Petição de grupo de trabalho da Defensoria Pública da União pede que Educafro e Movimento Negro Unificado sejam inseridos em ação que busca multar empresa em R$ 10 mihões por combater o racismo
No fim da tarde desta quinta-feira (8/10), a DPU (Defensoria Pública da União) entrou com uma petição contra a própria DPU no caso do programa de ações afirmativas da Magazine Luiza. Após repercussão da ACP (Ação Civil Pública), de autoria do defensor Jovino Bento Junior, um grupo de 13 defensores públicos, ligados ao GT de Políticas Étnico Raciais e a Defensoria Regional de Direitos Humanos da DPU entraram com uma petição como amigos da corte (amicus curiae) para se colocar contrários a atuação de seu colega.
Na ação de Jovino o defensor argumenta que o programa de trainees voltado apenas para candidatos negros da empresa, “gera efeitos de abrangência nacional, impactando a vida de trabalhadores de todas as regiões do Brasil”. Ele ainda afirma que “não se trata, como se vê, de programa de cotas, mas de seleção exclusivamente baseada na cor da pele”. No documento, o defensor ainda diz que tentou ao máximo não utilizar elementos das mídias sociais e da imprensa e cita o termo “racismo reverso”, afirmando que “não é um instituto jurídico, porquanto não é previsto em lei”. Como punição pela ofensa de “discriminar” trabalhadores não negros, ele pede que a Magazine Luiza pague uma multa de R$ 10 milhões, além de iniciar processo seletivo que abranja todos os trabalhadores interessados, “dando iguais condições de inscrição”.
Já a petição dos defensores, que também é assinada pelo Movimento Negro Unificado, mais antigo grupo de ativismo negro ema atividade no país, e pelo Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes), rede de cursinhos populares para jovens negros, lembra que o Poder Judiciário, e aqui se inclui até o STF (Supremo Tribunal Federal), já reconheceu a necessidade das cotas raciais. Segundo o advogado negro e professor da FGV-RIO , Wallace Corbo, “existe um entendimento consolidado no STF que as ações afirmativas são válidas e que elas são desejáveis. A Constituição quer ações afirmativas, especialmente, no campo do mercado de trabalho”.
De acordo com o argumento dos defensores, “no Brasil, ainda que não haja segregação formal, há um processo de hierarquização racial que se dinamiza social e economicamente para impedir recorrentemente os afrodescendentes de ascender no mercado de trabalho”. O texto também aponta que, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12288/2010) indica, com clareza, que cotas raciais não são de exclusividade para cargos públicos, citando o artigo 39: “O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas”.
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Por fim, para além de tecer um contraponto aos argumentos de Jovino, a petição pede que a Educafro e o MNU, como representantes da população negra brasileira, possam participar da ação para contribuir com a decisão judicial.
Ato isolado
A reação contra a atuação de Jovino Bento Junior foi ampla durante a semana. A Anadef (Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais) e Anadep (Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos) emitiram notas de repúdio tão logo a ação foi divulgada.
Internamente, o Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da DPU também não apenas se pronunciou como agiu preparando o contra-ataque. Para a defensora Rita Oliveira, coordenadora do GT, signatária da petição e mulher negra, seu colega “ultrapassou o limite da independência funcional”, que é a prerrogativa, garantida em lei, que os membros do DPU têm para agir sem pressões políticas ou econômicas em prol dos cidadãos assistidos. “Ainda que o defensor tenha uma ideologia contra determinado direito de uma pessoa em situação de vulnerabilidade, ele tem que suplantá-la porque a função institucional está acima desse tipo de coisa”, pontua Rita.
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O vice-presidente da Anadef, o defensor Vladimir Ferreira Correia, afirmou que “os defensores não podem usar de sua independência funcional para contrariar o direito dos seus assistidos, nem os direitos humanos”. A defensora do estado do Rio de Janeiro, coordenadora da Comissão de Igualdade Étnico Racial da Anadep e mulher negra, Lívia Casseres, destaca que “os negros têm interesse numa melhor distribuição de direitos, de bens e de igualdade, mas os brancos têm o interesse que as desigualdades sejam mantidas”.
Os defensores entrevistados pela Ponte, tanto os federais quanto estaduais, foram unânimes em dizer que esta atuação foi isolada. “É uma exceção e vai continuar assim. “A Defensoria é pró-Direitos Humanos”, vaticina Vladimir. “É uma atuação isolada, vai contra a pauta institucional de proteção dos direitos humanos, de grupos oprimidos historicamente”, concorda Pedro Paulo Coelho, presidente da Anadep.
E qual será o fim desse imbróglio? Ainda não é possível saber, mas, para Wallace Corbo existem algumas indicações de quem será o vitorioso. “Existem algumas variáveis aí, como o posicionamento do juiz do trabalho. Mas hoje, o quadro jurídico que a gente tem, olhando para os julgados do STF e para a Constituição, aponta uma probabilidade que essa ação [do defensor Jovino Bento Junior] não vá ser bem sucedida e que a política do Magazine Luíza vai ser validada”.
Outro lado
À Ponte, a DPU encaminhou uma nota oficial onde “esclarece que a atuação dos defensores públicos federais se baseia no princípio da independência funcional (artigos 134, § 4º, da Constituição, 3º e 43, I, da LC 80/94). Por isso, não depende de prévia análise de mérito ou autorização hierárquica superior”. A reportagem ainda segue tentando contato com o defensor Jovino Bento Junior e esta reportagem será atualizada caso ele se manifeste.
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