Carlos Eduardo está desaparecido desde 27 de dezembro após abordagem da PM, segundo testemunhas; delegado diz que sem testemunhas, caso pode ficar sem solução
Quarenta e seis dias. Esse é o tempo que a família de Carlos Eduardo dos Santos Nascimento, 20 anos, está sem saber do paradeiro do jovem, que desapareceu depois de uma abordagem da PM na tarde de 27 de dezembro de 2019, na periferia de Jundiaí, interior de São Paulo. Autoridades informam que a falta de testemunhas está prejudicando andamento do caso.
A falta de informações das autoridades sobre o caso é a pior parte do desaparecimento do jovem. É o que diz à Ponte o segurança Eduardo Aparecido do Nascimento, 52 anos, pai de Cadu.
“Tá rolando um silêncio enorme, grande. Tá assim: ‘vamos deixar da maneira que está, daqui uns três, quatro meses a família esquece e fica por isso mesmo’. Mas não vamos esquecer, não vamos ficar quietos de maneira nenhuma”, afirma Eduardo.
Ele conta que a família se sente angustiada diante das poucas informações sobre os rumos das investigações. “[Corregedoria da PM e Delegacia de Investigações Gerais] Falam que estão investigando, mas que sem testemunhas não têm como fazer nada. A gente pede informação e eles falam que não têm informação nenhuma, que é sigiloso. Sigiloso por quê?”, indaga.
Eduardo afirma que a situação está insustentável. “Difícil é só apelido, está horrível. Já são mais de 40 dias sem notícias, ninguém nos informa nada como sempre. Um laudo sobre a atividade de uma viatura que era para ficar pronto em 30 dias ainda não está pronto”, desabafa o pai.
Existem duas investigações paralelas sobre o desaparecimento de Cadu. Uma é coordenada pela Polícia Civil e está sendo feita pela Delegacia de Investigações Gerais de Jundiaí, a DIG. A outra é da própria PM, encabeçada pela Corregedoria da corporação. Mas, até agora, segundo a família, ambas as investigações não conseguiram responder a pergunta que tem sido feita desde o dia do sumiço: onde está Carlos Eduardo?
Desde o primeiro dia de sumiço de Cadu, Eduardo não descansou. Por conta própria, o pai tem feito uma investigação paralela à apuração das autoridades policiais para tentar encontrar o filho.
“Vamos por aí colhendo as coisas e levamos para a DIG, levando para algum outro órgão. Ainda estamos fazendo buscas. Ficamos o dia inteiro na semana passada em Jarinu, mais uma vez, e nada. Está assim, vamos em lugares que já estávamos indo porque não aparece nada”, conta.
O que se sabe é que o jovem estava em um bar, na rua Benedito Basílio Souza Filho, no bairro Jardim São Camilo, com mais quatro amigos quando foi abordado pela PM. Todos foram revistados, mas apenas Carlos Eduardo, único negro do grupo, teve o celular apreendido e foi levado pelos policiais. Depois disso, Cadu não foi mais visto.
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O advogado Fabio Juliate, que auxilia a família de Cadu, conta que a demora nas investigações é normal e, apesar de não parecer, o caso está andando. “O caso do Cadu é bem específico. Quando tem o sumiço de uma pessoa com o envolvimento de polícia é bem diferente. O caso está andando no sentido das solicitações”, explica.
Juliate destaca que, em depoimento, os três policiais investigados pelo desaparecimento de Cadu, 2º Sargento PM Anderson Torres, Soldado PM Júlio César de Lima e Soldado PM Denilson Lucas Diniz, negaram qualquer prática criminosa e afirmaram que não abordaram ou viram Cadu naquela tarde de 27 de dezembro.
“Os três contaram a mesma história, mas a gente não esperava que fosse diferente, que eles fariam qualquer admissão de apreensão porque não consta nenhum relatório sobre isso”, conta o advogado da família de Cadu.
“Eles levaram uma testemunha, que estava no bar naquele dia, mas não é morador do bairro. Essa pessoa disse que não viu o Cadu, que só quatro pessoas foram abordadas e que ninguém foi levado. É um depoimento isolado de todos os outros”, argumenta.
Diante disso, a família tentou, mais uma vez, levar uma testemunha que comprovasse a versão de que Cadu foi levado pelos policiais, mas as testemunhas ainda estão com muito medo de falar sobre o assunto.
Os advogados, afirma Fabio Juliate, solicitaram as imagens das câmeras dos ônibus que circulam pela região na tentativa de mais alguma informação que ajudasse nas investigações. Mas, em resposta, a Prefeitura de Jundiaí informou que as imagens ficam guardadas apenas por quatro dias.
“Então eu pedi nova oitiva dos policiais, para que eles respondam algumas perguntas que eu fiz, principalmente em relação ao itinerário do que foi feito. Pedi para intimar também o capitão da companhia para que ele informe qual era o itinerário daquele dia, se havia um relatório prévio disso”, explica o advogado.
Um dos relatórios solicitados pelos advogados da família de Cadu, que mostra o posicionamento dos celulares dos três policiais envolvidos na ação, ficou pronto, mas o resultado é inconclusivo.
“Tem uma região que eles foram no dia que, ou o celular estava desligado, ou não tinha área, o que infelizmente pode ter acontecido por ser uma região mais afastada”, explica Juliate.
Dimitri Sales, presidente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), disse à Ponte que a prioridade é encontrar o corpo de Cadu.
“Enquanto não encontrarmos o corpo dele, a gente não consegue materializar os fatos. Há uma saída, que é as testemunhas aparecerem e afirmarem que foram os policiais que levaram o Cadu. Só que nenhuma testemunha quer falar, estão com medo, o que é compreensível. Se a gente não conseguir levar as testemunhas ou localizar o corpo do Cadu, fica difícil”, argumenta Sales.
Dimitri afirma que o Condepe está acompanhando o caso e solicitou ao DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) assumisse as investigações do desaparecimento do jovem. Além disso, o órgão solicitou à Corregedoria que se comprometa em encontrar o corpo e que as secretarias de Segurança Pública e Justiça acompanhem a situação de perto.
Outro lado
O delegado da Delegacia de Investigações Gerais de Jundiaí Josias Guimarães, responsável pelas investigações do desaparecimento de Cadu, informou que a ausência de testemunhas tem prejudicado o trabalho da Polícia Civil.
“As testemunhas têm que aparecer, elas podem vir aqui direto para falar comigo que serão ouvidas e terão as identidades preservadas. Eu estou angustiado com o andamento. Sem testemunha vai ser difícil isso daqui andar”, explica o delegado da DIG.
Josias explicou que, além de solicitar as imagens dos ônibus que circulam na região do desaparecimento, pediu à Corregedoria da Polícia Militar que repasse a ele o IPM para cruzamento de informações. “Está tudo muito confuso isso daí. Queremos ouvir todas as pessoas aqui na delegacia”, afirma Josias.
A Ponte questionou o sociólogo Benedito Mariano, ex-ouvidor da Polícia de SP e que estava acompanhando o caso, sobre o avanço das investigações, mas, segundo ele, até a semana passada, quando deixou o cargo, não havia novidades.
A reportagem procurou o novo ouvidor Elizeu Soares Lopes. A ouvidoria informou que não há novidades do caso e que a Corregedoria da PM está apurando o desaparecimento.
À Ponte, o Coronel Marcelino Fernandes, corregedor da PM, se restringiu a dizer que a Corregedoria cuida do Inquérito Policial Militar e segue investigando e ouvindo testemunhas.
A Secretaria de Segurança Pública, liderada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSDB), por meio da assessoria InPress, informou que mantinha a última nota enviada à Ponte em 22 de janeiro de 2020.
Na ocasião, a pasta informou que “todas as circunstâncias relativas ao caso são apuradas pela DIG de Jundiaí e pelo IPM instaurado pela Polícia Militar. Mais informações não podem ser passadas para não prejudicar o trabalho policial. Os dados estão disponíveis para os advogados constituídos pelas partes”.