De quem é a culpa pela fuga de André do Rap, do PCC

    André Oliveira Macedo, 43, teria fugido para o Paraguai depois de obter um habeas corpus do ministro do STF Marco Aurélio de Mello. “Se você for ler a lei, decisão está corretíssima”, diz especialista

    André do Rap é considerado como fugitivo da Justiça | Foto: Divulgação/Polícia Federal

    Após decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, André Oliveira Macedo, 43, o André do Rap, considerado um dos chefes do PCC (Primeiro Comando da Capital), foi solto. O alvará de soltura de André do Rap foi cumprido na manhã deste sábado (10/10). Poucas horas depois, em vez de ir para a sua casa no Guarujá, no litoral de São Paulo, André teria fugido para o Paraguai.

    André do Rap ainda não havia sido julgado em definitivo, mas tinha sido condenado a 15 anos e 6 meses de prisão em primeira instância. Ele estava preso desde 14 de setembro de 2019, quando foi levado pela Polícia Civil de São Paulo em uma mansão em Angra dos Reis, litoral sul do Rio de Janeiro. Segundo a Justiça, André é responsável por ligar o PCC à máfia italiana. Saiu pela porta da frente do Presídio de Presidente Venceslau 2, interior de SP.

    As críticas à decisão do ministro imediatamente tomaram as redes sociais e páginas de jornais. Com isso, o ministro Luiz Fux, recém colocado no posto de presidente da Suprema Corte, derrubou a liminar do ministro Marco Aurélio. Mas, afinal, de quem é a culpa pela fuga de André do Rap?

    Para o advogado criminalista Marcelo Feller, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o único possível culpado é o próprio fugitivo. “É complicado achar culpados. O ministro tomou uma decisão, seria possível a polícia ficar no encalço desse André? Ficar no encalço dele sem um pretexto? Podia ter feito, desde que não fizesse isso de maneira ostensiva e não invadisse casas”, aponta.

    Leia também: Por que o pacote anticrime de Moro só serve para atacar negros e pobres

    A pedido da Ponte, Feller analisou a decisão do ministro Marco Aurélio. Em janeiro de 2020, lembra o advogado, por conta do chamado Pacote Anticrime, do ex-ministro de Justiça Sergio Moro, o artigo 316, do Código de Processo Penal, que diz respeito à prisão preventiva, sofreu uma importante alteração:

    “O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem”, aponta o artigo.

    Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal. 

    Com a alteração, que para Feller abre margem para diferentes interpretações, juízes e tribunais não entraram em um consenso. “O ministro Marco Aurélio, dentro da sua história e interpretação jurídica, entendeu que o prazo dos 90 dias foi extrapolados e está dando um recado muito claro para a comunidade jurídica: para ele, ministro Marco Aurélio, depois de ultrapassar os 90 dias solta. O STF ou STJ [Superior Tribunal de Justiça] precisam determinar balizas, claras e seguras, para qual é a interpretação correta determinados artigos de lei”.

    “Se você for ler a lei, sem fazer concessões, ou seja, respeitar a lei como ela está escrita, a decisão do ministro Marco Aurélio está corretíssima. Ele disse que a pessoa continuou em prisão preventiva nos últimos 90 dias, como manda a lei, e a prisão não foi revista”, explica.

    Ministros Marco Aurélio (à esq.) e Fux (à dir.) | Foto: Reprodução

    A Constituição estabelece que as pessoas só podem ser consideradas culpadas após condenação, quando ela pode ser presa para o cumprimento da pena. Fora isso, o Código de Processo Penal prevê três possibilidades de prisão, que deveriam ser uma exceção, para pessoas que ainda nem foram julgadas, as chamadas prisões cautelares.

    Elas podem ser de três tipos. Uma delas é a prisão em flagrante, que ocorre no momento em que a pessoa comete um crime e pode ser realizada por qualquer pessoa. Tem validade de um dia e precisa ser validada por um juiz numa audiência de custódia. A segunda é a prisão temporária, que só pode ser decretada durante a fase de investigação e tem prazo máximo de 10 dias, para a maioria dos crimes, ou de 60, para crimes hediondos. Por fim, há a prisão preventiva, que um juiz pode decretar em qualquer fase do processo ou da investigação, que serve para evitar fuga, destruição de provas ou intimidação de testemunhas – anteriormente a preventiva não tinha prazo de validade, mas agora ela precisa ser renovada a cada 90 dias.

    Feller explica que a prisão preventiva pode ser decretada, seja justa ou não justa, assim que implementada pelo juiz. “Cabe a parte que não gostar da decisão entrar com o pedido de habeas corpus. Passados os 90 dias, conforme a alteração na lei, uma decisão de prisão preventiva sem que ela seja revista é justo manter a pessoa presa? Eu, Marcelo, advogado, vou te dizer que não. É uma infração a lei”.

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    Para Feller, a postura do ministro Marco Aurélio, de não julgar um caso pela capa, é admirável. “Ele julga de acordo com o que ele entende de aplicação jurídica correta da lei. Quem não é do direito criticar o Marco Aurélio tudo bem, porque não entende a profundidade do que ele disse, agora gente que é do direito criticar ele decidir assim porque o fulano é um traficante perigoso é de vomitar”, aponta.

    “Dizer que ele podia ou não podia ter feito alguma coisa, de ordem processual, porque o réu é um traficante é julgar um processo pela capa, é dizer a lei é uma, mas para algumas pessoas a lei não é tão lei assim. Isso vai contra o poder judiciário democrático. Pessoas tem direitos e deveres independentemente de quem sejam essas pessoas. Direitos são resguardados para todos, deveres são resguardados para todos”, pontua.

    O que não é admirável, explica Feller, é o posicionamento do ministro Fux. “Em uma semana, ele tomou duas decisões que me fazem olhar com péssimos olhos esse início de jornada, que a frente do CNJ suspende decisões jurisdicionais e a frente do STF suspende decisão de colega”.

    “O ministro Fux não está acima dos outros por ser presidente, ele é igual aos outros ministros. Ele na função de presidente tem atribuições administrativas diferentes, mas não tá acima de ninguém, ele não é mais poderoso do que nenhum outro ministro. É como se ele fosse uma espécie de poder moderador do próprio judiciário, uma espécie de ditador supremo do judiciário. Se você não gostar de uma decisão, bate na porta do Fux e quem sabe você tem uma segunda chance”, critica.

    Leia também: Artigo | Como a prisão de Fuminho pode impactar o PCC

    O advogado também pontua que, quando o Pacote Anticrime foi aprovado, o próprio ministro Fux aprovou a alteração no artigo 316 do CPP. “Ele tinha em mãos um pedido para suspender a lei e ele suspendeu alguns artigos apenas. Ele, ministro Fux, manteve o artigo 316. Por decisão dele, esse artigo está me vigor. Ele suspendeu muitas passagens que eu discordo, como o juiz de garantias, mas manteve esse artigo”.

    Para Renato Sérgio de Lima, presidente do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), a decisão mostra um “enorme descompasso entre as instituições de justiça e segurança, com cada uma delas agindo sem nenhuma coordenação ou articulação”.

    “Se existissem protocolos para casos desta natureza, sem violar autonomias ou suscetibilidades, o caso poderia ter outro rumo. Se pensarmos nos milhares de jovens negros presos que não têm acesso ao STF, o episódio mostra que há dois pesos e duas medidas, mas nenhuma delas olhando para a segurança da população”, aponta.

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    Lima também não acredita que seja uma questão de culpa, mas de responsabilidade institucional. “Temos um sistema que incentiva antagonismos e, no STF, decisões monocráticas, diminuindo o papel do plenário e a institucionalidade da justiça. Fica parecendo que ela adota critérios distintos a depender de qual ministro é sorteado para cada ação”.

    Potenciais novas solturas

    Outros dois corréus solicitaram habeas corpus por estarem em situação “idêntica” a de André do Rap e podem ser soltos pela mesma decisão do ministro Marco Aurélio.

    Márcio Henrique Garcia Santos, o Messi, ex-procurado pela Interpol, foi preso na sua residência em 2016, no bairro do Morumbi, em São Paulo. Ele é acusado de enviar drogas para a Europa, África e mesmo Cuba através do Porto de Santos.

    Já Gilcimar de Abreu, conhecido como Poocker, foi preso em maio de 2020 em Pedro de Toledo, na Baixada Santista, enquanto participava de uma festa de aniversário.

    Uma fonte do Tribunal de Justiça de São Paulo ouvida pela Ponte apontou que, como relevado pelo site O Antagonista neste domingo (11), o pedido de habeas corpus de André do Rap foi feito pelo mesmo escritório do ex-assessor do ministro Marco Aurélio, Eduardo Ubaldo Barbosa. O documento foi assinado por sua sócia, Ana Luísa Gonçalves Rocha.

    A mesma fonte afirmou receber com “estranheza” a alegação de excesso, pois “os prazos estavam suspenso, inclusive para processos de presos”. “O escritório já sabia que ia para o ministro Marco Aurélio, onde um dos advogado foi assessor”.

    Outro lado

    A Ponte procurou a advogada Ana Luísa Gonçalves Rocha, do escritório Ubaldo Barbosa, e o STF e aguarda retorno.

    Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo afirmou que “a Polícia Civil realiza operação para localizar e prender o criminoso citado. Policiais dos departamentos Estadual de Investigações Criminais (DEIC), de Homicídios e de Proteção  à Pessoa (DHPP) e de Operações Policiais Especiais (Dope) estão em diligências desde ontem (10). Mais detalhes não podem ser passados, pois o trabalho de investigação demanda sigilo nas apurações”.

    ERRATA: esta reportagem foi alterada às 12h51 do dia 12/10/2020 para esclarecer as circunstâncias do funcionamento das prisões cautelares no Brasil

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