Artigo | Tá em choque, Bolsonaro?

Quando o presidente mais covarde e pusilânime da história da República te bloqueia nas redes sociais, o difícil é não comemorar

Bonecão de Bolsonaro em Caruaru (PE), em motociata em 4 de setembro deste ano | Foto: Marcos Corrêa/PR

Minha experiência jornalística mais direta com o futuro ex-presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), antes de trabalhar nesta Ponte, é um resumo da covardia do ex-capitão na hora de tratar do debate público: fiz ele correr no quebra-queixo (coletivas informais em fins de eventos onde jornalistas abordam autoridades) após o debate da Rede TV, o segundo e último debate que ele participou na vida. Fiz uma pergunta sobre armamento da população civil (pedi para comparar com o Japão, país que na época ele dizia “admirar muito”), acabei sendo chamado de “vagabundo!” pelo então deputado e tomei uma ombrada de um segurança da sua trupe. Atrás de mim, o falecido ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência Gustavo Bebianno e o candidato derrotado à reeleição ao Senado Magno Malta me xingavam de “viadinho”. Bolsonaro, de colete à prova de balas por debaixo do terno, meteu marcha e foi embora com a catrefa, com uma comitiva de carros lhe esperando na porta da emissora.

Dito isso, não foi surpresa nenhuma descobrirmos nesta semana que a Ponte entrou para o cada vez menos seleto rol de veículos de imprensa bloqueados pelo inquilino de turno do Palácio do Alvorada no Twitter. Segundo levantamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), são 79 profissionais de imprensa e sete veículos brasileiros, todos independentes (como o portal Intercept e a agência de checagem Aos Fatos) bloqueados pela conta oficial do presidente do Brasil. A Abraji inclusive entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir esses bloqueios, e em julho a ministra Rosa Weber, vice-presidente da corte, deu 10 dias para o Bolsonaro se manifestar sobre o caso. Seria trágico se não fosse cômico.

Não há nenhuma novidade no peso que Bolsonaro dá às redes sociais, afinal figuram importantíssimas na sua estratégia para eleição, para sua manutenção claudicante no cargo e para ao menos tentar chegar ao cada vez mais distante segundo turno na tentativa de reeleição em 2021. O uso de diferentes redes para espalhar mentiras sobre adversários (ou contra a lógica comum mesmo) é tema de comissão de inquérito no Congresso e investigação no Supremo Tribunal Federal.

Mas para além da tragédia de se tentar inventar um mundo que não corresponde ao real, que nos rendeu 600 mil cidadãos brasileiros mortos na pandemia e o aprofundamento de uma crise econômica que se arrasta desde 2015, a operação das redes sociais por Bolsonaro e seu entorno sempre trai um tom farsesco, com episódios como quando tiltou com um golden shower no Carnaval de 2019 ou quando deu-se doído por ser chamado de “pastel de bosta” pelo meu então colega Eduardo Roberto, à época editor de música na Vice Brasil.

Em ambos os episódios, havia a digital linguística de Carlos Bolsonaro, vereador pelo PSC no Rio de Janeiro mais conhecido por ser o filho cefalicamente avantajado do presidente, e que cuidou e segue cuidando da sua estratégia digital. O “pitbull” de Bolsonaro certamente está por trás desses bloqueios, e nos perguntamos: como passamos a ocupar o latifúndio que é a careca do Carluxo? Foram nossas reportagens sobre como os decretos pró-armamento de Bolsonaro dificultam a vida da polícia? Foi nossa cobertura dos atos que pedem seu impeachment, retirada, defenestração? É nosso trabalho diuturno em denunciar violência policial e violações de direitos humanos? Nos resta apenas especular, porque dificilmente teremos uma adequada resposta oficial – o mais provável é ouvir novamente apenas o grito de “vagabundo!”.

O ato de bloquear alguém em uma rede social aberta é puramente simbólico, afinal, não é como se não pudéssemos seguir acompanhando as barbaridades ali proferidas ou os anódinos anúncios de centímetros de estradas asfaltadas. É também um indicativo mais concreto da hipocrisia de um presidente que chegou a editar uma agora devolvida Medida Provisória (MP) que proibia que as redes sociais removessem conteúdos considerados por elas mesmas impróprios. Mais ainda, um bloqueio a um veículo de mídia independente mostra que dialogar com a imprensa está bem fora dos planos de alguém que diz prezar tanto pela “liberdade”, mas que não quer dar aos outros a liberdade de ser fiscalizado, expondo seu cristalino pendor autoritário – talvez seja justificável seu medo da imprensa independente, que tem protagonizado episódios importantes de incomodar autocratas ao redor do mundo, rendendo inclusive um prêmio Nobel da Paz dividido entre Maria Ressa (Filipinas) e Dmitry Andreyevich Muratov (Rússia).

É claro que, como outros barrados no baile (como nossa repórter Jeniffer Mendonça e nossa estagiária Elisa Fontes), carregamos esse block com um certo orgulho. Afinal, sabemos da importância do nosso trabalho e temos uma pequena comprovação do quanto incomodamos o ser mais covarde, pusilânime, frouxo e cagão que já assentou as nádegas na cadeira presidencial. À imprensa, cabe o papel de seguir testando, com doses mais precisas de malícia e picardia, os limites cada vez mais cerceados de sua liberdade. É, Bolsonaro, você peidou na farofa e ficou em choque.

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*Amauri Gonzo é editor da Ponte Jornalismo

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