Para especialistas, texto falha ao deixar de tratar da disputa do território nacional pelo crime organizado; penas alternativas são vistas como ponto positivo para desafogar sistema prisional
O plano de governo do presidenciável Geraldo Alckmin é visto como “uma série de propostas genéricas” para a segurança pública brasileira. Um ex-delegado de polícia e um especialista analisaram as propostas, com destaque para a implementação de penas alternativas a fim de esvaziar o sistema penitenciário, atualmente o terceiro maior do mundo com quase 730 mil presos (atrás de EUA e China). Esta é a segunda análise da Ponte sobre as propostas dos candidatos à presidência para a segurança pública.
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O documento aponta 20 ações em caso de eleição do tucano, desde manter o Ministério da Segurança Pública (hoje uma pasta extraordinária), o apoio a projetos sociais para reduzir a violência e melhorar a gestão e integração das polícias. O texto não cita em nenhum momento as facções criminosas que disputam a hegemonia do tráfico de drogas nacional, uma delas com origem em São Paulo, o PCC (Primeiro Comando da Capital), justamente o estado que Alckmin governou por quase duas décadas. Crime organizado aparece no combate à “lavagem de dinheiro”.
“É um plano genérico, com maior parte de pontos para ‘inglês ver’. Um avanço são as penas alternativas, que hoje o judiciário não tem uma prática. É fundamental o foco no aperfeiçoamento do sistema prisional”, analisa Cláudio Ferraz, ex-delegado de polícia do Rio de Janeiro e que combateu as milícias no estado. Alckmin propõe “enfatizar” junto ao judiciário as penas alternativas, mas dando “maior rigor” na adequação do Código do Processo Penal e Lei de Execuções Penais.
Em 2016, o Brasil registrou pela primeira vez o dobro de pessoas presas em relação ao número de vagas no sistema prisional, segundo o anuário divulgado em 2018 pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). São mais de 729 mil pessoas presas em espaços para, no máximo, 367.217.
Ferraz considera os presídios como “um depósito de presos, sua maioria provisórios com crimes sem violência que acabam recrutados pelo tráfico”. Para ele, o próximo presidente precisa focar nesta questão e no combate ao crime organizado, incluindo as milícias. “Qualquer plano de governo que não passe pelo combate à corrupção policial, que acaba fomentando a criação das milícias, e a valorização e fortalecimento da atividade policial, essencialmente a de investigação, não adianta forçar, não funcionará”, pontua.
Ouça abaixo o podcast da Ponte com o ITTC sobre as propostas de Geraldo Alckmin:
No documento de Alckmin, um dos pontos postos para a reforma policial é promover o “policiamento comunitário, a gestão integrada das polícias, além de formação e qualificação profissional integral dos policiais”. O plano prevê investimento em pesquisas para “melhorar a ação das forças policiais”. Além disso, em “zelar o cumprimento” da Lei de Execuções Penais, algo não feito em São Paulo em seus dois governos.
Membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Rafael Alcadipani também chama o plano de governo de Alckmin para a segurança como “genérico”. Para o especialista, as ideias não são detalhadas em sua prática.
“E temos um ponto: o Alckmin não fez várias das coisas incluídas no programa presidencial quando governador de São Paulo. A questão da integração de forças, combate ao crime organizado… Não fez como governador. Fica a dúvida se ele será capaz de fazer como presidente”, questiona o professor. “O que mudará de governador para presidente?”.