Juiz alega falta de estrutura para júri dos 5 acusados de matar radialista em Goiânia

    Diretor do Foro de Goiânia rebate: ‘julgamentos de repercussão, como o de líderes de organizações criminosas, foram realizados este ano sem intercorrências’; Valério Luiz foi morto em 2012 e um dos réus é ex-dirigente do Atlético Goianiense

    Valério (centro) posa com o filho, vestido com camisa do Goiás (à esq.) | Foto: Arquivo pessoal

    Prestes a completar 7 anos, o assassinato do radialista Valério Luiz, ocorrido em 5 de julho de 2012, parece ainda longe de ter um desfecho. Em despacho emitido nesta segunda-feira (1/4), o juiz Jesseir Coelho de Alcântara, titular da 3ª Vara Criminal dos Crimes Dolosos Contra a Vida e Tribunal do Júri, afirma que não há estrutura para realizar o julgamento dos cinco acusados de matar o cronista esportivo, quando ele saía da Rádio Jornal 820 AM.

    No texto, Alcântara lista uma série de “problemas que impedem um julgamento complexo dessa natureza”, dentre eles: precariedade de dormitórios para os jurados, falha no fornecimento de alimentação, segurança frágil, espaço limitado e falta de cadeiras confortáveis para jurados. Os réus são Marcus Vinícius Pereira Xavier, Urbano de Carvalho Malta e Djalma Gomes da Silva, apontados como articuladores do homicídio; Ademá Figuerêdo Aguiar Filho, posto como autor dos disparos, e Maurício Borges Sampaio, ex-presidente do Atlético Goianiense, acusado de ser o mandante do crime.

    Em nota, o diretor do Foro da Comarca de Goiânia, Paulo César Alves das Neves, rebateu as alegações e disse que há, sim, total condição para a realização do júri. “O magistrado menciona que é preciso uma boa estrutura, incluindo sistema de gravação. Registre-se que os dois auditórios estão equipados com sistema de gravação habitualmente utilizado pelos magistrados e demais serventuários deste Poder. Assim, verifica-se que várias providências já foram tomadas no sentido de fornecer a infraestrutura adequada para a realização dos trabalhos nas sessões do tribunal do júri enquanto não finalizada a execução do novo prédio criminal”, aponta Neves, que também destaca que o magistrado não formalizou qualquer reclamação ou pedido de providência dessa natureza para que os trabalhos não sejam prejudicados. “Por fim, ressalta-se que outros júris de grande repercussão, a exemplo de julgamentos envolvendo líderes de organizações criminosas, já foram realizados neste ano sem quaisquer intercorrências”, pontuou.

    Caramante
    Valério Luiz na rádio onde apresentava um programa das 12h às 14h | Foto: arquivo pessoal

    O filho do radialista, o advogado Valério Luiz de Oliveira Filho, luta desde a época dos fatos com empenho para justiça no caso de seu pai e afirmou à Ponte que se sentiu indignado com o despacho. “Aquela sensação de espanto diante do absurdo, diante de algo que não deveria estar acontecendo em qualquer lugar normal”, desabafa. Ainda assim, diz que não vai descansar até ver o caso solucionado. “Desesperança não porque acredito que, até mesmo devido ao absurdo da situação, vamos conseguir achar uma solução”, apontou.

    Ainda nesta segunda-feira (1/4), algumas horas depois do despacho do juiz Jesseir Coelho de Alcântara, Valério desabafou nas redes sociais e contou um pouco da saga de anos para colocar os assassinos do pai atrás das grades. “Às vezes sinto que minha vida está marcada para o absurdo. Primeiro o absurdo do assassinato de meu pai, uma violência tão grotesca e gratuita que a única resposta é, desde sempre, a mobilização de todas as forças possíveis para uma justiça exemplar. Justamente daí decorreram outros absurdos: não nos esqueçamos que em virtude desse caso foi preciso aposentar compulsoriamente um juiz, Ari Ferreira de Queiroz; afastar um delegado, Manoel Borges; tirar um Cartório das mãos do assassino; e até atacar a decisão de um Ministro do Supremo, Lewandowski, que no fim de 2017 anulou parte do processo sem justificativa e depois, felizmente, voltou atrás”.

    Valério lembrou também do atraso no processo por causa da fuga de um dos acusados, Marcus Vinícius, que, solto à época, precisou ser recapturado em Portugal. “Depois o caso passou quatro anos nos Tribunais Superiores (STJ e STF) e, em 2018, quando estava prestes a ir a Júri, foi suspenso porque um dos réus, o sargento Da Silva, alegou insanidade”, escreveu.

    E pontuou a participação de agentes da segurança na execução do radialista. “As autoridades e o Estado já falharam comigo várias vezes. Basta lembrar que no próprio assassinato houve o apoio de viaturas policiais. Não entrei numa descrença completa porque muitos policiais, delegados, promotores e juízes cumpriram seu papel com retidão e percebi que precisamos nos aliar a estes e dar-lhes pelo menos uma chance de atuar”.

    Valério explica que os próximos passos são os seguintes: diante do posicionamento do diretor do Foro, de rebater as alegações do juiz, ele dará alguns dias para ver se haverá algum andamento do caso. Se isso não ocorrer, o advogado vai vai solicitar uma reunião com o presidente do TJGO (Tribunal de Justiça de Goiás) e, como último recurso, pretende levar o caso para o CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

    Entenda o caso

    Assassinado às 14 horas do dia 5 de julho de 2012, após participar de um programa esportivo na Rádio Jornal 820 AM, Valério manobrava o carro quando foi surpreendido por um motoqueiro armado que atirou seis vezes, atingindo o jornalista com cinco disparos. Enquanto via o filho morto no carro, o também radialista Mané de Oliveira e hoje deputado estadual, gritava, denotando que sabia quem seriam os autores.

    Em 10 de julho do mesmo ano, uma carta anônima foi enviada a todos os veículos de imprensa e gabinetes de autoridades de Goiás com detalhes de crimes que teriam sido cometido por policiais militares, um deles, o assassinato de Valério Luiz. A mesma carta dava sinais de que a diretoria do Atlético Clube Goianiense estaria envolvida na morte e aponta o cabo da PM Ademá Figuerêdo como o autor dos disparos.

    No dia 1° de fevereiro de 2013, A Polícia Civil de Goiás prendeu temporariamente o açougueiro Marcus Vinícius Pereira Xavier, considerado o “faz-tudo” de Maurício Sampaio, Urbano de Carvalho Malta e o sargento da PM Djalma Gomes da Silva, que atuava no Comando de Missões Especiais. No dia seguinte, a Polícia Civil de Goiás prendeu o então presidente do Atlético Clube Goianiense, Maurício Borges Sampaio, apontado como mandante do crime.

    Algumas semanas depois, a Polícia Civil finalizou o inquérito, indiciando Marcus Vinícius Pereira Xavier, Urbano de Carvalho Malta e Djalma Gomes da Silva como articuladores do homicídio, Ademá Figuerêdo Aguiar Filho como autor dos disparos e Maurício Borges Sampaio como o mandante do crime. Em 27 de fevereiro, o MP-GO (Ministério Público do Estado de Goiás) denunciou os cinco indiciados por homicídio duplamente qualificado. O motivo da execução, segundo a polícia, seriam comentários que o radialista fazia com teor crítico ao Atlético Goianiense e, por extensão, ao dirigente que teria encomendado seu assassinato.

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