Em menos de um mês, três mulheres trans são mortas e uma está internada após ser queimada viva em PE

Movimentos sociais e parlamentares cobram políticas públicas do governador Paulo Câmara diante dos transfeminicídios de Fabiana Lucas, Crismilly Pérola e Kalyndra da Hora e ataque contra Roberta Silva, que está internada com 40% do corpo queimado e teve os dois braços amputados; governo diz que criou comitê para acompanhar casos de violência LGBTfóbica

Kalyndra da Hora, Fabiana Lucas e Crismilly Pérola foram assassinadas em Pernambuco | Fotos: reprodução

Movimentos de transexuais e travestis buscam por um posicionamento do governador Paulo Câmara (PSB) após Pernambuco ter registrado, em menos de um mês, três transfeminicídios e um ataque contra uma mulher trans que está internada com 40% do corpo queimado.

O caso mais recente aconteceu na madrugada desta quarta-feira (7/7), quando Fabiana da Silva Lucas, 30, foi encontrada morta com golpes de faca às margens da rodovia PE-160 em Santa Cruz do Capibaribe, no agreste do estado, quase 200 quilômetros distante da capital Recife. De acordo com o G1, a vítima estava num bar e foi atacada quando questionou onde ficava o banheiro e foi direcionada a um terreno baldio. Segundo a Polícia Civil, um homem de 22 anos, suspeito de ter cometido o crime, foi agredido pela população no local e está custodiado em um hospital.

Três dias antes, no domingo (4/7), a cabeleireira Crismilly Pérola, 37, conhecida como Bombom ou Piu-piu, saiu para uma festa no bairro da Várzea, na capital, e não voltou mais. Ela foi encontrada morta no dia seguinte com um ferimento de arma de fogo no pescoço às margens do Rio Capibaribe, próximo à região, segundo o UOL. Maria Elizabeth, mãe da vítima, denunciou que há um mês ela foi hospitalizada depois de sofrer um ataque transfóbico em um bar. “Esse rapaz pediu cerveja, cigarro e droga a ela. Aí ela disse que não sustentava macho nenhum, então esse rapaz mesmo bateu bastante nela”, declarou à TV Jornal, afiliada do SBT no estado. Ninguém foi preso.

Pouco mais de uma semana antes, Roberta Nascimento da Silva, 33, foi internada com 40% do corpo queimado. O suspeito de ter ateado fogo nela, que vivia em situação de rua, é um adolescente de 17 anos que foi apreendido. À Ponte, a assessoria do Hospital Restauração informou que ela teve os dois braços amputados por causa da gravidade dos ferimentos e que, desde sexta-feira (2/7), houve uma piora no quadro de saúde, tendo sido intubada na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) por ter inalado muita fumaça. Um protesto contra a transfobia foi realizado pelas ruas da cidade em 28 de junho, data que marca o Dia Internacional do Orgulho LGBT+.

Leia também: Parlamentares e movimentos trans lançam Frente Nacional Transpolítica

Em 18 de junho, Kalyndra Selva Guedes Nogueira da Hora, 26, foi encontrada morta dentro de casa, no bairro de Ipsep, na zona sul de Recife. Ela estava sem se comunicar com a família há três dias e a polícia foi acionada depois de sentir um cheiro forte na residência. O companheiro dela é suspeito de tê-la asfixiado. Ele foi preso em flagrante, segundo a Polícia Civil, e encaminhado para audiência de custódia. O Tribunal de Justiça não respondeu à reportagem se a prisão foi mantida. O caso está em sigilo.

A afrotransfeminista e pesquisadora da Rede de Observatórios de Segurança Dália Celeste conta que conhecia Kalyndra. “Era uma pessoa que eu conversava, que eu encontrava, que participava dos movimentos trans e de um projeto que eu coordenava, que falava sobre a vida, então é muito pesado porque eu monitoro casos de violência e computei o caso de uma amiga”, lamenta. De acordo com ela, o suspeito foi solto após a audiência de custódia. “Esses casos não são apenas números, são pessoas que tinham sonhos, nome, famílias, não é só uma informação”.

A pesquisadora aponta que, se a pandemia obrigou a todos a ficarem em casa por causa da contaminação do vírus, “as pessoas trans já estavam em isolamento social, na medida em que não são implementadas políticas públicas que assegurem a vida, o acesso à educação, à empregabilidade”. “É um projeto de extermínio da população trans que termina no transfeminicídio, mas tem todo um ciclo de exclusão que também é transfóbico”, explica.

Movimentos sociais tentaram falar diretamente com o governador, mas disseram à Ponte que não foram recebidos. A codeputada estadual do mandato coletivo Juntas Robeyoncé Lima (PSOL) cobrou pelo Twitter uma manifestação pública de Paulo Câmara.

Dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) contabilizaram 35 assassinatos de pessoas trans em Pernambuco, entre 2017 e 2020. Para a vice-presidente da entidade, coordenadora da Amotrans-PE (Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco) e conselheira Nacional dos Direitos da Mulher Chopelly Santos, a visibilidade dos casos no estado aconteceram por terem sido subsequentes às vítimas de balas de borracha em atos contra Jair Bolsonaro em junho. “Logo em seguida, a Roberta foi queimada viva e isso gerou uma atenção nacional para a violência que já acontece há anos, e, com a imprensa e os movimentos em cima, os governantes têm que dar uma resposta”, aponta. “O triste é que precisou mais uma menina ser morta para que fôssemos ouvidas”, lamenta.

Chopelly se refere à postagem do prefeito João Campos (PSB) que, no final da tarde desta quarta-feira (7/7), anunciou em seu Twitter que abrirá edital para a implantar a Casa de Acolhida LGBTI+ e a disponibilização de uma van para promover o acesso a serviços públicos.

A Antra divulgou nesta quarta-feira (7/7) boletim semestral que aponta 80 homicídios de pessoas trans no Brasil em 2021. No mesmo período do ano passado, foram 100, sendo que todas as vítimas eram mulheres trans ou travestis e é o maior número da série histórica iniciada em 2017. Para Bruna Benevides, secretária de Articulação Política da associação, redução no índice não deve ser celebrado. “A gente tem que comemorar quando esse número for zero porque são dados preocupantes que mostram que a falta de ações propiciam a violência”, pontua.

Leia também: Mesmo com pandemia, Brasil registra recorde de transfeminicídios em 2020

O documento, que pode ser lido aqui, também elenca uma série de recomendações para enfrentar a transfobia, como coleta adequada de dados, criação de protocolos policiais para atendimento de violência lgbtfóbica bem como capacitação para atendimento e abordagem dessa população, criação de campanhas, responsabilização em casos de crimes, dentre outros.

O que diz o governo

A Ponte procurou a assessoria da Polícia Civil sobre a investigação dos casos. A pasta disse que as investigações do assassinato de Kalyndra estão em sigilo; sobre o caso de Crismilly, informou que está sendo investigado pelo DHPP para identificar a autoria e motivação do crime. Já sobre Fabiana, o caso foi registrado na 17ª Delegacia Seccional de Polícia Civil de Santa Cruz do Capibaribe e o caso está sendo investigado, sendo que o suspeito está custodiado em hospital, mas não foi informada qual a unidade de saúde. A secretaria informou que, de janeiro a maio de 2021, 13 pessoas da população LGBTQIA+ foram vítimas de Crime Violento Letal Intencional.

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A assessoria do governo de Pernambuco informou que instituiu um “Comitê de Prevenção e Enfrentamento às Violências LGBTfóbica, onde participam as secretarias estaduais da Mulher, de Desenvolvimento Social Criança e Juventude, de Defesa Social, de Justiça e Direitos Humanos, de Saúde e de Educação” a fim de acompanhar casos de violência de gênero. Também disse que aguarda um documento a ser entregue “pelo Levante Feminista com o apoio de outras instituições do movimento LGBTQIA+” para que a Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude possa articular “ações de assistência, formação, qualificação, conscientização, empregabilidade, geração de oportunidades e campanhas institucionais para combater a intolerância, o preconceito e a marginalização”.

A pasta declarou que “não tolera nenhum ato de violência LGBTfóbica” e que está prestando auxílio à família de Fabiana, que é natural da Paraíba, “por uma equipe multidisciplinar com advogado, assistente social e psicóloga, que acompanha diretamente o caso”

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