Cega pela PM há nove meses, Gabriella coloca prótese e volta a sorrir

    Adolescente atingida por bala de borracha em baile funk na zona leste de SP desistiu de buscar justiça: “vai ser a maior frustração porque não vai dar em nada”

    Gabriella Talhaferro está com 17 anos e sonha em ser enfermeira | Foto: Arquivo/Ponte

    Durante os últimos nove meses, Gabriella Talhaferro, 17 anos, optou por não aparecer em fotos, algo que ela sempre gostou. Quando a ocasião era muito especial posava de uma forma que seu olho esquerdo não ficasse à mostra ou pedia para mãe usar algum efeito que cobrisse o trauma causado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.

    No entanto, desde a última quinta-feira (5/8), Gabriella já não precisa mais se esconder das fotos graças a uma prótese ocular e, segundo ela mesma, tem realizado várias selfies para recuperar o tempo que ficou sem ser clicada. Mesmo ferida pelo Estado, a prótese não foi adquirida pela gestão João Doria (PSDB), mas comprada por sua mãe, a manicure Kelly Talhaferro, 33.

    Gabi perdeu a visão do olho esquerdo na madrugada de 10 de novembro de 2019, quando havia deixado sua casa em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, para curtir o baile funk chamado de Beira Rio, em Guaianases, na zona leste da capital paulista. Já nas proximidades do ponto onde ocorreria a festa foi atingida à queima-roupa por um tiro de bala de borracha disparado de dentro da viatura por um policial militar.

    À época, a menina contou para a Ponte que após o tiro, mesmo sangrando, os policiais militares do  28º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), responsável pelo patrulhamento na área onde ela foi baleada, negaram socorro e ainda debocharam da sua situação. Até hoje, nem a Polícia Civil e nem a Polícia Militar informaram para a família quem foi o autor do disparo que cegou a menina. Meses após o crime ela reconheceu, através de fotos, o PM autor do disparo e o oficial que debochou de sua situação. No entanto, a PM negou que eles participaram da ação que resultou no uso de balas de borracha.

    “Estou bem feliz. Feliz demais. Me sinto normal igual a antes. Depois de tanto tempo finalmente eu coloquei [a prótese] e me senti bem. Só penso daqui para frente. Seguir para frente, estudar e fazer faculdade de enfermagem”, disse à Ponte a jovem que, atualmente, cursa o segundo ano do Ensino Médio.

    A felicidade de Gabriella Talhaferro é tão grande que, mesmo com uma semana de uso, ela revelou que a prótese ocular não incomoda em momento algum.

    A prótese demorou a ser colocada por causa da Covid-19, já que que a unidade médica em que Gabi passava pelo tratamento na USP (Universidade de São Paulo), na Cidade Universitária, no bairro do Butantã, zona oeste, teve de interromper o atendimento eletivo devido à pandemia.

    Como não havia prazo para a reabertura do posto e com risco de a cavidade ocular se fechar e reduzir as chances de sucesso na implantação da prótese, sua mãe decidiu procurar uma clínica particular e desembolsar R$ 1.400. “Foi muito rápido, em uma hora eu já estava com a prótese”, explica Gabriella sobre sua chegada até a clínica na Praça da República, centro de São Paulo, até ser liberada para voltar para casa.

    “Ela está quase igual o Coringa, sorriso de orelha a orelha”, revelou a mãe Kelly Talhaferro. A manicure também contou ter ficado muito emocionada ao ver a reação da filha ainda na clínica. “Na hora em que ela colocou a prótese eu comecei a chorar feliz da vida”.

    Descrença nas investigações

    Passados nove meses desde o dia em que foi atingida por um tiro disparado por um policial militar e sem respostas dos órgãos que investigam o fato, ou seja, o 44º DP (Guaianases), o 28º Batalhão de Polícia Militar e a Corregedoria, mãe e filha passaram a não querer mais correr atrás dos culpados diante de “tanto sofrimento para nada”.

    “Eu achei melhor parar. Além de demorar, vai ser a maior frustração porque não vai dar em nada. Achei melhor não ir mais atrás”, completou Gabriella.

    Sua mãe segue a mesma linha de pensamento e também analisa que a busca por justiça é injusta. “O que ela decidir eu faço, se ela quiser continuar a gente continua, se ela parar eu paro. Como é uma coisa que machuca muito ela, eu vou respeitar a decisão dela”, finalizou Kelly Talhaferro.

    Procurada, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) encaminhou nota explicando que “o caso é investigado por meio de inquérito policial instaurado pelo 44º DP. A equipe realiza diligências e aguarda apresentação de uma testemunha citada pela mãe da vítima. A Corregedoria da PM também apura o caso. Os dados seguem o sigilo imposto pelo artigo 16 do Código de Processo Penal Militar”. Também procurada, a Polícia Militar não se pronunciou.

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