Após ser alvo de representação do Condepe por se recusar a nomear novo nome para a Ouvidoria, governador Rodrigo Garcia volta atrás e nomeia Cláudio Aparecido da Silva, professor e militante do movimento negro
Quatro dias após ter sido alvo de uma representação no Ministério Público Estadual por se recusar a nomear o novo ouvidor das Polícias de São Paulo, o governador Rodrigo Garcia (PSDB) voltou atrás e decidiu fazer a nomeação do professor e militante do movimento negro Cláudio Aparecido da Silva, 46 anos, para o cargo. A nomeação foi publicada no Diário Oficial deste sábado (24/12).
A nomeação de Claudinho, como é conhecido, pôs fim a uma longa disputa que se arrastava há mais de um ano e que manteve no cargo o atual ouvidor, Elizeu Soares, mesmo após o seu mandato ter se encerrado.
Claudinho fazia parte de uma lista tríplice que havia sido eleita pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) em novembro do ano passado. Depois que o resultado das eleições saiu publicado com erros no Diário Oficial, o atual ouvidor, que não havia conseguido votos suficientes para entrar na lista tríplice, entrou com recurso contra o resultado do pleito. Além disso, os deputados estaduais Coronel Telhada (PP) e Douglas Garcia (PTB), críticos do trabalho da Ouvidoria, pediram a impugnação do processo eleitoral.
O Condepe, então, convocou novas eleições, que confirmaram os mesmos nomes para a lista tríplice: Claudinho, indicado pela Sociedade Santos Mártires, recebeu oito votos, enquanto Renato Simões, indicado pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), e Alderon Pereira da Costa, indicado pela Associação Rede Rua, receberam nove votos cada.
Apesar das pressão de movimentos sociais, que fizeram protestos e chegaram a fazer uma ocupação da Ouvidoria, o governador Rodrigo Garcia manteve Elizeu Soares no cargo e, em 15 de dezembro, declarou que não tinha intenção de nomear um novo ouvidor, deixando a decisão para seu sucessor, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Por causa dessa atitude, o Condepe entrou com uma representação no Ministério Público Estadual de São Paulo denunciando o governador Rodrigo Garcia (PSDB) por improbidade e crimes de responsabilidade. Pressionado, Garcia voltou atrás e fez hoje a nomeação.
A Ouvidoria das Polícias, criada em 1997 em São Paulo e a primeira do Brasil, é ligada à Secretaria da Segurança Pública e tem, dentre suas atribuições, o intuito de receber denúncias e reclamações sobre ações arbitrárias e abusivas cometidas por integrantes das Polícias Militar, Civil ou Científica, verificá-las e cobrar respostas das autoridades competentes, seja no âmbito administrativo dentro da própria polícia e da pasta, como também no do Ministério Público. Os próprios policiais podem recorrer ao órgão. A Ouvidoria também produz pesquisas e propõe melhorias no campo da segurança pública e direitos humanos. O mandato é de dois anos e o ouvidor ou ouvidora pode ser reconduzido ao cargo apenas uma vez.
Quem é Claudinho Silva
Nascido e criado na favela de Monte Azul, no Jardim Santo Antônio, na zona sul da cidade de São Paulo, Claudinho Silva conhece bem os efeitos do racismo estrutural que passará a combater agora no papel de ouvidor das Polícias. Em entrevista ao El País, contou que na infância viveu nas ruas por quase dois anos e foi mandado para a antiga Fesbem (Fundação Espírito-Santense do Bem-Estar do Menor, atual Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo, o Iases) após desacatar um policial que o repreendeu por pedir esmolas. Na mesma entrevista, contou que a descoberta do racismo também se deu com a polícia, dentro de uma delegacia, quando trabalhava como engraxate, função que desempenhou por oito anos: um investigador brincou que ele não estava fazendo o trabalho direito e Claudinho ouviu uma pessoa dizer “nem para isso essa raça serve, né?”.
Começou a militar no movimento negro ainda na adolescência. Teve contato com o hip hop, atuando como assessor do rapper Dexter, e se filiou ao PT. Entre 2015 e 2016, atuou como coordenador de Políticas para Juventude da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania durante a gestão do prefeito Fernando Haddad (PT). Em 2018, candidatou-se a deputado estadual, quando recebeu 7.284 votos e não se elegeu. Atuou como coordenador do SOS Racismo, da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, de 2019 a 2021.
Em entrevista no ano passado à Rede TVT, Claudinho disse que a Ouvidoria das Polícias é “uma conquista do movimento social” destinada a fazer o controle externo da atividade policial, “mas é um controle externo que não necessariamente vem para atacar ou enfrentar essas forças de segurança pública”. Em vez do enfrentamento, segundo ele, a Ouvidoria deve buscar o “diálogo permanente” com as polícias. “A gente tem que equilibrar o desafio de discutir e formular política de segurança pública e ao mesmo tempo pensar essa política calcada em questões de direitos humanos, que são importantíssimas. As duas agendas não são contrapostas, podem ser construídas conjuntamente e andar em harmonia na formulação e na concretização de políticas públicas”, declarou na época.
Correções
26/12, às 19h45 - A Ponte errou ao informar que Claudinho Silva havia sido mandado, na infância, para a antiga Fundação Casa, de São Paulo, baseando-se em reportagem do El País. Conforme o próprio Claudinho esclareceu em entrevista, ele havia sido enviado para o equivalente capixaba da Febem, a Fesbem (Fundação Espírito-Santense do Bem-Estar do Menor). A informação foi corrigida.