Artista é indiciado por postar foto de performance artística com a ‘cabeça’ de Bolsonaro

    Queixa-crime foi enviada pelo vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente; advogados apontam caráter ideológico do delegado que cuida do caso

    Carlos Bolsonaro registrou queixa-crime contra postagem, por e-mail, à Polícia Civil do RJ | Foto: Reprodução/Instagram

    Uma foto de uma performance artística publicada em uma rede social virou caso de polícia no Rio de Janeiro. A postagem foi realizada pelo ator carioca Diadorim, 39 anos, morador de Niterói, no Rio de Janeiro, em 19 de setembro de 2020.

    A imagem publicada pelo ator em sua conta no Instagram trazia uma artista segurando uma bola, no formato da “cabeça” de Jair Bolsonaro (sem partido). O vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos) enviou, então, um e-mail para a DRCI (Delegacia de Repressão aos Crimes de Internet) solicitando uma queixa-crime contra o ator.

    A foto fazia parte da série artística “Freedom Kick” (Chute da Liberdade, em inglês), criada pelo coletivo americano de arte de rua INDECLINE com o artista plástico espanhol Eugenio Merino. O artista fez o mesmo projeto com outros líderes políticos que violam os direitos humanos, como Vladimir Putin, presidente da Rússia, e Donald Trump, presidente dos EUA.

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    O vídeo original, postado pelo artista que criou a performance, ou arte protesto, como ele chama em suas redes sociais, trazia falas LGBTfóbicas e machistas de Jair Bolsonaro, ditas antes de assumir a presidência do país. “Eu tenho imunidade para falar que sou homofóbico sim”, era uma dessas frases. A postagem foi feita em 16 de setembro.

    A queixa-crime foi solicitada por Carlos Bolsonaro, via e-mail, no dia 12 de novembro de 2020. Foi aceita pelo inspetor de polícia Jorge Valério Libório dos Santos, que abriu um inquérito policial às 14h42 do dia 16 de setembro, enquadrando a imagem em apologia de crime e crimes contra a segurança nacional.

    “Onde foi visto uma publicação onde o dono do perfil expõe a imagem da cabeça do presidente da república decapitada segurada pelas mãos de uma pessoa com a legenda ‘O Brasil que eu quero’. Nos comentários desta foto ainda é possível identificar um perfil que atribui de genocida a honra do presidente”, afirmou o inspetor no documento.

    O inspetor justificou a abertura do inquérito: “Com a maior celeridade possível haja vista a ameaça ao presidente e pelo mal que já sofreu o chefe do Executivo com uma facada por um ex-integrante do PSOL“.

    No inquérito policial há um print do e-mail enviado por Carlos Bolsonaro ao delegado, mas a mensagem escrita pelo vereador não aparece completa. O caso foi despachado para o delegado Pablo Dacosta Sartori, em 17 de novembro de 2020. O delegado, então, solicitou a presença de Diadorim na delegacia no dia 26 de novembro.

    Nesta quarta-feira (2/12), a investigação foi encaminhada para a 4ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada, do Ministério Público do Rio de Janeiro. A defesa do artista confirmou à reportagem que o Ministério Público designou o caso para a Justiça Federal.

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    Em entrevista à Ponte, Diadorim contou que ficou “incrédulo e preocupado” quando recebeu a notícia de que uma queixa-crime havia sido feita contra ele. “Incrédulo que um vereador da segunda maior cidade do país tenha sua atenção voltada para o que se posta nas redes, ao invés de cuidar das questões da cidade. E preocupado por ter meu perfil exposto em todas suas redes sociais, para mais de 5 milhões de seguidores, que foram incitados ao meu perfil fazendo todo tipo de injúrias e ameaças, muitas verdadeiramente violentas”.

    “Embora minhas preocupações se estendam sobre minha segurança, é a maneira como esse processo foi conduzido que mais me preocupa. Uma maneira que acredito diminuir a integridade de nossa própria democracia, particularmente em relação à liberdade artística e de livre expressão do pensamento, ambos direitos universais e inalienáveis”, explica Diadorim.

    A advogada Giowana Cambrone, que cuida da defesa do artista, disse à Ponte que a motivação da abertura da queixa-crime não procede. “Não há qualquer intenção de ameaça ao presidente, ou de causar-lhe mal, sendo somente uma foto de uma manifestação artística de inconformismo com os ideais defendidos por ele”.

    “No depoimento, ele (Diadorim) informou que não é autor da imagem ou da performance artística. Além disso, explicou que a publicação foi no exercício do direito constitucional da liberdade de expressão, e que não vê na imagem uma ameaça ao bem estar do presidente, ou apologia ao crime, mas sim o que simboliza a imagem que seria a extinção das ideologias machistas, misóginas, LGBTfóbicas representadas pelo presidente”.

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    Quem também acompanha o artista é o advogado Rodrigo Mondego, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, que critica a forma como o inquérito foi aberto. “A forma que o Carlos Bolsonaro fez o registro de ocorrência não é usual, não é o procedimento aqui no Rio de Janeiro. Essa semana, através do perfil do Carlos Bolsonaro, a gente ficou sabendo que o delegado já tinha concluído [o inquérito] em tempo recorde para a Polícia Civil do Rio de Janeiro”.

    O advogado lembra que o delegado do caso é o mesmo delegado que indiciou o youtuber Felipe Neto por corrupção de menores. “O que é bizarro para qualquer pessoa que tenha o mínimo conhecimento de direito penal. Esse mesmo delegado também tentou indiciar a OAB do Rio por organização criminosa. São sempre situações com recorte ideológico de direita em três casos”.

    “Se pode questionar se a publicação da expressão artística tem gosto duvidoso, mas é uma expressão artística, que não tem caráter alguém de ameaça. A notícia-crime veio com caráter ideológico e o delegado está movendo toda estrutura do Estado para poder combater um artista que compartilhou, nem produziu, compartilhou uma expressão artística”, finaliza Mondego.

    Outro lado

    A reportagem procurou o vereador Carlos Bolsonaro por e-mail, mas, até o momento de publicação não obteve retorno. A Ponte também entrou em contato com a Polícia Civil do Rio de Janeiro e solicitou entrevista com o delegado que cuida do caso.

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