Cada acordo assinado com Israel custa vidas, diz liderança palestina sobre visita de Derrite

Secretário de Segurança Pública de São Paulo teve reunião com ministro israelense para discutir cooperação e treinamento de forças policiais; militantes por direitos de palestinos querem audiência pública para tentar barrar acordo

Reunião entre Guilherme Derrite e ministro da Segurança Nacional ocorreu na segunda-feira (29/5) | Foto: Assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança de São Paulo

A ida do secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo a Israel para evento que discute o Combate ao Antissemitismo e Terrorismo Global gera preocupação, tristeza e revolta por parte de lideranças e representantes palestinos no Brasil. Na segunda-feira (29/5), Guilherme Derrite se reuniu com o Ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir. Na pauta, uma cooperação para o treinamento de forças policiais e uso da tecnologia no combate ao crime, conforme divulgado pela assessoria do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos). Uma audiência pública é articulada para tentar barrar qualquer tipo de negociação.

A importação da tecnologia bélica e letal é alvo de críticas pelo fato de o armamento israelense ser usado de forma principal contra a população palestina na Cisjordânia ocupada e na Faixa de Gaza, repetindo a ideologia de um “exército de ocupação” no comportamento policial brasileiro nos territórios de maioria negra e pobre no Brasil. Para Mohamad Al Kadri, presidente do Fórum Latino Palestino, a visão de que a população é um “inimigo” a ser combatido é ensinada aos policiais brasileiros. 

“O policial aqui sai pra rua olhando a população como se fosse seu inimigo. Principalmente a população negra. A gente tem visto a matança contra os jovens negros nas periferias, muitas delas sem nenhum motivo”, analisa Mohamad. 

Mohamad diz ainda que é preciso um olhar mais cuidado a esse tipo de treinamento, já que a Anistia Internacional acusou no ano passado Israel de promover uma espécie de apartheid contra o povo palestino.

Em um documento de mais de 200 páginas produzido em quatro anos de pesquisa, a ONG de direitos humanos do Reino Unido descreve que o governo isralense promove política de segregação desde 1948, quando foi criado o Estado de Israel. A conclusão, segundo a Anistia, é baseada em pesquisas e análises que apontam segregação, controle e privação de direitos econômicos e sociais. 

A Anistia disponibiliza o relatório na íntegra em seu site oficial. Na página, a ONG mostra fotos e vídeos filmados na região e que, segundo a análise da Anistia, explicitam que o conceito de aparthaid pode ser aplicado à relação entre Israel e os territórios palestinos. 

Além da Anistia, a Human Rights Watch (HRW), grupo internacional de defesa dos direitos humanos, já havia publicado em 2021 um relatório com a mesma acusação contra Israel. A Comissão Econômica e Social para a Ásia Ocidental da Organização das Nações Unidas também publicou relatório em 2017 no qual também é chamado de aparthaid o regime implantado contra os palestinos.

“A partir daí como que nós, aqui no Brasil, podemos mandar nossos policiais militares treinarem em um Estado que é considerado de apartheid? É absurdo, é inconcebível isso aí”, questiona Mohamad. 

A crítica de Mohamad é corroborada pela coordenadora da Frente em Defesa do Povo Palestino e jornalista palestino-brasileira Soraya Misleh. Ela destaca que somente nos cinco primeiros meses deste ano, Israel matou mais de 130 palestinos, mais que 50% do saldo de vítimas registrado em 2022.

“Cada acordo assinado é assinado em custo de vidas palestinas”, alerta Soraya, que também pontua que a cumplicidade entre Israel e o governo de São Paulo não é nova. 

“Nos vimos em 2015 a compra de seis blindados israelenses por parte do governo paulista, depois, em 2020, o governo Dória (PSDB) comprando dez metralhadoras Negev 7.62, que disparam 750 balas por minuto, para pôr na mão da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), uma das polícias mais letais do Brasil”, concluí Soraya. 

A Ponte fez reportagem sobre o caso e a tentativa judicial de barrar a compra por parte do advogado e ativista de direitos humanos israelense Eitay Mack. O armamento foi fabricado pela IWI (Israel Military Industries), antiga estatal israelense que acabou privatizada em 2005. Também durante o governo Dória, um pregão foi feito para aquisição de 200 carabinas da IWI. O trâmite foi alvo de crítica e consternação de movimentos como o Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS),

“É bastante preocupante porque são nas cobaias palestinas onde são testadas essas tecnologias militares na contínua Nakba, palavra árabe que significa catástrofe, e que é como a gente se refere a formação do estado racista de Israel mediante a limpeza étnica, planejada e contínua a 75 anos”, diz Soraya. 

O professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Bruno Huberman, explica que a aproximação entre o Brasil e Israel se deu principalmente durante o segundo governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT). A aliança entre os dois, comenta Huberman, foi econômica e também voltada à segurança. 

“A política externa do Lula, muito conduzida também pelo [Celso] Amorim, que era ministro e agora é assessor, buscou colocar o Brasil como potência internacional e um caminho para isso é participar das questões de segurança internacional”, comenta o professor. 

“Nos anos 2000, fazer parte da agenda de segurança internacional era fazer parte das questões do Oriente Médio. Essa foi uma época de guerra, terror e que ainda se imaginava que uma paz entre os israelenses e palestinos era possível”, completa. 

Em sua análise, o governo Lula queria atuar como “um mediador do Terceiro Mundo” em contrapartida ao quadrilátero formado por Estados Unidos, Organização das Nações Unidas (ONU), União Européia e Rússia. Ele diz que havia nesse período uma aproximação maior da presidência com os palestinos e que a relação com os israelenses precisava ser fortalecida.

Segundo Bruno Huberman, o governo de Israel se utilizou dessa condição disso para empurrar sua agenda política ao Brasil. “Sabemos que o Brasil, nos meados dos anos 2000, importou mais de R$ 1 bilhão em armamentos e tecnologia de segurança israelense”, diz o professor da PUC. 

A balança comercial entre Brasil e Israel ficou cada vez mais sofisticada, complementa Huberman, nos governos que se seguiram e também foi intensificada na relação direta entre Israel e estados brasileiros. Ele dá o exemplo de São Paulo, comandada à época por Geraldo Alckmin (hoje vice-presidente), que comprou tanques de controle de multidão para a Copa do Mundo de 2014.

A importação de tecnologia de Israel não ficou restrita ao armamento, mas também aos treinamentos do exército aos policiais de São Paulo, descreve Huberman. 

“Depois de junho de 2013, a gente via a polícia de São Paulo fazendo a técnica de envelopamento, que é uma técnica de de multidão desenvolvida pelos israelenses. Eles [israelenses] são especialistas no que a gente chama de segurança nacional, que é que eles desenvolveram no controle dos palestinos que envolve vigilância, controle de multidão, que são várias tecnologias interessantes a várias elites internacionais que precisam controlar sua população civil”, acrescenta. 

Ele avalia que o governo brasileiro deveria aderir ao embargo militar contra Israel para que o ciclo de mortes de palestinos e da população brasileira negra e pobre seja interrompido. 

“Enquanto não fizer esse embargo militar a nossa população vai continuar sofrendo com essa tecnologia cruel israelense que mata gente na Palestina e mata a gente aqui no Brasil. Isso é uma conexão direta de opressões. É uma forma de nós contribuirmos com a libertação dos palestinos”, pontua. 

Lideranças querem audiência pública 

A mobilização do Fórum Latino Palestino é para que seja feita audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo para discutir o estreitamento de laços entre o governo de Sâo Paulo e Israel. 

“A gente precisa fazer essa audiência pública e tentar chamar atenção da opinião pública porque muitas pessoas dizem ‘ah, nós não temos nada a ver aqui com conflito entre palestinos e Israel’, mas nós temos tudo a ver”, diz o presidente do Fórum Mohamad Al Kadri. 

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“A ideia é que a gente faça essa audiência pública para criar um fato para que possamos ter algo no sentido de não haver esse acordo”, conclui Mohamad. 

Ainda não há data para que a audiência pública ocorra. 

Outro lado

A reportagem procurou a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) por meio de sua assessoria de imprensa, mas não houve retorno aos questionamentos que pediam explicações sobre um possível novo acordo entre o governo de São Paulo e de Israel.

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