Educador denuncia agressão policial em SP: ‘ele disse que ia me matar’

    Carlos Henrique da Silva Rebouças, o MC Cauê Quimera, conta que foi agredido por um PM durante uma abordagem: ‘ele bateu a minha cabeça contra a grade’

    Carlos Henrique da Silva Rebouças, mais conhecido como MC Cauê Quimera, é morador e educador em Perus; ele apresenta o seu trabalho de rimas nos trens | Foto: arquivo pessoal

    O músico Carlos Henrique da Silva Rebouças, 36 anos, mais conhecido nas ruas de Perus, zona norte de São Paulo, como MC Cauê Quimera, relata ter sido agredido por um PM durante uma abordagem policial no último dia 4 de março. O músico também é arte educador na Casa de Hip Hop de Perus, importante ponto cultural da região.

    Cauê faz rimas nos vagões da Linha 7-Rubi da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) para complementar sua renda, já que atua como educador voluntário. Naquela tarde, voltava de mais um dia de trabalho sobre os trilhos quando foi abordado por três policiais militares na rua Bernardo Jose de Lorena, em Perus, por volta das 16h.

    A agressão aconteceu em frente ao CEU Perus, que fica bem perto da pista de skate da região, local onde os jovens se reúnem para praticar o esporte, dançar e fazer rimas.

    Em entrevista à Ponte, Cauê detalha como foi a abordagem. Segundo o educador, tudo estava “normal”. “Essa abordagem foi aquela coisa típica do policial que fica na boca da viela esperando alguém preto, de dread ou de tatuagem para ficar enquadrando. Porque lá só tem isso: pobre e negro”, aponta o músico.

    Segundo Cauê, o PM perguntou quem ele era, de onde ele estava vindo, para onde estava indo. “Eu estava com as moedas do trem e um bolsinho tava rasgado, quando ele foi revistar a bolsa, as moedas caíram. Depois da abordagem, ele falou que eu podia recolher o meu dinheiro. Eu fui, coloquei a bolsa no chão e recolhi as minhas moedas. Depois fiquei aguardando a liberação”, continua.

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    Nesse momento, relata Cauê, um policial que estava do outro lado da rua veio em sua direção. Esse PM pediu para que o educador abrisse as pernas, mas Cauê questionou o motivo, já que a abordagem do outro policial já tinha acabado. Em reposta, o PM disse que era procedimento da corporação.

    “Eu falei que o procedimento já havia acabado, que eu estava só esperando a liberação para ir embora. Ele falou que eu era folgado e colocou a mão no meu pescoço”, conta Cauê.

    “Eu avisei que estávamos em frente a uma escola, onde eu fazia eventos, que os funcionários estavam vendo, que a molecada na pista de skate eram meus alunos, da Casa de Hip Hop, ao mesmo tempo que essa era a população que ia me ver cantar. Falei que era uma pessoa pública e falei para ele não fazer isso”, explica.

    Foi quando a agressão começou. O educador conta que o PM começou a sufocá-lo, que ele gritava que isso era abuso de autoridade e que não tinha feito nada de errado.

    “Ele bateu a minha cabeça na grade da escola, que machucou o meu supercílio. Ele também machucou o meu ombro, meu pescoço e meu braço. Depois que ele viu que cortou o meu supercílio, ele entrou em desespero e começou a me dar voz de prisão, falando em desacato”, narra o educador.

    Minutos antes da agressão, Cauê conta que o PM o ameaçou de morte. “Ele falou ‘eu posso tudo, posso até te matar’, depois que eu falei que ele não tinha o direito de fazer isso”, denuncia.

    Durante toda a abordagem, inclusive durante a agressão, o educador conta que permaneceu com as mãos para trás. Só saiu dessa posição para limpar o sangue que caia do seu rosto e tampava a sua visão. Quando percebeu que estava sangrando, Cauê começou a falar que o PM iria perder a farda, pois ele iria denunciar o fato.

    Os PMs acionaram a viatura, pois até o momento estavam a pé. Segundo Cauê, esses policiais fazem patrulhamento desde o início de 2020 e estariam em treinamento.

    “Quando a viatura chegou, o sargento disse: ‘entra aí na viatura, seu neguinho maconheiro’. Aí eu falei que não ia na parte de trás, porque não era bandido, que eu iria no banco. Eles me jogaram no ‘chiqueirinho’, bateram a porta com violência”, relembra o educador.

    De lá, os PMs o levaram para a Unidade de Pronto Atendimento da região e em seguida para o 46º DP (Perus). Na delegacia, Cauê ficou em uma cela enquanto os policiais contaram a versão dos fatos. Na sequência, o delegado questionou o motivo pelo qual o educador não abriu as pernas quando o PM mandou.

    “O cara estourou minha cara porque eu não abri a perna e o delegado me pergunta o motivo de eu não abrir? Enquanto houver policiais exercendo a autoridade máxima, se achando acima da lei, e as pessoas baixando a cabeça, a gente nunca vai ter direito”, desabafa.

    “Eu falei para o delegado: ‘hoje ele me machucou, amanhã ele mata o meu filho, que é preto como eu’. Isso sem contar o trauma. Minha esposa não quer me deixar sair de casa porque ele me ameaçou, ele trabalha lá perto da minha casa”, lamenta Cauê.

    O educador conta que esse policial que o agrediu já agrediu outras pessoas da região, mas que ninguém tem coragem de denunciar.

    No dia 6 de março, Cauê foi à Ouvidoria das Polícias denunciar o ocorrido. Ele foi acompanhado pela psicóloga Marisa Feffermann, integrante da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio e pesquisadora da CLACSO (Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales).

    À Ponte, Marisa conta que estamos vivendo uma cultura do medo, por isso muitas pessoas não denunciam as agressões que sofrem pelo braço armado do Estado.

    “O medo perpassa a realidade na periferia e isso faz com que as pessoas se calem. Você reproduz muita insegurança. O que aconteceu de diferente em Perus é que uma pessoa teve coragem de falar. A gente tem histórias de pelo menos três anos desse tipo. Quando você quebra a cultura do medo, você produz vida”, explica a psicóloga.

    Outro ponto, para a psicóloga, é a imagem do inimigo criado pela Polícia Militar. “Quando você tem, no imaginário social, já que você não está mais na ditadura, esse inimigo passa a ser o jovem negro e pobre nas quebradas. Essa lógica de cultura de violência, faz com que você cumpra, na Polícia Militar, o que deve ser o homem viril e violento”, conclui Marisa.

    Procurada pela reportagem, a Ouvidoria informou que tomaria providências a partir desta segunda-feira (9/3). O ouvidor Elizeu Soares Lopes informou, através da assessoria de imprensa, que pediu à Corregedoria da PM para investigar o caso e à Polícia Civil que anexasse o depoimento de Cauê ao processo.

    Outro lado

    A Ponte procurou as assessorias da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, via assessoria terceirizada InPress, e da Polícia Militar, mas, até o momento de publicação, não obteve retorno. A reportagem questionou o nome do PM que teria agredido o educador e perguntou se os PMs, de fato, estão em fase de treinamento.

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