Divulgada nesta segunda-feira (31/8), resolução da SSP-SP define novas regras para abordagens após mortes de PMs e conflitos entre policiais nas ruas
Em resolução publicada no Diário Oficial nesta segunda-feira (31/8), o general João Camilo Pires de Campos, secretário de Segurança Pública de São Paulo, determinou como devem ser as abordagens entre policiais no estado de São Paulo.
Divulgada após a publicação de ofícios do Sindpesp (Sindicato dos Delegados de Polícia São Paulo) e dos deputados estaduais Bruno Lima (PSL) e Isa Penna (Psol), a Resolução SSP-75 possui nove artigos do procedimento a ser adotado por policiais que abordam outros policiais.
Para o Sindpesp, após a morte de três policiais militares em uma abordagem a um falso policial civil (popularmente conhecido como “ganso”), a tensão entre a Polícia Militar e a Polícia Civil aumentou nas ruas de São Paulo.
Nos últimos dias, desde a madrugada de 8 de agosto, quando os PMs José Valdir de Oliveira Júnior, 37 anos, Celso Ferreira Menezes Júnior, 33, e Victor Rodrigues Pinto da Silva, 29, foram mortos por Cauê Doretto de Assis, 24, que também morreu na ação, policiais militares já abordaram de maneira truculenta mais de 6 policiais civis.
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Um dos casos foi o do policial civil Daniel Dambrauskas de Mello, 34, que abriu um boletim de ocorrência contra dois PMs do 24º Batalhão da PM paulista (Vila Madalena) por injúria e abuso de autoridade após abordagem policial em um bairro rico na tarde de 25 de agosto.
A nova resolução argumenta que a abordagem entre policiais deve ser pautada pelos princípios da “dignidade da pessoa humana, da impessoalidade e da estrita legalidade”. Caso o policial esteja em trabalho investigativo, durante a abordagem, deve informar imediatamente para “evitar prejuízo ao trabalho”.
Um policial, ao realizar uma abordagem, segundo a nova resolução, deve ter as seguintes ações em mente: verbalizar os comandos de forma clara e inteligível, identificar policiais por meio de outros dispositivos, como vestimentas, viatura, sinais luminosos e sonoros e verbalização, e conferir a documentação entregue pelo policial abordado.
A nova resolução também fala sobre revistas pessoais e desarmamentos. Por serem medidas “excepcionais”, detalha o secretário de Segurança Pública, serão permitidas em apenas três situações: quando o abordado se recusar a obedecer as ordens de comando e, principalmente, entregar a carteira funcional; quando o abordado não estiver portando a carteira funcional; ou quando o abordado apresentar sinais de descontrole físico, emocional ou comportamento agressivo.
Se um policial abordado precisar ser revistado e desarmado, a resolução exige que ele diga quantas armas está portando, não faça gestos bruscos e mantenha as mãos afastadas das arma de fogo.
Em relação à Polícia Civil e à Polícia Militar, a resolução aponta que as instituições devem divulgar as novas regras, estabelecer procedimentos para garantir a qualidade policial, solicitar atualização dos conteúdos dados nas escolas de formações sobre abordagem policial pensando em fortalecer o “harmônico e respeitoso” relacionamento entre as duas polícias.
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Para a delegada Raquel Kobashi Gallinati Lombardi, presidente do Sindpesp, “a resolução dá margem a interpretação subjetiva” em relação ao desarmamento “ao não estabelecer um protocolo de ação nesses casos, ficando a cargo dos policiais envolvidos decidir o que seriam os sinais de descontrole ou comportamento agressivo”.
Essa subjetividade, explica Kobashi, permite “interpretações enviesadas na situação de maior risco, visto que nas hipóteses de fundada suspeita, ausência de elementos razoáveis de identificação ou mesmo forte e motivada dúvida, a decisão sobre o desarmamento do abordado recairá sobre o policial militar presente na ação”.
Para Kobashi, a abordagem de policiais com busca pessoal “não é e não pode ser situação rotineira”. Apesar da solução atender o pedido do sindicato, a subjetividade “possibilita a prática de arbitrariedades e abusos por parte dos policiais militares”, já que não descreve as circunstâncias que justificam a abordagem de um policial a outro.
A SSP, afirma a presidente do sindicato dos delegados, acerta “ao determinar responsabilidade administrativa e criminal tanto para o abordado como para quem aborda, na recusa de cumprimento das regras previstas no documento”, mas “algumas vezes, os policiais militares abordam indevidamente os policiais civis, que se encontram em visível atividade de investigação criminal, apenas para causar constrangimento”.
Para Diógenes Lucca, tenente-coronel na reserva da PM e ex-comandante do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais), a nova resolução é um ato de respeito do secretário, mas que apresenta nada de novo. “Não fazer nada seria indelicado, dado às mortes dos três PMs e as abordagens truculentas. O conteúdo não tem nenhuma novidade, tudo o que está escrito já é algo que deve ser feito”.
Um ponto que me chama atenção, explica Lucca, é a citação das abordagens durante o serviço de investigação. “Não ficou muito claro. Se o policial falar que está de campana, a abordagem deveria ser feita da mesma forma”, pondera.
O tenente-coronel argumenta que as abordagens tem muitas variáveis. “Se você para alguém para abordar e é policial, em quatro ou cinco perguntas você já sabe. Se cara colabora, tudo dá certo. Ficou algo complicado, porque é difícil vislumbrar todos os cenários”.
“Para mim, o menos é mais, a resolução deveria ser mais direta, demonstrando que não se pode confundir assertividade com falta de educação ou grosseria e da parte de quem é abordado colaborar”, finaliza.
‘Abordagem é prejudicial para a sociedade’
Para o advogado Damazio Gomes, membro da Rede de Proteção e Combate ao Genocídio, a resolução mostra, por parte das instituições policiais, o quanto o sistema de abordagem é frágil. “A abordagem é prejudicial para a sociedade, porque eles reconhecem que a atuação policial fere os princípios da dignidade humana”.
Com a resolução, aponta, o tratamento entre a população e as polícias é diferenciado. “A abordagem para a população no geral não segue os princípios da dignidade da pessoa humana, fere totalmente os direitos humanos. A dignidade deveria ser pautada a todo cidadão, o cidadão comum e os policiais”.
São as periferias as mais prejudicadas, explica Damazio, tanto nas abordagens quanto em caso de um conflito entre as polícias. “O impacto de um conflito entre as policiais é uma polícia cada vez mais violenta. A gente vê essa discussão sendo puxada porque houve esse conflito que gerou na morte dos 3 PMs, mas as periferias sempre sofreram com esse tipo de situação e nunca se houve uma preocupação nesse sentido”.
O que diz o governo
A reportagem procurou a Secretaria da Segurança Pública e a Polícia Militar e aguarda retorno.
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