Clientes disseram que, além de atacar o jovem negro que pedia uma refeição, Leandro Uriel Ban e motoboy tentaram jogá-lo à força em avenida movimentada de Jacareí (SP); PM foi chamada, mas não levou ninguém para delegacia
“Miserável, seu corno, vai matar o pobre favelado?”, questiona desesperado um homem negro em situação de rua identificado como Leandro Lopes Gonçalves da Costa, 22 anos. Testemunhas denunciam que, na noite da última sexta-feira (26/8), o jovem sofreu agressões físicas após tentar pedir um alimento para um amigo dentro de uma lanchonete em Jacareí, município da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte, no estado de São Paulo. O suposto agressor é dono do estabelecimento Leandro e Samuka Lanches, na Rua General Carneiro, centro da cidade.
Ao menos quatro testemunhas acompanharam o rapaz ao 1° Distrito Policial de Jacareí e registraram parte da truculência naquela noite. Segundo o relato de uma cliente do restaurante que preferiu não se identificar por medo de represálias da polícia, o homem em situação de rua entrou no local por volta das 23h de forma “tranquila e até sutil”, mas poucos instantes depois o proprietário do local, Leandro Uriel Ban, surgiu e tentou expulsá-lo do local.
O jovem, segundo ela, disse que: “estava no direito dele e que não iria sair” dali. Diante disso, ela denuncia que Ban o agrediu fisicamente com um mata-leão, deu socos no nariz de Leandro e o jogou em cima de um carro que estava em frente à lanchonete.
“Começamos eu, meus amigos e mais algumas pessoas que estavam no local a gritar, ele por pouco tempo parou com as agressões. O Leandro [vítima] continuou no local e nisso começou a gritar que não merecia passar por aquilo, que o fato de ser morador de rua não dava direito ao dono do local de agredi-lo”, detalha.
Pouco tempo depois, afirma que um motoboy do estabelecimento chegou, foi então que Ban e o motoboy voltaram a agredi-lo, ,as agora com mais força, diz ela. “Eles queriam jogar o Leandro em uma das avenidas mais movimentadas da cidade.”
A gravação mostra que ela e mais algumas pessoas começaram a gritar e pedir para que o agressor parasse. A polícia então foi chamada, demorando cerca de 20 a 30 minutos para chegar ao local. “Ao chegarem os policiais jogaram a viatura para cima de nós e partiram de forma agressiva para cima do Leandro. Nesse momento eu disse que iria acompanhar a abordagem e que ele era a vítima não o agressor”, denuncia a testemunha.
Instantes depois uma segunda viatura chegou na rua do restaurante, porém os policiais não chegaram a falar com Leandro Costa e nem com os clientes que criticavam a situação, ao contrário: conversaram tranquilamente com o suposto agressor. A vítima teria dito que o dono da lanchonete havia informado que era ex-policial, mas a Ponte não localizou registro que comprovasse a informação.
A abordagem, segundo a cliente, foi truculenta com o morador de rua e com seus colegas. “Não queriam que falássemos, foi extremamente absurdo, por fim insistimos que eles falassem com o agressor, pois nem isso eles gostariam de fazer.”
Um outro vídeo mostra os policiais conversando amigavelmente com o proprietário da lanchonete. Foram identificadas as viaturas sob as inscrições I-41202 e I-41208, o que significa que são policiais da 2ª Companhia do 41º Batalhão da PM do Interior.
“Eles não quiseram registrar nada, nem nos acompanhar até a delegacia, orientaram que não havia flagrante e que devíamos ir à delegacia para registrar o boletim de ocorrência, o que fizemos. Acompanhamos o Leandro e pelo caminho fomos perseguidos por uma moto e até mesmo pelo agressor”, conta a testemunha.
Pelas redes sociais da lanchonete, o proprietário negou que tenha agredido o rapaz em situação de rua e que fez apenas uma “contensão” [sic] e que ajuda “necessitados” com alimentação. Disse que a vítima estaria “alterada”, possivelmente por “uso de bebidas e talvez outras substâncias”, e que não poderia permitir ameaça e agressões contra ele e familiares, embora não diga exatamente que tipo de ameaça ou agressão tenha sofrido. A postagem foi apagada nesta terça-feira (30/8).
O caso foi registrado pelo delegado Antonio Carlos Renno Miranda que solicitou exame de corpo de delito para constatar se houve lesões e orientou que a vítima tem seis meses para representar criminalmente contra o suspeito para que as investigações prossigam.
O que diz a polícia
A Ponte entrou em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública do estado de São Paulo (SSP-SP) para saber por que os policiais militares não queriam registrar a ocorrência e por que não encaminharam o proprietário da lanchonete para a delegacia, conforme denunciado pelas testemunhas. Também pedimos os nomes dos policiais presentes na ocorrência.
A Fator F, assessoria terceirizada da pasta, não respondeu os questionamentos e encaminhou a seguinte nota:
O caso citado foi registrado como lesão corporal no Plantão da Delegacia Seccional de Jacareí e será investigado pelo 3º DP da cidade. Foi solicitado exame pericial à vítima, que prestará depoimento. O homem também foi orientado quanto ao período para representar criminalmente contra o autor, visto que se trata de uma ação penal condicionada.