — e nada lhe acontece. Que é acusado de usar arma de choque contra o próprio filho e nada lhe acontece. E quando ele — depois de se entocar em outro país — é deportado e preso, subitamente as condições ruins da prisão são magicamente descobertas pela imprensa. Como chamar isso se não privilégio branco? 

Faça um exercício, leitor: se Thiago fosse um homem negro, você acha que sua prisão teria a mesma importância? Acha que falariam sobre a superlotação do presídio ou que ele “escapou” de ter o cabelo cortado ao ser preso ou ainda sobre o “look” que ele vai usar? Você acha que ele ganharia importância da grande mídia? Você acha que os seguranças da academia não teriam reagido caso ele agredisse alguém? Eu acredito que não. Afinal, o negro que vai para a cadeia, vai pro seu lugar, para a senzala onde não tem direitos (sei que vou receber algum e-mail falando “leva para casa” ou falando que somos defensores de bandido, então de antemão, agradeço o engajamento — ainda que seja negativo). 

Quando estávamos debatendo o que escreveríamos nesta newsletter, Fausto Salvadori, diretor de redação da Ponte, foi cirúrgico ao lembrar que os dois fatores que fazem a mídia hegemônica dar atenção ao sistema prisional são em momentos de rebeliões ou quando alguma pessoa que “não pertence aquele universo” – branca, rica, de bairros “diferenciados” – vai parar lá após cometer algum crime. 

Parece que é só a partir desse olhar que os problemas nos presídios aparecem. Mas quem lê a Ponte sabe que a história não é bem essa. 

Enquanto os golpistas presos pelos atos em 8 de janeiro reclamam falta de wi-fi, em 2022, mães denunciaram à Ponte que a comida que enviavam para suas filhas encarceradas estava roída por ratos. Detalhe: algumas gastam R$ 600 nesse “jumbos” – que são envio de pacotes de alimentos e itens de higiene pessoal – e suas filhas não receberam nada. 

Enquanto a falta de corte de cabelo de Brennand é mote de reportagem, a Ponte noticiou que presos estavam denunciando cortes compulsórios de cabelo e barba. Aqueles que não seguiam a norma eram punidos, de acordo com a Defensoria de São Paulo, que impetrou uma ação civil pública solicitando que o governo paulista proibisse a ação. Também falamos sobre o racionamento de água que acontece em 70% das prisões em São Paulo, dados da Defensoria. 

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Que o leitor não se engane: há corpos feitos para terem direitos humanos respeitados e histórias publicizadas à exaustão no horário nobre. E outros que podem morrer em condições subumanas e serem esquecidos – a menos que a Ponte conte suas histórias. Enquanto Thiagos Brennand ganham capas de jornais por seu look no presídio, tem toda uma população carcerária tentando sobreviver em condições terríveis, todos os dias.

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