Pedro Henrique Santiago da Silva, 28 anos, foi preso em dezembro de 2017 por um crime que aconteceu em novembro de 2015; a única prova contra ele é o reconhecimento por foto
29 de novembro de 2015. Era começo do dia quando o auxiliar de acabamento Pedro Henrique Santiago da Silva, à época com 23 anos, saiu do trabalho na Barra Funda, zona oeste da cidade de São Paulo, às 6h da manhã, e foi para casa no bairro de Rochdale, em Osasco, Grande SP. Enfrentou o trajeto de 13km, feito em uma hora, se o trem colaborasse, para curtir seu único dia de folga na semana. Naquela tarde, tinha um compromisso importante: ver o jogo do Corinthians.
Era lei para Pedro acompanhar os jogos do seu time de coração com os amigos. Naquela tarde, Corinthians, de Tite, enfrentaria Sport Recife, na Arena de Pernambuco, na reta final do Campeonato Brasileiro. Por isso, segundo a sua família, chegou em casa e foi descansar, para recuperar as oito horas de sono perdidas com o expediente.
Enquanto Pedro estaria dormindo, por volta das 12h, um assalto com extorsão acontecia a quilômetros dali, na Avenida das Nações Unidas, altura do número 300, na Marginal Pinheiros, zona oeste da cidade. Três homens bateram no carro de uma mulher, que parou o carro para ver o dano. Quando saiu do carro, os homens entraram e a obrigaram a seguir suas ordens. No fim, sacaram mais de R$ 1.200,00 de sua conta, levaram joias e seu iPhone 5.
Pedro assistiu ao jogo e viu o Corinthians perder de 2×0. Dois fatos ainda não eram conhecidos do jovem naquela tarde de domingo: a derrota não iria impedir o Corinthians de ser campeão brasileiro naquele ano e ele seria acusado de ser um dos três homens responsáveis por esse crime. Essa versão foi narrada à Ponte pela família de Pedro, que tenta provar sua inocência desde o dia em que ele foi preso.
O crime que Pedro foi acusado foi registrado no 78º DP (Jardins) como roubo e extorsão qualificada com restrição de liberdade, conhecido como “sequestro relâmpago”. Na delegacia, a vítima descreveu que um dos homens era branco, magro, com barba, o outro era negro, forte, sem barba e o terceiro negro, magro e sem barba.
Em entrevista à Ponte, Tatiana Cerquilha Bezerra Santiago do Nascimento, 35 anos, irmã mais velha de Pedro, conta que o jovem é muito trabalhador, responsável, nunca pegou nada de ninguém. “Eu tentei acreditar na Justiça do homem”, lamenta.
“Meu irmão não tinha passagem, o pastor dele foi testemunha, amigo de infância foi testemunha, o chefe dele foi testemunha, mas nada foi válido para inocentar ele. Eu não acho justo meu irmão pagar por algo que ele não fez, enquanto o que fez deve estar fazendo nova vítimas”.
No processo, o advogado Alonso Vasconcellos Campos, primeiro criminalista que cuidou da defesa de Pedro, anexou dados trabalhistas do jovem, que apontam que ele foi contratado em setembro de 2013. Também foi anexada a folha de ponto que Pedro trabalhou das 22h35 as 6h, e uma declaração dos donos da gráfica apontando que Pedro nunca teve problemas com faltas ou atrasos e tinha um bom desempenho profissional.
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O reconhecimento de Pedro
O reconhecimento aconteceu no 2º DP (Bom Retiro), por fotografia: Pedro e mais dois homens. O auto de reconhecimento, anexado ao processo, aponta que a vítima não descreveu as características que pudessem apontar que o suspeito era Pedro, mas ela o reconheceu “sem sombra de dúvidas”.
Segundo a vítima, Pedro foi a pessoa que sentou no banco traseiro do veículo e subtraiu seus pertences. Pegou a direção no fim da uma hora que ficou com os assaltantes. Em 4 de janeiro de 2016 um inquérito policial foi aberto no 14º DP (Pinheiros) pelo delegado William E. G. Wong Alves. A equipe Phoenix 72 foi responsável pelas investigações, com o agente policial Luiz Roberto Laranjeira e os investigadores Anderson R. Silva e Roberta C. de Sá.
Pedro foi chamado na delegacia no dia 8 de junho de 2017, quando foi reconhecido pessoalmente pela vítima. No interrogatório, o jovem afirmou que não conhece os outros dois acusados, que nunca teve envolvimento com fatos ilícitos e trabalhava na gráfica desde 2013. Não foi preso naquele dia.
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Em 14 de setembro de 2017 o delegado William Alves solicitou a prisão de Pedro. Pedro foi considerado foragido e juíza pediu para o processo ser desmembrado já que os outros dois ficaram presos durante o processo de instrução. Mas a defesa afirmou no processo que ele não foi notificado que havia um mandado contra ele. Só ficou sabendo em 1 de dezembro de 2017, quando foi até o Poupatempo de Osasco fazer um novo RG. Saiu de lá preso, encaminhado para o CDP de São Bernardo. Desde fevereiro de 2018, Pedro cumpre pena no CDP de I Osasco.
“A minha mãe lavou o RG dele então falei para ele ir tirar um documento novo, caso precisássemos procurar um advogado. Fui com ele e com a minha filha, para tirar o RG dela. Dele demorou muito, até que a moça do Poupatempo veio me avisar que ele tinha um mandado de prisão e que a polícia iria buscar ele”, conta Tatiana, irmã de Pedro.
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A foto de Pedro apresentada à vítima foi retirada do seu perfil no Facebook, já que o jovem nunca tinha tido passagens pela polícia. Essa informação só aparece no processo em 31 de julho de 2018, na sentença da juíza Leyla Maria da Silva Lacaz, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que condenou Pedro a 11 anos e 7 meses de prisão. Quem foi responsável pela denúncia foi o promotor Salmo Mohmari dos Santos Junior. A única prova contra o jovem é o reconhecimento.
O atual advogado de defesa de Pedro, o criminalista Paulo Estevão Tamer, chama atenção para a contradição dos policiais civis envolvidos na prisão de Pedro durante o processo. “Foi dito que o Pedro teria sido reconhecido no Sistema Alpha, no álbum de suspeitos que já haviam sido condenados por crimes similares, mas Pedro nunca havia pisado em uma delegacia. Depois os policiais disseram que acharam a foto do Pedro no registro civil”.
“Imagina eu procurando todos os homens, com a idade do Pedro, com a altura do Pedro, com a cor de pele do Pedro no estado de São Paulo. Isso é totalmente impraticável, não foi assim. A verdade veio à tona quando a policial disse na audiência que o Pedro era amigo no Facebook de um dos ladrões. É assim que estamos escolhendo culpados, é sorteio. Se a vítima reconhecer está reconhecido”, critica.
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Para a juíza, “o comportamento do réu demonstra que solto ele agride bem jurídico alheio, compromete a tranquilidade pública, aterrorizando pessoas pacatas e indefesas e praticando crime de gravidade. Some-se a isso que o réu esteve foragido e possivelmente tentará se furtar à aplicação da lei penal. Assim, mantenho a custódia cautelar do réu a fim de se resguardar a ordem pública e garantir a aplicação da lei penal”.
“O crime foi em 2015 e meu irmão preso em 2017. Se eu estou sendo ameaçada com uma arma na minha cara, com o rosto de lado, como eu vou ter detalhes do rosto do assaltante? Um reconhecimento por foto de Facebook, mandada pelos investigadores para a vítima, deveria ser ilegal”, lamenta Tatiana, irmã de Pedro.
Fragilidade das provas
À pedido da Ponte, a advogada criminalista Marina Toth, colaboradora da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, analisou o processo de Pedro. Para ela, o mais grave, é o uso “amplo e irrestrito” do reconhecimento por foto que gera, em muitos casos, “condenações equivocadas”.
“Essa situação é agravada quando o reconhecimento se dá por fotos em redes sociais de pessoas que não têm nenhuma passagem policial, podendo resultar em direcionamento policial. Esse equívoco é raramente corrigido posteriormente, pois grava na memória da vítima a imagem de determinada pessoa como se realmente fosse o autor do crime”.
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Toth também avalia que a decisão de prisão e de manutenção de prisão, que se pauta em “eventuais elementos de autoria e materialidade”, deve ser derrubada por não ter elementos aptos para prisão preventiva.
“Salta aos olhos a robustez dos bons antecedentes. Pessoa com trabalho fixo no mesmo local há mais de 5 anos, excelentes depoimentos de chefe e amigo de trabalho, que inclusive fornece um elemento essencial ao afirmar que dividiam a mesma condução”, completa.
Paulo Estevão Tamer, advogado de defesa, conta que, daqui para frente, a defesa continuará como sempre atuou: “apontando para o Tribunal que a sua interpretação não pode estar para além da objetividade dos fatos”. “Não são fatos processuais, são fatos científicos. Há uma enorme preocupação nos EUA, inclusive por parte do próprio governo, de sempre revisar os paradigmas de identificação de sujeitos, é uma preocupação global com as falhas da memória, com a possibilidade de indução externa no ato de reconhecimento pessoal. O reconhecimento de pessoas representa um absurdo da forma como é feito”.
O advogado lembra da decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em que o ministro Rogerio Schietti Cruz decidiu, no último dia 27, que o reconhecimento por foto não basta para condenar alguém. Paulo afirma que a defesa destacará isso no recurso. “A decisão do STJ é admirável, já que ele é o nosso algoz e o ator que todo esse tempo convalidou essas práticas completamente absurdas, em especial a ‘mera recomendação’ do legislador”.
O grande problema do artigo 226 do Código de Processo Penal, que traz o passo a passo para um reconhecimento de pessoas, explica Paulo, não era a interpretação que o STJ dava, mas sim o STJ entender que o artigo poderia ser interpretado de outra forma para além do que há na lei. “O Tribunal não pode dizer que o legislador meramente recomendava, o Tribunal não tem o poder de negar a ciência envolvida na identificação de suspeitos em razão de uma decisão que, diga o que quiser, diz respeito única e exclusivamente à política criminal, e é uma política imensamente malfeita”.
“O STJ diz que se trata de mera recomendação e ainda assim os policiais colocam no processo auto de reconhecimento positivo dizendo que cumpriram os passos do artigo 226 e é isso que é assustador. Isso é desmentido por si próprio nas audiências, quando eles dizem que mostraram uma foto no celular para a vítima ou a vítima desmente os policiais. Como é o caso do Pedro”, aponta o advogado.
Outro lado
A reportagem procurou a Secretaria da Segurança Pública, pedindo entrevista com os policiais e os delegados citados, com o Ministério Público e Tribunal de Justiça, e aguarda retorno.
[…] Fonte: Post Completo […]
[…] “O STJ diz que se trata de mera recomendação e ainda assim os policiais colocam no processo auto de reconhecimento positivo dizendo que cumpriram os passos do artigo 226 e é isso que é assustador. Isso é desmentido por si próprio nas audiências, quando eles dizem que mostraram uma foto no celular para a vítima ou a vítima desmente os policiais. Como é o caso do Pedro”, aponta o advogado. Com informações da PonteJornalismo […]