Trajetória do movimento que envolve a paixão pelo hip hop e os ensinamentos do xadrez nas ruas do Grajaú, zona sul de SP, é tema do décimo episódio de Cultura de Periferia em Tempos de Pandemia
A união improvável do jogo de xadrez com a cultura hip hop tem transformado e conquistado os moradores do Jardim Reimberg, no Grajaú, periferia da zona sul de São Paulo. Desde 2002, o grupo Xemalami promove conhecimento e música sobre a própria realidade cotidiana da quebrada: desde a repressão policial à falta de políticas públicas de incentivo à cultura. A história do coletivo é contata no décimo e último episódio de Cultura de Periferia em Tempos de Pandemia, série da Ponte em parceria com a Todos Negros do Mundo. Todos os episódios estão disponíveis no YouTube e estão sendo transmitidos na Rede TVT.
Durante a conversa com a apresentadora Stephanie Catarino, os rappers Hyt e Drezz contaram que o Xemalami surgiu de um encontro de quem sentia a ausência do Estado e, por vezes, da família para produzir arte e praticar esporte. No início do projeto, eles ocuparam uma biblioteca abandonada no bairro e assumiram o papel de incentivar a leitura e a ensinar o xadrez.
Drezz fala que a paixão pelo rap aproximou os moradores e fez com que as atividades do coletivo se tornassem itinerantes. “A gente começou a ocupar praça, calçada, qualquer espaço não institucional onde fosse possível armar uma mesa de xadrez, reunir pessoas e trazer algo diferente”. Apesar da percepção de que o xadrez é um jogo elitizado, a comunidade aprovou a combinação com a cultura hip hop.
“O rap, assim como o xadrez, precisa de responsabilidade para ser feito. Principalmente nos 1990 que havia uma militância maior do hip hop, um grau de politização mais forte, críticas mais ácidas, as questões raciais eram muito mais forte. Você sempre ter muito cuidado com o que vai falar e fazer. O xadrez tem muito desse sentido de ser zeloso, de ter atitude mais previsível”, explica Drezz.
Os eventos reuniam em média 500 pessoas, segundo Hyt. Mas, durante a pandemia de Covid-19, as atividades foram reduzidas. “Sempre tivemos envolvidos com grafiteiros, DJ’s e outros MC’s e procuramos manter a base do hip hop como forma de ensinamento, principalmente para as crianças que são nosso maior público no xadrez”, comenta. Desde o ano passado, o Xemalami se dedica a compor músicas e a realizar atividades e oficinas de xadrez pontuais de forma online.
Além da ameaça do vírus, eles contam que a periferia também lida com o aumento da repressão em abordagens policiais. “A gente tem que tomar cuidado mais do que redobrado e tentar zelar pela nossa vida, como em um jogo de xadrez, criar estratégias de sobrevivência”, compara Drezz. Até o fim do ano, Hyt deseja retornar presencialmente as atividades: “esperamos que a população se vacine para poder voltar a fazer um xadrez sem muros e reunir todo mundo”.