Conectas denuncia omissão e falta de políticas para familiares de vítimas durante sessão de Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas nesta terça-feira (20/9)
A Conectas Direitos Humanos cobra “medidas urgentes” contra desaparecimentos forçados ao governo brasileiro, nesta terça-feira (20/9), durante a 51ª reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. O evento acontece simultaneamente à 77ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, nos Estados Unidos, que reúne líderes de 193 países, incluindo o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em documento ao qual a Ponte teve acesso, a entidade denuncia omissão e falta de ações “concretas” por parte do Estado, embora o Brasil tenha ratificado compromissos de âmbito internacional como a promulgação Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, em 2016. “A prática de desaparecimentos forçados tem sido uma constante em nossa história, principalmente por afetar majoritariamente pessoas negras”, diz trecho. “A complacência do mais alto nível da polícia contribui para a falta de responsabilização do Estado”.
A ONG citou casos emblemáticos como os desaparecimentos ocorridos durante os Crimes de Maio de 2006 “sem uma investigação efetiva”. Entre os dias 12 e 21 de maio daquele ano, policiais e grupos de extermínio paramilitares — que testemunhas e outros indícios apontam serem formados também por policiais — mataram 425 pessoas e foram responsáveis pelo desaparecimento de outras quatro, os ataques continuaram após alguns dias, matando mais 80 civis. As mortes foram uma vingança contra os ataques da facção criminosa Primeiro Comando do Capital (PCC), que mataram 59 agentes públicos no período, entre policiais, guardas civis e policiais penais.
Um desses desaparecimentos forçados foi o de Paulo Alexandre Fernandes, 23. Segundo vários moradores de Itaquera, na zona leste de São Paulo, o rapaz foi levado com vida por policiais da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), considerada pelo governo paulista como a tropa de elite da PM, na noite de 16 de maio de 2006. Até hoje, a família não sabe o que aconteceu depois daquela abordagem policial. A irmã dele, Francilene Gomes, fez da luta sua tese de mestrado em serviço social tratando dos casos de desaparecimentos forçados pelo Estado.
A própria ONU já cobrou diretamente o Estado brasileiro por 72 crimes com envolvimento de forças de segurança nos últimos 20 anos, sendo 69 mortes e três desaparecimentos forçados, como revelou a coluna do jornalista Jamil Chade no UOL em documento datado de junho deste ano ao qual a Ponte também teve acesso. Outro caso citado é o desaparecimento de Davi Fiuza, então com 16 anos, que sumiu após uma abordagem policial na periferia de Salvador, na Bahia, em outubro de 2014. A ONU já tinha cobrado explicações em agosto de 2019, mês em que é lembrado o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimento Forçado.
O Ministério Público da Bahia denunciou sete policiais por sequestro e cárcere privado, enquanto a investigação da Polícia Civil local apontou que os 17 PMs eram responsáveis pelo sumiço e morte do garoto – foram indiciados 2 tenentes, 2 sargentos e 13 alunos do curso de formação da PM pelo desaparecimento, morte e ocultação do cadáver do adolescente. No entanto, a promotoria considerou que as provas eram insuficientes para denunciar os acusados por homicídio e os enquadrou em sequestro e cárcere privado.
“Infelizmente, o Brasil ainda não tipificou penalmente o desaparecimento forçado, o projeto de lei ainda não foi aprovado, e a gente ainda tem uma série de dificuldades na criação de políticas públicas de prevenção e até de apuração e responsabilização de casos de desaparecimentos forçados”, explica o coordenador do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas Gabriel Sampaio.
Ele também aponta que “os dados do poder público ainda são insuficientes para que nós, enquanto sociedade civil, tenhamos a tranquilidade de identificar que as políticas públicas estão de fato tomando os rumos que precisam ser tomados para a proteção da população”.
Outro dado que a organização aponta é que, durante 18 anos, mais de um milhão de pessoas desapareceram no estado do Rio de Janeiro. “No entanto, não há informações oficiais sobre quais desses casos estão sendo investigados como desaparecimentos forçados. Além disso, a região foi alvo de intervenção federal e diversas operações policiais de alta letalidade, incluindo a participação de autoridades responsáveis pelas investigações”, diz o documento.
A falta de celeridade e engajamento do governo brasileiro em relação a crimes cometidos por forças policiais e a não apuração de violações de direitos humanos faz com que o país perca cada vez mais algum protagonismo dentro da comunidade internacional e não consiga alguns postos que pleiteia há anos, como uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU ou uma vaga na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O que diz o governo
A Ponte questionou o Itamaraty a respeito das medidas contra desaparecimentos forçados, incluindo a cobrança feita pela ONU em junho. A assessoria encaminhou a seguinte nota:
A resposta preliminar do governo brasileiro aos 72 casos mencionados – AL BRA 7/2022 – já foi publicada pelas Nações Unidas e pode ser encontrada nos seguintes links.
– Reposta estatal: https://spcommreports.ohchr.org/TMResultsBase/DownLoadFile?gId=37154
– Resposta estatal | Anexo I, sobre andamentos dos casos:
https://spcommreports.ohchr.org/TMResultsBase/DownLoadFile?gId=37156
– Resposta estatal | Anexo II, sobre iniciativas nacionais de caráter preventivo:
https://spcommreports.ohchr.org/TMResultsBase/DownLoadFile?gId=37156
O primeiro relatório do estado brasileiro para o Comitê de Desaparecimentos Forçados foi discutido em reunião aberta, em setembro de 2021. O texto está disponível no endereço: https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CED%2fC%2fBRA%2f1
Informações adicionais sobre políticas públicas relacionadas a desaparecimentos forçados podem ser consultadas ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
O que diz o MDH
A reportagem também procurou o Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos cuja assessoria encaminhou a seguinte nota:
O Estado brasileiro tem envidado esforços na implementação da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas (PNBPD) com o objetivo de encontrar pessoas desaparecidas e dar amparo aos seus familiares, sendo a primeira política permanente de âmbito federal voltada a solucionar e a prevenir casos de desaparecimento de pessoas. Criada em 2019 pela Lei nº 13.812, para além de outras finalidades, seu intuito foi instituir o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas (CNPD), bem como criar protocolos e soluções técnicas e institucionais que auxiliem o Poder Público na busca e identificação de desaparecidos.
Além disso, por meio do Decreto nº 10.622, de 2021, que também dispôs sobre a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas e o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, foi designada a autoridade central e instituído o Comitê Gestor da PNBPD, tratando-se de um trabalho interministerial do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e do Ministério da Justiça e Segurança Pública, contando com 14 áreas de atuação, com o objetivo de sistematizar ações, criar protocolos e soluções estratégicas que tenham impacto imediato na prevenção de desaparecimentos no país.
Atualmente, o Cadastro Nacional encontra-se em fase de deliberações para sua efetiva implementação e consolidação. Pretende-se, portanto, que o cadastro contenha dados que poderão colaborar com as ações relacionadas aos casos de desaparecimento, incluindo as de interesse do Comitê de Desaparecimentos Forçados (CED).
Por fim, A PNBPD lançou duas campanhas com o objetivo de auxiliar na identificação de pessoas desaparecidas. Sendo a Campanha Nacional de Coleta de DNA de Familiares de Pessoas Desaparecidas e a Campanha Nacional de Coleta de DNA de Pessoas Vivas sem Identificação que estejam internadas em instituições de saúde ou do Sistema Único de Assistência Social (Suas) e que não têm sua identidade conhecida. Ambas, tem por finalidade possibilitar a identificação de pessoas desaparecidas por meio de exames e bancos de perfis genéticos, em que a doação do material genético será incluída no Banco Nacional de Perfis Genéticos, sendo possível identificar vínculos genéticos entre as pessoas cadastradas no banco. Os órgãos de perícia estaduais estão à disposição para realizar as coletas de material biológico sempre que solicitados.
Mais informações, orientamos procurar o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Reportagem atualizada às 10h20, de 22/9/2022, para incluir resposta do MDH.