27 pessoas foram mortas em agosto de 2015 na Grande São Paulo; protesto foi acompanhando por mães de outras vítimas da violência policial
Para lembrar os oito anos da chacina de Osasco e Barueri, a Associação 13 de Agosto promoveu um ato com passeata e exibição gratuita de um documentário sobre os crimes que deixaram 27 mortos. O grupo, composto por familiares e amigos das vítimas e também por mães e parente de outros mortos pela violência da polícia, percorreu as ruas do Jardim Mutinga na tarde de sábado (13/8).
“Brasil, meu nego deixa eu te contar a história que a história não conta. O avesso do mesmo lugar na luta é que a gente se encontra”, cantou o grupo em parte do trajeto. A canção foi samba enredo da Estação Primeira de Mangueira, apresentado na Marquês de Sapucaí em 2019. “Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”, completa a letra do samba “Histórias pra ninar gente grande”.
A proposta da escola de samba carioca era de trazer uma nova narrativa de “página ausentes” na história do país. A das mães e familiares que estiveram ali era semelhante: manter viva a história dos que morreram.
“A gente não pode calar. Vai fazer oito anos e quem cala consente, a gente não consente. Infelizmente as coisas estão acontecendo ainda. A violência está em Santos, no Rio de Janeiro, na Bahia, mas eu acho que nós temos que incomodar. Eles podem até ter esquecido tudo, mas a gente tem que incomodar”, diz Zilda Maria de Paula, mãe do Fernando Luis de Paula, filho único morto aos 34 anos na chacina de Osasco.
Com a morte de Fernando, Zilda passou a atuar junto com outras mães e familiares dos mortos em Osasco e Barueri para pedir resposta do Estado e punição aos responsáveis. O movimento chamado de Associação 13 de Agosto se soma a outros como o das Mães de Maio, Mães do Curió e do Movimento de familiares das vítimas do massacre em Paraisópolis. Todas unidas pela dor.
“Foi gente que eles mataram, gente que não sabe nem porque morreu. Ele era meu único filho…A gente [mães e familiares] se ajuda, um dando apoio para o outro. Só estamos de pé porque nós apoiamos. Muda de governo, entra governo e a história continua”, diz Zilda Maria.
A concentração para o ato começou na casa de Zilda. Ali os familiares eram acolhidos com abraços e palavras de afeto enquanto esperavam o início da passeata. Saíram dali com faixas e camisetas com fotos e nomes dos movimentos e dos que morreram. Cecília Aparecida Lopes, 51 anos, perdeu em 2019 o filho Lucas Lopes, de 23 anos, por ação de policiais em Sorocaba. Depois de viver a revolta, como ela coloca, vem o entendimento da necessidade por justiça.
“É fundamental que as mães deem força uma para a outra porque a dor é a mesma. É uma fase: primeiro você se revolta com Deus e depois cria força. Cada dia é um dia, mas é fundamental uma mãe ajudar a outra a se fortalecer”, comenta Cecília que hoje cuida da ONG Lucas Vive.
Débora Maria da Silva, liderança das Mães de Maio, também esteve na manifestação em Osasco junto com outras mães que também atuam no movimento independente.“Chamar de guerreira tortura os nossos corpos porque não há mãe guerreira. Ninguém vê as nossas lágrimas, o nosso sofrimento. Ninguém vê o que o Estado faz com a gente”, disse durante o protesto.
Sandra de Jesus, integrante das Mães de Maio, teve o filho Luiz Fernando morto por policiais militares em fevereiro deste ano em São Paulo. Ela conta que foi acolhida pelo movimento independente quando estava com a saúde mental debilitada logo após a morte. “Ai eu entendi o que é fazer parte, é uma cuidando da outra, uma dando a mão para outra, uma dando força para a outra”, comenta.
A mãe de Denys Henrique Quirino, um dos nove jovens mortos no massacre de Paraisópolis, esteve no protesto das vítimas de Osasco pela segunda vez. Maria Cristina Quirino Portugal, destacou a importância da luta para evitar que novas chacinas ocorram.
“Nós precisamos de um fortalecimento porque essa luta é muito árdua. Aqui é um evento em memória da chacina, mas é mais que isso. É o nosso fortalecimento. A Dona Zilda já está há oito anos nessa luta e é preciso estar porque vemos que as coisas continuam do mesmo jeito. Se lá atrás, quando estavam reivindicando para parar de matar, tivesse sido feito alguma coisa, eu não precisaria estar aqui”, comenta.
Além das representantes da Mães de Maio, do Movimento de familiares das vítimas do massacre em Paraisópolis e outros familiares, membros de movimentos sociais como o Geledés – Instituto da Mulher Negra e a Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, Maurício Monteiro, sobrevivente do massacre do Carandiru e o deputado estadual Eduardo Suplicy (PT-SP) também participaram.
Quando Suplicy se juntou à passeata das Mães, Dona Zilda o abraçou e em seguida perguntou “cadê os políticos?”. No discurso que antecedeu a exibição do documentário “Memória obstinada: caminhos das mães por memória e verdade em Osasco e Barueri”, ela voltou a criticar a ausência de parlamentares no ato.
A exibição do documentário marcou o encerramento do ato. Ele foi exibido gratuitamente em um telão instalado próximo a quadra esportiva do Munhoz no bairro Jardim Mutinga. Produzido pelo Coletivo Fabcine e pela Agência Pavio, ele recupera os acontecimentos da chacina e traz a perspectiva das mães.
Mortes no Rio
Enquanto as mães e familiares se reuniam em Osasco para o ato, a família de Eloáh dos Passos, 5 anos, chorava a morte da menina. A criança pulava na cama dentro de casa quando foi atingida no peito por um disparo. O caso ocorreu na manhã desta sábado (12/8) no Morro do Dendê, na Ilha do Governador, Rio de Janeiro. Wendel Eduard, 17 anos, também foi morto.
Ao g1, a Polícia Militar informou em nota que uma equipe do 17 Batalhão viu o carona de uma motocicleta portava uma arma. Os agentes teriam tentado uma abordagem, mas o homem atirou, e houve revide. Esse homem seria Wendel. Sobre a morte de Eloá, a PM informou que não havia operação no Morro do Dendê, mas que foi informado da morte.
No ato, Dona Zilda e Débora falaram sobre as mortes no Rio, Bahia e na Baixada Santista. Além de pedir o fim da operação, que no litoral paulista deixaram 16 mortos até o momento, elas também clamaram pelo fim da polícia militar.
Chacina de Osasco e Barueri
As mortes ocorreram em agosto de 2015. Segundo a denúncia do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), a chacina atingiu aleatoriamente moradores da periferia para vingar os assassinatos do PM Ademilson Pereira, 42 anos, (morto em um assalto Osasco) e do guarda civil municipal (GCM) Jefferson Luiz da Silva, 40, que morreu em Barueri da mesma forma.
O ápice da chacina ocorreu no dia 13 de agosto quando 17 pessoas foram mortas nas cidades de Osasco e Barueri. As vítimas foram executadas a tiros por homens encapuzados. Uma das ações, em um bar de Osasco, foi flagrada por câmeras de segurança. Houve também mortes em Carapicuíba e Itapevi, na Grande São Paulo.
Em dezembro de 2015, o MPSP denunciou quatro policiais e um GCM pelas mortes. Os ex-PMs Fabrício Eleutério e Thiago Henklain foram condenados em 2017 a 255 e 247 anos de reclusão em regime fechado, respectivamente. Eles foram considerados responsáveis pela morte de 17 pessoas e por deixarem outras sete feridas.
Pelas mesmas mortes, o GCM Sérgio Manhanhã foi condenado em 2017 a 110 anos de prisão. No ano seguinte, Victor Cristilder Silva dos Santos recebeu pena de 119 anos.
Contudo, Cristilder e Manhanhã foram absolvidos em fevereiro de 2021 em um júri popular que durou cinco dias. O novo julgamento ocorreu após a 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ter anulado as condenações da dupla por entender que a decisão foi contrária à prova dos autos.
Em 2019, os três PMs envolvidos na chacina foram expulsos da corporação. Contudo, em maio deste ano, Victor Cristilder Silva dos Santos foi reintegrado à Polícia Militar por decisão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A família de uma das vítimas da chacina conseguiu no ano passado aumentar para R$ 600 mil o valor do pedido de indenização por danos morais. A decisão também previu o pagamento dos gastos funerários e de pensão no valor de 2/3 de salário mínimo para os três filhos menores de uma das vítimas do massacre até completarem 25 anos.
Correções
- A primeira versão da reportagem dizia que o filho de Cecília Aparecida Lopes foi morto em Osasco. Contudo, a morte ocorreu em Sorocaba. A informação foi corrigida em 13 de agosto de 2023 às 18h35min.
- O texto original também dizia que integrantes do Mães de Paraisópolis participaram do ato. No entanto, o grupo com representantes foi o Movimento de familiares das vítimas do massacre em Paraisópolis. A informação foi corrigida em 13 de agosto de 2023 às 18h35min.