‘Esse filme traz vozes que precisam ser ouvidas’, diz uma das diretoras; ‘Slam: Voz de Levante’ levou três prêmios em festivais e chega aos cinemas nesta quinta-feira (22/11)
Demorou 7 anos para que ‘Slam: Voz de Levante‘ finalmente chegasse aos cinemas. O filme documental conta trajetória das batalhas de poesia conhecidas como slam desde a sua origem no Brasil, há 10 anos. Com direção e roteiro de Roberta Estrela D’alva e Tatiana Lohmann, o documentário é um marco para o movimento de poesia falada, que, por não ter registro em muitos casos, várias poesias se perdem ao longo dos anos.
O longa estreia nesta quinta-feira em circuito, mas já ganhou 3 prêmios: no Fincine 2018, como melhor filme nacional, e no Festival do Rio 2017: prêmio especial do júri e melhor direção de documentário.
Para quem não conhece o slam, ele é o meio termo entre as batalhas de MC’s, que originou o rap, e os saraus, apresentações de poesia. Cada slam tem a sua dinâmica, mas em sua maioria o poeta pode contar apenas com a sua voz para encantar os jurados, que são escolhidos no próprio evento. Ao assistir “Slam: Voz de Levante” é possível sentir a emoção que só quem vai em slam conhece.
No documentário, é possível ver a trajetória do slam, dentro e fora do Brasil, e a evolução de diversos poetas que não participam mais das batalhas, como é o caso de Luiza Romão, Luz Ribeiro e Emerson Alcalde. Além de relembrar as primeiras edições do slam, com imagens do ZAP! Slam e do Slam da Guilhermina, a partir de imagens cedidas pela Ponte Jornalismo. Roberta Estrela D’alva, fundadora do primeiro slam no Brasil, nos leva a Chicago – local onde surgiu o primeiro slam do mundo -, Nova York, Paris – onde acontece a Copa do Mundo de Slam -, Rio de Janeiro e São Paulo, com o objetivo de contar a trajetória desse movimento que ganha força nas periferias e centros urbanos. Aqui no Brasil, já são 149 slams em 18 cidades.
Em entrevista à Ponte, Roberta Estrela D’alva conta a importância de registrar o movimento do slam em um documentário. “Além de ser uma coisa que a gente queria fazer, uma coisa estética, é um registro de um tempo, de vozes do começo do slam. O filme não dá voz, o slam não dá voz, as pessoas já têm voz, as mulheres negras já têm voz, as periferias já têm voz, agora essa voz precisa ser ouvida, esse filme traz vozes que precisam ser ouvidas”, avalia a diretora. Questionada sobre a sensação de ver o filme pronto, chegando aos cinemas, ela brinca. “É uma sensação de missão cumprida, cumprida mesmo porque demorou 7 anos para ficar pronto”, diverte-se.
Na exibição da pré-estreia do filme, na noite de quarta-feira (21/11), Roberta relembrou uma fala sua durante o documentário, logo depois de perder a Copa do Mundo da qual foi finalista em 2011. No filme, Estrela D’alva questiona o que é melhor: ganhar ou tocar o coração das pessoas. Na filmagem, ela diz que os dois, mas minutos antes da primeira exibição ela reforça: “ganhar é tocar o coração das pessoas“.
Para Tatiana Lohmann, que assina roteiro e direção ao lado de Roberta, o principal objetivo do filme é levar o slam para mais pessoas. “O slam é uma ferramenta de organização de comunidade, de exercício da cidadania, de liberdade de expressão, lugar de encontro que não depende de nada, a não ser de pessoas. No começo a gente até dizia que só precisava de um lugar e de um microfone, mas o slam no Brasil acontece principalmente no espaço público, então ele não precisa de nada. Só de um lugar, que pode ser a rua, e de pessoas, para falar as poesias e pessoas para ouvir. Se esse filme estimular que aconteçam novos slams, a gente vai estar feliz”, explica Lohmann.
Além da história do slam no Brasil, o documentário conta a trajetória do gênero lá fora. Roberta vai até Chicago entrevistar o fundador do movimento no mundo, ainda na década de 80: Marc Smith. Em um diálogo leve e descontraído, eles discutem a importância do movimento do slam e do movimento hip hop hoje em dia.
Logo na primeira cena do documentário, somos contemplados com uma das poesias mais marcantes de Luiza Romão, apresentada no Slam Resistência. Em entrevista à Ponte, Luiza defende que o slam é uma das principais vertentes da atualidade. “O slam hoje talvez seja um dos movimentos mais importantes de cultura marginal, periférica, que pauta tanto questões identitárias quanto políticas, e ele tem uma história de 10 anos no Brasil. É muito importante reconhecer tantas pessoas que trouxeram e começaram essa caminhada. Então, além de documentar no sentido mais essencial do termo, é uma história que está viva, está pulsando, está nas ruas e está disputando um campo ideológico, está disputando estética e politicamente num momento que o Brasil está passando por tanto retrocesso”, conta Romão.
Emerson Alcalde, um dos primeiros poetas a participar de slam e fundador do Slam da Guilhermina, o documentário vem para reforçar o lugar desse tipo de manifestação cultural. “Com esse filme, a galera vai poder ter uma noção histórica do slam. Tem cena de dez anos atrás. O filme vai mostrar que o slam tem mais do que três ou quatro anos de história, vai mostrar que ele tem uma força que pode crescer ainda mais. Ver o fundador do slam, Marc Smith, e slammers norte-americanos dá uma força para o slam brasileiro, com a conexão entre os lugares e os territórios”, explica Emerson.
Uma das poetas que tem destaque no documentário é Luz Ribeiro, vencedora do Slam BR de 2016 e uma das fundadoras do Slam das Minas. Em entrevista à Ponte, ela reforça a necessidade de fazer o registro dos slams, em áudio ou vídeo, não importa. “O slam tem essa atmosfera de ser uma palavra que se esvai, é fala, não é escrito, então muito do que se faz se perde – ou se ganha só para quem tá ali naquele momento. Eu acho que documentar uma voz é possibilitar que ela seja registrada. Então, assim como a escritas se transformam em livros e tem esse registro, documentar os slams é fazer com que a posterioridade possa conhecer as vozes de agora”, conta Ribeiro.
Luz, que se emociona em diversos momentos do documentário, traz para entrevista a mesma emoção. Ela conta que nunca imaginou estar em um filme exibido nos cinemas. “Tem coisas que a gente não consegue mensurar, eu acho que sempre vou ressignificar esse lugar no documentário. Eu sou moradora da zona sul, do Jardim Souza, que as pessoas desconhecem, nem dentro dos meus sonhos eu imaginei participar de um filme que ia passar no cinema. Eu já sonhei muita coisa, mas sonhar com isso eu nunca sonhei. Participar desse documentário e estar nessa trajetória tão grandiosa é pensar que as nossas utopias elas são possíveis. Maya Angelou já disse ‘eu sou o sonho e as esperanças dos escravos’. Então talvez lá atrás alguém sonhou com isso que eu não imaginei”, diz a poeta emocionada.