Processo estava parado há sete meses e desembargador reconheceu que não havia provas; dançarina negra foi reconhecida pelo cabelo
O Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu, nesta quarta-feira (13/5), a dançarina Bárbara Querino de Oliveira, condenada no dia 10 de agosto do ano passado por roubo a carro. Negra, Babiy foi reconhecida pelos cabelos por vítimas brancas em dois processos e ficou presa 1 ano e 8 meses. Agora, está definitivamente inocentada das acusações.
Em sua decisão, o desembargador Guilherme Souza Nucci considerou que não havia elementos suficientes no processo para a condenação de Bárbara, que recebera pena de cinco anos e quatro meses de prisão. O processo permaneceu sete meses no TJ antes da decisão, prevista inicialmente para outubro de 2019.
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Segundo ele, o reconhecimento de Bárbara aconteceu em circunstâncias pouco esclarecidas, por meio de um grupo no WhatsApp no qual estava um delegado. “Os ofendidos reconheceram Bárbara em razão de seu cabelo, circunstância, no mínimo, peculiar, sobretudo pela ausência de traços diferenciais no cabelo da referida acusada”, explica o magistrado.
O crime teria acontecido no dia 10 de setembro de 2017, às 14h30, na cidade de São Paulo, quando um casal teve o veículo Honda Civic roubado. No mesmo momento, Bárbara estava trabalhando no Guarujá, cidade no litoral paulista e distante 95 quilômetros da capital. Ela tinha postagens nas redes sociais que confirmavam a versão.
Nucci prossegue dizendo que o reconhecimento fica “mais enfraquecido” pela dançarina ter ficado à distância na hora do roubo, conforme os relatos das vítimas. Para ele, os reconhecimentos seriam as únicas provas que sustentavam a condenação e, portanto, Bárbara tinha que ter sido absolvida.
“Tais dúvidas quanto à participação da ré Bárbara na empreitada criminosa, não solucionadas a contento pela produção das provas em juízo, devem beneficiar a defesa”, define. Participaram da decisão os desembargadores Camargo Aranha Filho e Leme Garcia, que concordaram com a decisão relatada por Nicci. Newton Neves, presidente da 16ª Câmara Criminal do TJ, não tem direito a voto.
Uma das vítimas do roubo disse que havia reconhecido Bárbara com “100% de certeza” a partir de uma única fotografia, mostrada por policiais civis do 99º DP (Campo Grande). A identificação com base em uma única foto, chamada de show-up, costuma causar reconhecimentos falsos — que acontecem com maior frequência em casos de vítimas brancas reconhecendo suspeitos negros.
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No processo, a defesa chegou até mesmo a colocar uma imagem de Babiy e da atriz Thais Araujo para demonstrar a tese da perícia.
À Ponte, Bárbara explicou que ainda estava em choque com a notícia. “Estou tentando associar na mente o que aconteceu”, confessa. “Quando o advogado começou a falar meu coração disparou. ‘Tenho uma novidade e é do processo’. Comecei a tremer”, conta sobre o momento que soube da segunda absolvição.
“Ele falou como se fosse um tapa na cara tamanho o impacto. Eu estou feliz para caramba. Mesmo em quarentena, ter essa notícia… Ressignifica muita coisa na minha vida, no meu trabalho, que vai continuar mais forte. Fora que agora posso viajar, não preciso mais assinar. Claro, depois da quarentena”, continuou a modelo.
Babiy estava fora da prisão desde o dia 10 de setembro de 2019, quando recebeu liberdade condicional por ainda ter esta condenação. Anteriormente, Bárbara foi absolvida por outro roubo a carro: um automóvel Honda CR-V, onde estavam dois irmãos, no Jardim Marajoara, na zona sul de São Paulo, em 26 de setembro de 2017. O crime foi praticado por dois homens e uma mulher. Além de Bárbara, outros dois réus foram acusados pelo crime.
Na decisão, a juíza Juíza Lilian Lage Humes, da 21ª Vara Criminal de São Paulo, absolveu Bárbara e um outro réu por falta de provas. Durante o julgamento, a vítima hesitou. Ao ver Bárbara pessoalmente, apontou com “80% de certeza” que ela era uma das assaltantes, com base na altura, no cabelo e na cor da pele de Bárbara. A juíza considerou que a falta de certeza da vítima não permitiria a condenação da modelo.
O advogado da dançarina, Flávio Roberto Moura de Campos, destaca que Bárbara sentiu na própria pele “as amarras do racismo institucional, da criminalização da negritude e da pobreza”, depois de ter confirmado sua versão e de cumprir pena inocente. “A luta da Bárbara, de forma tão engajada, deixou evidente que não tinha outro caminho senão reconhecer sua absolvição pós cumprimento, injustamente, de sentença”.
Flávio define que “Bárbara protagonizou a sua luta”, citando que a decisão sai em data simbólica, quando se completa 132 da abolição da escravatura. “Apesar de hoje ser o dia em que se lembra da abolição da escravidão, é mais uma evidência das farsas coloniais que tentam inclutir na nossa mente de que há igualdade de direito entre negros e brancos nesse país”, afirma.
Ao sair da prisão, Babiy atuou de forma recorrente para ajudar as pessoas presas. Em entrevistas e palestras, ela destacou a necessidade de se olhar para a situação dos presídios. Em meio à pandemia de coronavírus, criou junto de outra ativista uma campanha para doar alimentos e itens de higiene para presos e presas.
Atualização às 18h16 para incluir fala do advogado de Bárbara e citar seu trabalho de doações para os presos em meio à pandemia de coronavírus.
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