Advogado Humberto Martinez está há mais de quatro anos juntando provas que mostram que seu familiar foi assassinado por policiais militares sem que houvesse cometido crime ou reagido a abordagem. Após contratar perito, ele conseguiu que investigação fosse reaberta
“Como família e advogado, fiz todo o possível, mas, com o perdão da bravata, contra o Estado é muito difícil vencer”, lamenta o advogado Humberto Martinez, 40 anos, diante mais de quatro anos de tentativa em mostrar que seu irmão, o piscicultor Henrique Martinez, 38, foi assassinado por policiais militares sem que houvesse cometido algum crime ou reagido a uma invasão a sua casa.
A vítima vivia num imóvel na zona rual de Bofete, cidade localizada a 190 quilômetros da capital paulista. Naquele espaço, em meio ao verde e tanques com peixes, Henrique refazia sua vida desde 2008, após mais de 10 anos lutando contra o vício em drogas. No entanto, na madrugada de 20 de junho de 2017, o homem foi morto a tiros por policiais militares.
Segundo a versão da PM, a vítima teria resistido e disparado contra os policiais, que, sem alternativa, atiraram. Pelos laudos periciais feitos pela Polícia Civil, Henrique foi atingido quatro vezes. A polícia também disse que a vítima estava armada com uma pistola .380 da marca Taurus, com numeração raspada. À época, reportagens relatam que Henrique faria parte de uma quadrilha que, cinco dias antes, tinha explodido e roubado caixas eletrônicos de uma agência bancária da cidade.
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A família de Henrique contesta a história toda e afirma que ele não participou de roubo algum, porque no dia do fato, entre 13 e 14 de junho, ele estava com o filho na casa da mãe em Santos, litoral de São Paulo e localizada a mais de 200 quilômetros de Bofete. Imagens de monitoramento do prédio na Baixada Santista registraram Henrique com o filho no local. Ainda segundo a família, Henrique não tinha armas em casa e teria sido executado pelos policiais. O irmão da vítima também relatou que Henrique teria demorado para ser socorrido e que o horário da ocorrência informado pelos policiais não bate com o dos disparos.
Os policiais que participaram da ação foram identificados como o tenente Fernando Luiz Malagute, o cabo Maurício Lofiego Leite e os soldados Igor José de Almeida e João Paulo Domingues Sarto.
A Justiça de São Paulo arquivou o processo em agosto de 2019 e a família, munida de novas provas, pediu, em 31 de janeiro do ano passado, a reabertura do caso na Vara Única da Comarca de Porangaba. No dia 19 de fevereiro, atendendo ao pedido do Ministério Público, a Justiça desarquivou a investigação e determinou novo prazo para apresentação de provas. No entanto, desde então, a família reclama que o caso não tem um andamento concreto, perecendo de respostas, o que aumenta ainda mais a angústia e o sentimento de impunidade.
“O que posso afirmar é que nesse caso específico, a família atuou em busca da verdade dos fatos ocorridos, coletando provas que, inclusive, constam dos autos, desenvolvendo papel precipuamente do Estado, e essas provas não foram até o momento devidamente analisadas e valoradas, para que uma resposta definitiva seja dada”, diz Humberto.
Ainda de acordo com ele, a investigação coordenada pela família apurou diversas contradições. “Levantamos pelo menos cinco inconsistências, que vão desde trajetórias balísticas, quantidades de disparos, autoria dos disparos, horário dos fatos e manchas hemáticas que poderiam levar à conclusão diversa da estampada no relatório final de inquérito . Tanto é assim, que as investigações foram reabertas em fevereiro de 2020.”
É a partir daí que os novos questionamentos passam a seguir, uma vez que, passado mais de um ano desde a reabertura das investigações, “nada substancial foi produzido pelas autoridades”, afirmou o advogado. “Nesse ponto e quanto ao caso específico, eu afirmo, comprovada e categoricamente, está muito difícil lutar para ter uma resposta definitiva, que pode ser a responsabilização de agentes do estado”.
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Humberto Martinez dá como exemplo a falta, até o momento, da realização do confronto de balística, que poderia provar os autores de cada disparo efetuado pelos PMs.
Ao ser indagado sobre sua persistente luta, que inclui idas a delegacias, contratação de peritos e acompanhamento em tempo integral do processo, ele ressaltou que tudo é por sua família e também por aquelas que já perderam parentes nas mãos da polícia. “Vários são os motivos. Em respeito aos seus familiares, mãe, pai, esposa, filho, tios, primos. Ou seja, todos que o amavam e que o conheciam, em sua essência. Mas também, para que outras pessoas não sofram com a mesma dor, de enterrar um ente como criminoso, quando era a vítima. E, para que a verdade venha à tona, em respeito à lei, que deveria valer para todos”.
Questionado sobre o futuro, o advogado Humberto Martinez diz crer que o objetivo de punir os culpados pela morte de seu irmão seja alcançado diante de tantas provas colhidas. “Tenho esperança de ver a verdade num documento público. De que outras famílias não sejam compelidas a agir pelo Estado para provar inocência dos seus entes em casos semelhantes. Fizemos o possível. As provas estão nos autos, científicas, documentais e até testemunhais. Basta o Estado agir para desmontá-las tecnicamente ou corroborá-las, pondo fim ao inquérito definitivamente, sendo a verdade real entregue à sociedade, como a lei determina”.
Outro lado
Procurado, o Tribunal de Justiça informou que o “inquérito tramita em segredo de justiça, dessa forma, não temos informações disponíveis”. A Secretaria da Segurança Pública, por sua vez, informa por nota que “o inquérito policial, instaurado pela Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Botucatu, foi desarquivado para cumprimento de cota – sendo que a cota já foi cumprida e remetida ao Fórum de Botucatu. Os fatos também foram apurados pela Polícia Militar por meio de Inquérito Policial Militar (IPM), encaminhado à Justiça Militar em agosto de 2017”.
Já o Ministério Público não se pronunciou até a publicação do texto.