Filho do jornalista Vladimir Herzog, assassinado pela ditadura militar, Ivo analisa momento histórico em que Brasil nega à ONU que houve golpe em 1964 e tenta reescrever a história da ditadura militar
Ivo Herzog perdeu o pai, Vladimir Herzog, para a ditadura militar que controlou o Brasil de 1964 a 1985. Em outubro de 1975, o jornalista foi assassinado em uma cela e os militares tantaram contar a história de que ele havia se enforcado com uma corda presa na janela a menos de dois metros do chão. O filho do jornalista analisa que o Brasil do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) vive momento similar hoje ao tentar reescrever a história.
“A minha vida toda, até bem recentemente, imaginava que coisas que aconteceram na Segunda Guerra Mundial, como o movimento nazista, nunca mais poderia voltar a acontecer, que ditadura não poderia voltar a acontecer. Eram certezas e essas certezas estão deixando de existir”, diz Ivo, sobre ações do governo que nega a existência de um regime totalitário no passado recente.
Ele se refere a ações como a de o governo atual enviar documento à ONU (Organizações das Nações Unidas) apontando que não houve uma quebra na democracia em 1964, quando os militares tomaram o poder em um golpe de estado, alegando que o presidente havia abandonado o país – João Goulart ainda estava no Brasil e, posteriormente ao golpe, viajou em direção ao Uruguai. E o fato de Bolsonaro ter apoiado que os militares comemorassem os 55 anos do golpe, completados no dia 31 de março passado.
Herzog ainda cita a tentativa de o MEC (Ministério da Educação) rever os livros de história e de tentar reescrever o passado, ensinando que não houve ditadura. “Querem reescrever livros de história… Se a gente não trabalhar forte, não lutar forte, pode e está sendo implantado um modelo fascista no Brasil com pensamento único, revisionista, de massacrar e eliminar as pessoas quem pensam diferente”, aponta.
Ivo participou da inauguração de mais uma obra do artista Elifas Andreato na Praça Memorial Vladimir Herzog, espaço que fica no centro de São Paulo, atrás da Câmera Municipal. A peça reproduz o troféu entregue pelo Instituto Vladimir Herzog aos jornalistas vencedores do prêmio que leva o nome do pai de Ivo. O troféu significa o reconhecimento da sociedade brasileira aos profissionais da imprensa que, por meio de seu trabalho cotidiano, colaboram com a promoção da Democracia, da Liberdade e dos Direitos Humanos, segundo o Instituto.
Para Ivo, uma homenagem que surge em momento importante para mostrar o que ocorreu nos anos de chumbo. “Infelizmente, não sei se a gente chegou tarde, mas uma parcela importante da população está celebrando a violência, um discurso de ódio, a intolerância. ‘Se você pensa diferente da gente, será eliminado’, ‘Se ele livro diz o que não concordamos, ele tem que ser apagado’… É muito assustador o que está acontecendo”, admite.
A inauguração da obra contou com a presença de jornalistas companheiros de Herzog, estudantes de jornalismo, militantes e políticos. A vereadora Soninha (PPS) apresentou a solenidade, com discursos de Ivo Herzog, do também vereador Eduardo Suplicy, do ex-parlamentar Eliseu Gabriel e de Vanira Kun, companheira do jornalista Audálio Dantas, falecido em maio de 2018.
O artista Elifas Andreato explicou que a obra, além de exaltar Vlado e os mais de mil jornalistas que já receberam o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, é resistência. “Vivemos uma ameaça de que o horror volte e se realize. Eles negam que existiu tortura, censura, sequestro, morte, estupro na ditadura. O regime matou. E hoje reavivem esta memória. A praça serve para as pessoas verem estas obras e entenderem o porquê elas foram construídas”, explica.
Existe a promessa de que a parede que separa a praça da Câmara Municipal seja preenchida com azulejos com os nomes dos mais de mil jornalistas que receberam o Prêmio Vladimir Herzog até hoje e será ampliada anualmente, conforme cada nova premiação.
ERRATA – A reportagem foi atualizada às 16h40 do dia 17 de março de 2020 para correção do mês em que Herzog foi assassinado