Em entrevista à Ponte Jornalismo, o rapper fala sobre o lançamento de seu novo clipe: uma homenagem aos “Mandumes” dos dias atuais
“Mandume foi um rei angolano, muito importante principalmente como símbolo de resistência às invasões portuguesas e alemãs” é a primeira frase que o rapper Emicida diz à Ponte Jornalismo, em entrevista sobre o lançamento do clipe da música “Mandume” (assista ao clipe acima), do álbum “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa”. E assim começa a aula de história de Leandro Roque de Oliveira, 31 anos, crescido no bairro de Cachoeira, Zona Norte de São Paulo.
Mandume Ya Ndemufayo, morto em fevereiro de 1917, foi o último rei de um povo que ficava entre o sul da Angola e o norte da Namíbia. Esse povoado era conhecido como os Cuanhamas. Mandume morreu resistindo aos europeus. Ele se tornou rei do povoado em 1911, época em que os portugueses impunham o poder colonial na Angola. Ao mesmo tempo em que ele resistia à força militar dos portugueses, também tinha de resistir ao alemães, que tentavam ocupar o territórios vindos pelo sul.
“Desde a primeira vez em que entrei em contato com sua história acreditei que ela podia ser uma metáfora pros vários descendentes de reis e rainhas que seguem cabisbaixos pelo mundo sem saber de sua grandeza”, avalia Emicida à Ponte. “A história dele poderia levantar a cabeça de muita gente e acho que é isso que ela vem fazendo”, afirma.
O rapper conta que conheceu a história do rei através de um amigo, que batizou o filho com o nome de Mandume. “Desde então, saí pesquisando. Durante a produção do último disco, o Rafael Tudesco, produtor da faixa, me mostrou um som de Angola que sampleamos e dali nasceu a música Mandume. Já era o universo se alinhando”, diz Emicida.
Mandume tem uma aceitação instantânea na rua, de acordo com o rapper. “A mensagem é forte, o refrão é urgente. Principalmente pro Brasil de hoje”, afirma. “Todos os convidados engrandeceram o vídeo e para mim é uma oportunidade de agradecer e homenageá-los também, pois cada um dos envolvidos é um rei Mandume vivo que não vai deixar as agressões contra nós passarem impunes, parafraseando o incrível poema Mel Duarte”, complementa.
São Mandumes vivos Gabi Jacob, que dirigiu o clipe, e os/as MCs Drik Barbosa, Amiri, Rico Dalasam, Muzzike e Raphão Alaafin, além de todas as outras pessoas que colaboraram para que a música chegasse às ruas e para que o clipe chegasse aos olhos e ouvidos das pessoas. O clipe também exibe a coleção Yasuke, da LAB, lançada por Emicida e seu irmão, Evandro Fióti, em outubro deste ano na São Paulo Fashion Week.
“Acredito que a cada vez que pegamos uma caneta, tanto eu quanto os outros MCs da música, buscamos honrar o legado deixado por nossos ancestrais, e é impossível fazer isso sem passar por algo tão grandioso como uma tradição milenar como o candomblé”, diz. “Juntamos nossas melhores referências e as louvamos. A parte do Raphão na música em especial emociona muito se você observar por esse ponto. Fiz questão daquela cena com a fogueira respondendo ao ataque desrespeitoso do cristianismo porque é importante dizer que aquela cerimônia é linda e o que motiva seus agressores é uma ignorância nojenta“, pontua.
Emicida se diz lisonjeado quando comparam sua produção e conteúdo intelectual com aulas de história. “Tive alguns ótimos professores e pude conviver e viver com pessoas ‘iletradas’ que eram muito sábias e me ajudaram a moldar minha forma de ver o mundo. Quando colocam minhas rimas num patamar de aula de história eu gostaria de direcionar esse elogio a eles, dizer que o mérito é de quem compartilhou o que sabia comigo”, diz.
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“Mas eu sempre vejo como uma voz que não pode se calar. É isso que todos somos. Assim como a voz dos professores tão desrespeitados neste Brasil não pode ser silenciada, a nossa vem de encontro à deles”, afirma. “Bons raps sempre foram boas crônicas sobre o que as ruas têm sentido, somos uma janela pras emoções e vivências da quebrada”, complementa.
A letra da música destaca a representatividade negra, a desigualdade social, a intolerância religiosa e é uma pedrada àqueles que gostam de rap.