Mesmo com resultado favorável, Alex Silveira mostra-se preocupado com processos parecidos com o dele e com futuras manifestações envolvendo polícia e imprensa
Demorou 21 anos para que o estado de São Paulo fosse condenado a pagar indenização para o fotógrafo Alex Silveira, que perdeu a visão de um dos olhos após ser atingido por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar quando cobria um protesto feito por professores em 18 de julho de 2000. O repórter fotográfico se mostra aliviado com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), da qual o estado de São Paulo não recorreu, depois de tanta espera pelo resultado de arrastados julgamentos, mas se diz preocupado em relação a como serão analisados casos parecidos com os seus.
Em mais de duas décadas em que seu caso tramitou na Justiça, Alex passou de vítima a culpado do episódio que ocasionou a perda parcial da sua visão. Tendo resultado favorável na primeira instância, o profissional viu o poder público recorrer da decisão e, em 2014, o Tribunal de Justiça do Estado São Paulo (TJSP) entendeu que a responsabilidade pela lesão sofrida era do próprio fotógrafo.
Após afirmar que o uso de bombas e tiros de bala de borracha pelos policiais no dia do protesto dos servidores da rede estadual de educação foi necessário, o desembargador Vicente de Abreu Amadei, relator do processo do TJSP, alegou que Alex foi o responsável por tomar um tiro no olho. “O autor colocou-se em quadro no qual se pode afirmar ser dele a culpa exclusiva do lamentável episódio do qual foi vítima”, destacou.
“Independente do resultado que teve essa ação, não dá pra dizer que uma processo que dura 21 anos para se ter um decisão definitiva, é tudo menos justo”, desabafa o repórter fotográfico.
Silveira se diz aliviado por ver um processo tão longo acabar de maneira favorável, mas ao mesmo tempo relata estar preocupado de como serão julgados casos de outros fotógrafos que passaram pela mesma situação que ele, como é o caso de Sérgio Silva, que, nas manifestações de junho de 2013, também perdeu a visão de um dos olhos.
“Eu estou feliz porque acabou esse inferno, mas fico preocupado porque a minha indenização vai ser calculada em cima daquilo que eu ganhava na carteira de trabalho, pois era funcionário do jornal. Mas e o caso do Sérgio que era freelancer, como vai ficar?”, questiona o fotógrafo.
“Precisou chegar ao STF (Supremo Tribunal Federal) para concluir o que era óbvio: o Estado foi o responsável pelo que aconteceu com o Alex. Eu também sou uma vítima do Estado e tive meu pedido de indenização negado. Essa decisão do STF traz um fio de esperança para o meu caso”, comenta Sérgio Silva.
A imprensa em futuras manifestações
No acórdão (texto com a decisão colegiada dos ministros de uma corte superior) onde determina que o Estado indenize Alex Silveira por conta da ação policial, Alexandre de Moraes, ministro do STF e ex-secretário de segurança pública de São Paulo, adverte que os jornalistas obedeçam às recomendações dadas pelos policiais durante protestos onde serão empregados uso da força pelos agentes públicos.
“Cabe a excludente da responsabilidade da culpa exclusiva da vítima, na hipóteses em que o profissional de imprensa descumprir ostensiva e clara sobre o acesso a áreas delimitadas em que haja grave risco à sua integridade física”, destaca parte do acórdão assinado pelos ministros da Suprema Corte.
De acordo com a decisão do STF, além das custas médicas de Alex, ainda a serem calculadas, o estado de São Paulo deve pagar 100 salários mínimos a título de danos morais e estéticos. Alex também terá direito a uma pensão vitalícia de R$ 1.783,00, a ser corrigida junto com o salário mínimo.
“Isso já acontece em cena de crimes, a polícia isola e ninguém pode entrar, mas em manifestações a história é diferente. Geralmente são eventos em lugares grandes e com muitas pessoas. Como vai cercar isso? E outra, são momentos onde há polícia e população na rua em um ato de interesse público, por que a imprensa não pode acompanhar?” indaga Alex Silveira.
A Federação Nacional dos Jornalistas comemorou o final deste caso e lembrou de toda a mobilização de outras entidades de classe para que Alex Silveira tivesse seu direito de indenização garantido. A organização também que esse caso sirva como exemplo para outros episódios envolvendo a imprensa e as forças policiais.
“Para a Fenaj a decisão do STF corrige um erro histórico do TJSP, e é um marco para a liberdade de imprensa e o exercício do jornalismo no país. A Federação, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e a Arfoc fizeram intensa campanha pela reparação judicial para o Alex, chegamos a encaminhar carta para o Supremo com nossa posição. Esperamos que esse caso ajude a, cada vez mais, responsabilizar o Estado pela ação de suas polícias”, afirmou Norian Segatto, membro do Departamento de Segurança da Fenaj.
ATUALIZAÇÃO: Este texto foi modificado às 19h55 do dia 30/11/2021 para incluir detalhes sobre a indenização a ser recebida por Alex