Das prisões, filhos escrevem às mães: “socorro”

    Coronavírus espalha mortes e medo nas prisões; parentes só podem se comunicar por cartas, que levam o dobro do tempo para chegar

    Parentes recebem notícias desatualizadas de presos em Praia Grande, no litoral paulista | Foto: Reprodução/TV Tribuna

    Com as visitas em prisões suspensas por causa da pandemia do coronavírus, os familiares de presos têm somente duas alternativas de comunicação: falas repassadas pelos advogados e as cartas escritas pelos próprios detentos. No entanto, as famílias relatam problemas para obter notícias no estado de São Paulo.

    A Ponte teve acesso a áudios de parentes que revelam atrasos constantes na entrega das cartas, tanto a chegada da correspondência aos presos quanto a saída e entrega às famílias. Antes da pandemia, o tempo entre o envio e a entrega (fora para dentro ou das unidades para as casas) era, em média, de 7 dias. Agora, segundo os relatos, a média saltou para 15 dias. Algumas das mulheres chegaram a escrever por três vezes e não receberam nenhuma resposta.

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    Uma das unidades com problemas revelados pelos parentes é o CDP (Centro de Detenção Provisória) de Praia Grande, no litoral paulista. Lá, contam alguns parentes, há dificuldade até para a entrega do “jumbo”, sacola com comida, itens de higiene e remédios, enviado através dos Correios desde o início da pandemia.

    A SAP-SP (Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo), gerida pelo coronel Nivaldo Restivo neste governo de João Doria (PSDB), proibiu a entrega presencial destes itens para evitar a proliferação da doença. Desde março, tudo é feito pelo Correio.

    “A carta que chegou para mim hoje (28/4), ele escreveu no dia 14. E ele está falando que o único meio para se comunicar está com demora e ele não recebeu os três’ jumbos’ que eu mandei. Nada”, reclama uma familiar.

    Segundo ela, as notícias que recebe são atrasadas e não há detalhamento sobre a real situação dos presos. “Já não temos visita e com as cartas acontece isso? ‘Jumbo’ acumulado na portaria? Falta de respeito”, lamenta.

    Outra parente conta que os funcionários não dão informações quando ela telefona no CDP. “Liga e ninguém fala. Não tenho notícia dos meus filhos. Estou muito preocupada. Queria que fosse resolvida essa situação. Está muito difícil”, diz.

    Uma mãe condena a falta de notícias há pelo menos um mês. “Meu filho falou que mandou várias cartas e nenhuma chegou aqui. Eu queria saber onde foram parar essas cartas. Estou sofrendo, sentindo saudade na esperança de receber uma carta e não chegou. Mandei várias e não tenho retorno de nenhuma”.

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    Na Penitenciária de Bernardino de Campos, a 327 quilômetros da capital paulista, a reclamação é de que os presos são censurados na comunicação com quem está do lado externo.

    “Notícias por cartas, alguns, talvez por medo de retaliação, dizem que está tudo bem. Porém, não é isso que acontece lá”, afirma uma mulher, dizendo que recebeu informação de que havia preso com sintomas de coronavírus sem isolamento.

    “O preso que subiu para o atendimento ficou 14 dias e desceu com garganta inflamada, febre, falta de ar e sem fazer o teste da Covid”, conta. “A visita liga, não é passada informação e a família é maltratada pelos agentes”.

    Na mesma unidade, outra familiar relata contato com quem estava com suspeita da doença. “A advogada foi atender meu esposo no parlatório e ele foi atendido junto de um preso que estava em isolamento”, declara.

    Familiares denunciam que há presos com sintomas de Covid-19 em Bernardino de Campos | Foto: Reprodução/SAP

    As denúncias de atraso nas cartas também ocorrem na unidade e com a mesma periodicidade. “Meu filho escreveu no dia 14 e chegou hoje, dia 28, a carta dele. Escrevi bastante para ele e quase não tenho respostas”, afirma uma mãe.

    Uma familiar fala de uma demora ainda maior. “Recebi no dia 22 de abril carta que ele escreveu em 26 de março. Tinha mandado uma no dia 3 de abril e não sei se ele recebeu a minha. Está difícil comunicar. Mandei ‘jumbo’ por Correio e não sei se foi entregue para ele”, explica.

    E, quando as cartas chegam, o alívio se torna desespero. “Pedi tanto para chegar uma carta do meu filho… Não esperava que seria desse jeito. Ele nunca foi de falar o que acontece lá dentro. Se ele está pedindo socorro, realmente a situação não está fácil”, conta uma mãe.

    Segundo ela, a reclamação é para a falta de comida. “Ele disse que está passando necessidade, que está difícil. Quando isso vai acabar, pelo amor de Deus? Meu ex-marido me mandou um dinheiro e vou ver se consigo mandar um Sedex para o meu filho”, diz, citando o ‘jumbo’.

    Além de afirmações sobre o fato de os ‘jumbos’ não estarem chegando ao destino final, outro problema é quando os itens chegam, mas com muito atraso. “Mandei o ‘jumbo’ no dia 27 agora, falaram que a previsão é no dia 6 de maio. Que absurdo, que absurdo”, conta a mulher de um preso.

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    Segundo a integrante do movimento Mães do Cárcere Andrelina Amélia Ferreira, conhecida como Andreia MF, a situação tem se agravado desde o mês de março, justamente o início do isolamento e das medidas restritivas nas prisões. “Tem que ter mais transparência, mais funcionários com habilidade e sensibilidade, humanismo de verdade para atender os familiares”, avalia.

    Segundo ela, a cadeia da forma como é hoje “não vai ressocializar ninguém” e é preciso um cuidado melhor com as pessoas. “Qual tipo de recuperação se estão morrendo de fome? Deixa um animal preso dentro de um cômodo sem alimentar e entra lá dentro depois para ver o que ele faz”, diz.

    “Falta humanidade. Sabemos que o sistema não vai recuperar ninguém, vai trazer mais traumas, mais mortes. Se tiver mais amor, quem sabe”, lamenta.

    A Ponte questionou a SAP paulista sobre as denúncias em Praia Grande e Bernardino de Campos e aguarda um posicionamento.

    Tablets e notebooks: uma solução?

    O Ministério da Justiça, enquanto ainda era liderado pelo ex-juiz Sérgio Moro, apresentou projeto para comprar tablets que serviriam na comunicação entre os presos e as famílias.

    Em 14 de abril, o então ministro afirmou que o projeto ainda estava sendo estudado e serviria para facilitar visitas virtuais de familiares aos presos, em contexto com coronavírus ou sem. “Evidentemente não será um tablet por preso, nem o equipamento será com o preso deixado para ser usado como telefone”, afirmou Moro em seu Twitter.

    Até o momento, a ideia não foi para a frente. Segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), o projeto está em “fase de concepção” e não há “quantidade, valor estimado ou prazo definido para as aquisições”.

    “O Depen está efetuando o levantamento de necessidade dos estados, além de estudo sobre especificação dos produtos a serem adquiridos, dentre eles o tablet, para as unidades prisionais brasileiras”, diz o departamento, em nota.

    No documento, o Depen ainda detalha que os presos não ficarão com o controle dos equipamentos e, além da comunicação com as famílias, servirá “na intensificação de ensino EAD para servidores, videoconferências administrativas e judiciais”.

    Enquanto o poder público não decide

    No Maranhão, uma ação da Humanitas 360, doou 55 notebooks para as unidades prisionais do estado para facilitar, ainda que virtualmente, a manutenção do vínculo entre os encarcerados e os familiares.

    A ação tem parceria com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e com aval da Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária). Os equipamentos são doados pela própria Humanitas e a ideia é ampliar para outros estados além do Maranhão.

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    […] 14 e 15 de março deste ano a última vez que familiares tiveram contato físico com os presos no estado de São Paulo. Há seis meses, as notícias vêm apenas em cartas ou visitas online – para quem […]

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