‘Como lavar as mãos sem água?’, perguntam 300 famílias na periferia de SP

    Moradores do Jardim Elizabeth II temem coronavírus, porque Sabesp deixa a comunidade sem água; governo Doria não tem data para resolver o problema

    Água. Um item básico para a sobrevivência e um dos maiores aliados contra a propagação da Covid-19. Mas quem mora no Jardim Elizabeth II, em São Mateus, na zona leste da cidade de São Paulo, não tem água nem para beber, muito menos para lavar as mãos.

    A zona leste é a região mais afetada pela pandemia do coronavírus, com 499 óbitos (suspeitos e confirmados), de acordo com levantamento da Secretaria Municipal da Saúde e da Prefeitura da cidade de São Paulo, segundo os dados mais recentes, divulgados no dia 16.

    O Jardim Elizabeth, contam os moradores, existe há oito anos e é um terreno de ocupação que está em fase de regularização. Para a luz e a água chegaram ao local, os moradores tiveram que brigar com o poder público. O problema da falta de água é antigo, mas, segundo os moradores, piorou desde o começo do ano.

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    A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), empresa de economia mista que tem como maior acionista o governo João Doria (PSDB), reconhece o problema, afirmando que o fornecimento de água no bairro é “intermitente”.

    A Companhia, porém, afirma que o abastecimento só será normalizado quando a ocupação do bairro for regularizada, o que não tem data para acontecer.

    Moradores do Jardim Elizabeth II gravaram e enviaram à Ponte diversos vídeos contando como tem sido o dia a dia sem água durante a crise da Covid-19.

    Moradora mostra a torneira sem água | Foto: reprodução

    A cada dois dias, a dona de casa Laís Guimarães, 31 anos, precisa sair de casa com três galões para buscar água na casa da sua mãe, que mora em São Bernardo, no ABC Paulista, a oito quilômetros de distância. Ela já está sem água há cinco dias.

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    “A gente tá sofrendo muito com a falta de água, agora na pandemia piorou muito. Eu tenho um bebê de 1 ano e dois meses, então preciso de água para tudo”, conta.

    “Eu tenho carro, mas e quem não tem gente próxima? Fica mais difícil ainda. Não estamos pedindo nada demais, só que a Sabesp faça o mínimo e nos forneça água potável. É muito difícil, tem horas que dá muito desespero, não tem água nem para fazer comida”, desabafa Laís.

    Laís busca água de dois em dois dias na casa de sua mãe, que mora no ABC Paulista | Foto: Arquivo pessoal

    Quem também tem enfrentado dias difíceis é o autônomo Ronaldo de Jesus Maciel, 42 anos. Ele vive com a esposa e três filhos e precisou instalar duas caixas d’água para não ficar sem água em casa. Mas, quando a coisa aperta, ele também recorre a casa da sogra.

    “Eu tenho duas caixas, uma de 500 litros e uma de 1.000 litros. A menor já acabou e a segunda está no fim. Ontem de noite fomos tomar banho e não tinha. Tivemos que pegar água na caixa maior”, explica Ronaldo.

    “Nesse período de pandemia, temos que lavar as mãos muito mais vezes e as roupas também, pois quando saímos temos que chegar em casa fazer a troca de roupa para evitar assim o contágio da doença”, lamenta.

    “Além da falta de água tem a questão da saúde. Se você olhar a minha caixa tem muito barro, porque a água já não vem limpa, já que o cano não é legalizado. Não consigo limpar a caixa d’água para não ficar sem água. É um transtorno constante isso que estamos passando aqui no bairro”, completa Ronaldo.

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    “A Sabesp prometeu de fazer a obra agora em janeiro, estavam aguardando uma licitação para começarem as obras, mas não fizeram. Agora começou essa epidemia e metade do bairro não tem água”, afirma o encanador Ademílson Ferreira da Silva, 46 anos, mais conhecido como Baia, presidente Associação dos Moradores do Jardim Elizabeth II.

    “A gente comprou uma bomba [de água] e colocamos para quem mora mais para cima, que são as pessoas dos vídeos. Mas a pressão de água da Sabesp é muito baixa, não consegue suportar e não chega água para todo mundo”.

    A última reunião entre a Sabesp e a associação de moradores, conta Baia, foi em 2 de abril, quando a pandemia já estava avançada e a cidade de São Paulo estava em quarentena para contenção do avanço do coronavírus.

    “Eu reclamei com eles na reunião, mas falaram que a obra só vai começar daqui três meses. Eu falei que daqui três meses a população estaria morta, porque não temos como lavar as mãos, fazer comida”, aponta a liderança.

    “O pessoal está indo em outros bairros para buscar água. Eu sigo cobrando eles e falaram que vão trazer caixas d’água, mas queremos água definitiva para o bairro, que eles só vão fazer daqui 3 meses. Água é uma necessidade para todo mundo”, lamenta.

    O que diz a Sabesp

    Em nota, a Sabesp informou que “o abastecimento é normal em toda a área atendida” e que “nas áreas de ocupação irregular há impedimento legal para implantação de redes de água e esgoto”. Segundo a Companhia, “o Jardim Elizabeth II é uma área não regularizada, onde a Sabesp realizou uma ligação provisória junto à Associação dos Moradores”.

    A Sabesp também informou que “em virtude do aumento de consumo, o abastecimento é intermitente, especialmente nas regiões mais altas”. A Companhia afirma que adequou a pressão das redes para minimizar os impactos, mas a “solução definitiva depende da regularização”.

    Em nota, a Sabesp afirma, ainda, que realiza de forma permanente ações em comunidades e que, por causa da pandemia de coronavírus, a empresa adotou medidas como distribuição de mais de 3.000 caixas-d’água a moradores que não têm o reservatório, instalação de lavatórios em parceria com a Prefeitura de SP e isenção por 90 dias de pagamento de conta para mais de 2 milhões de pessoas que têm direito à tarifa social.

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