Como é a punição para LGBTfobia no Brasil

Discussão sobre tema ganhou força nesta semana após fala do pastor André Valadão com discurso de ódio; especialistas avaliam que Congresso Nacional é omisso em não criar lei específica 

André Valadão é pastor na Igreja Batista da Lagoinha e viralizou com falas preconceituosas | Foto: Instagram, reprodução

Um duro discurso do pastor André Valadão contra a população LGBT+ viralizou nesta semana. Durante a pregação em um culto na filial da Igreja Batista da Lagoinha em Orlando, nos Estados Unidos, Valadão disse que, se pudesse, “Deus mataria” e “começaria tudo de novo” ao se referir à comunidade LGBT+, incitando ainda o público a “ir para cima” de pessoas LGBT+. Representações contra a fala foram feitas ao Ministério Público Federal (MPF) e também ao Ministério Público de Minas Gerais, estado natal do religioso. No Brasil, desde 2019, a LGBTfobia foi equiparada ao crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Contudo, o tema da responsabilização ainda é espinhoso e carece de uma legislação própria. Para Neon cunha, especialista ouvida pela Ponte, a omissão do legislativo em relação à pauta segue. 

Duas ações que discutiam a criminalização da homofobia e da transfobia (que hoje já é possível entender como LGBTfobia) chegaram ao STF em 2012 e 2013 em representações feitas pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transsesuais (ABGLT) e pelo partido Cidadania (então PPS). O pedido era para que a corte reconhecesse a omissão do Congresso Nacional ao não aprovar lei que tornasse crime esse tipo de manifestação.

A lei do racismo (Lei 7.716/89) pune a descriminação ou preconceito com pena de dois a cinco anos de prisão. A decisão do STF prevê a equiparação entre racismo e LGBTfobia até que seja editada pelo Congresso uma lei específica sobre o assunto.

Cinco anos depois, há projetos de lei que acabaram arquivados ou retirados de pauta —  como o PL 5.003/01, mais conhecido como “projeto anti-homofobia” apresentado pela então deputada federal Iara Bernardi (PT-SP), que acabou engavetado após ser levado ao Senado. 

Uma das propostas mais avançadas atualmente nesta temática é o PL 7582/14, da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS). O projeto quer tornar hediondo o homicídio contra lésbicas, gays, bissexuais, travestsi, transexuais, intersexo e demais pessoas trans. Apesar de rejeitado na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, o PL agora tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. 

Para a ativista independente Neon Cunha, há uma urgência em “produzir legislativo”. Ela pontua que a omissão chancelada pelo STF em 2019 segue até hoje no Congresso. “A omissão é o dedo no gatilho. As mortes dessas pessoas, as violências com as quais elas são submetidas está diretamente ligada com a ausência de compromisso dessas pessoas que advogam aquele jogo perverso do racismo que faz confundir direitos básicos com privilégios”, fala Neon. 

Neon critica o discurso que atrela pauta identitárias, como o caso da religião, a agir de forma preconceituosa com outras pessoas. 

“É justamente essa pauta identitária que vai dizer ‘não vamos avançar nessa discussão, as pessoas não merecem a plenitude do direito humano’, porque legislar é garantir que os direitos humanos sejam preservados nem que seja pelo rigor da lei”, coloca. 

Para a ativista, o discurso de ódio é criado e alimentado em uma espécie de “nós contra eles”, que tem como consequência a perseguição de grupos por vezes marginalizados. 

“Eles produzem o pecado para depois produzir o pecador e condenar, dizer quem deve ser punido, quem deve ser perseguido, anulado. E por isso a gente não pode desistir do legislativo”, argumenta.

Como funciona a punição no Brasil 

Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Coordenador do Núcleo de Direito Criminal da Dotti Advogados, Gustavo Scandelari diz que a punição aos crimes de LGBTfobia não é a mais adequada. 

“É uma situação longe da ideal, justamente porque a lei não prevê homofobia como crime, e por isso a sociedade brasileira precisa emprestar outra lei, que não trata do assunto, para reprimir tal conduta. O conceito jurídico de homofobia, então, será definido caso a caso, pelas autoridades públicas que investigarem e examinarem a situação”, diz Scandelari. 

Ele explica que, sem lei expressa sobre LGBTfobia, esse tipo de crime pode ser enquadrado pela lei do racismo e também, dependendo da conduta, em outras tipificações como injúria, difamação, ameaça, lesões corporais ou homicídio. 

“Aguarda-se que os representantes eleitos produzam lei específica sobre homofobia e suas diferentes expressões em nossa sociedade com brevidade”, completa o advogado. 

Dois casos recentes mostram como está sendo aplicada a punição para quem comete esse tipo de crime. Em maio deste ano, o apresentador Gilberto Barros teve recurso negado e a condenação mantida por homofobia. Ele foi condenado a dois anos de prisão que acabaram convertidas em prestação de serviços. Barros foi processado por dizer “que vomita e bate em homens que se beijam” durante participação no programa Amigos do Leão, publicado em setembro de 2020 no Youtube. 

Outra condição recente foi a condenação do deputado distrital João Hermeto de Oliveira Neto (MDB). A decisão de março passado teve relação com o processo de 2020. O político criticou por meio de áudio e também em nota publicada por sua assessoria o beijo de casais homoafetivos em uma cerimônia de formatura da Polícia Militar. 

A juíza Ana Claudia Loiola de Morais Mendes entendeu que o deputado cometeu “racismo social”

“Tais imagens foram divulgadas nas redes sociais, sendo alvo de inúmeros comentários homofóbicos, inclusive em grupos de WhatsApp de integrantes das forças de segurança pública do Distrito Federal, tal como o do ora em comento, revelando, assim, a prática da incitação da discriminação e o preconceito de raça, notadamente em decorrência da existência dos elementos referentes à orientação sexual (racismo social)”, escreveu na setença.

João Hermeto de Oliveira Neto foi condenado a dois anos de prisão em regime aberto, mas teve a pena substituída por medidas restritivas. 

MPF pede retirada de vídeos de Valadão

Autora da ação no MPF, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), compartilhou nesta sexta-feira (7/6) que o órgão pediu a retirada dos vídeos com discurso lgbtfóbicos pelo pastor. O pedido também solicita que Google e Meta retirem o conteúdo do ar. Ao g1, o Google disse que o conteúdo não violava as diretrizes da empresa. 

Nas redes sociais, Valadão só comentou o caso compartilhando a decisão do Google, sem mencionar a solicitação do MPF. Após a repercussão, ele também compartilhou no Instagram uma postagem em que diz que não falou em perseguição.

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“Eu não estou falando para perseguir, eu não estou falando para bater, para não responder, para não estar junto, para não trabalhar junto. Não tem nada disso, nós amamos. Temos que amar, amar o drogado, amar o alcoólatra, amar o adúltero […] amar o homossesual”, afirma em um vídeo feito durante um culto. 

Em outro trecho, no entanto, Valadão fala em “promiscuidade” ao se referir às pessoas LGBT+ e completa dizendo que “eu preciso odiar o pecado, eu preciso odiar a impureza sexual”. 

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