Cortejo abriu o carnaval de rua da cidade de São Paulo nesta sexta-feira (9/2) com participação da família da vereadora assassinada e de movimentos de mães de vítimas de violência policial
Lágrimas escorriam dos rostos de algumas mães enquanto estendiam faixas e camisetas com as fotos e nomes dos entes queridos que foram mortos pelo Estado. A emoção ficou maior quando foram aplaudidas ao passar pela Avenida São Luís, no centro da capital paulista, enquanto abriam alas para o bloco afro Ilú Obá De Min, nesta sexta-feira (9/2), que tradicionalmente inicia o carnaval de rua da cidade.
Irúgbìn: Família Franco – Marielle foi o tema do desfile deste ano do bloco, que é formado majoritariamente por percussionistas negras. Irúgbín [lê-se irubim] significa sementes em iorubá e, de acordo com a diretora artística Mafalda Pequenino, o desfile busca celebrar a memória e as sementes que a parlamentar assassinada em 2018 no Rio de Janeiro deixou e fazer reverência à todas as famílias que lutam contra o genocídio e que são responsáveis por não deixar o legado dos partiram morrer. “A nossa luta é diária, mas é uma celebração também porque cada dia que a gente levanta, a gente tendo o nosso corpo e as nossas corpas negras como alvo, é uma celebração de poder estar em pé e de poder lutar”, disse à Ponte.
O evento teve a participação de Antônio Francisco da Silva Neto e Marinete Silva, pais de Marielle, e Luyara Santos, filha da vereadora. “Isso é importante pra gente, é a memória de uma mulher que transcende hoje o Brasil e o mundo está aí para celebrar, para viver esse carnaval como a Marielle sempre fez por muitos anos”, disse Marinete à Ponte. “Só tenho gratidão por estar aqui em São Paulo e ver que essa memória, esse legado, vai cada vez mais longe e também é reverenciado nesse carnaval. É na alegria que a gente vive, com todas as dificuldades que a gente tem, mas é importante que o Brasil saiba mais uma vez que ela era também uma foliã, uma mulher que fez a história e a mudança desse país a partir de uma tragédia, mas a gente vai reverenciar sempre essa história.”
Maria Cristina Quirino, uma das integrantes do Movimento de Mães de Paraisópolis e que perdeu o filho de 16 anos no massacre em 2019, conta que também nunca tinha ido a um bloco de carnaval antes. “Eu até fiquei em choque [com o convite] porque ainda é muito difícil assimilar esse lugar da cultura como um espaço de luta”, revelou. “Quando eu entendi que o bloco faz um carnaval mais político, eu tive a certeza de que é importante estar junto fazendo o nosso papel de visibilizar as mortes dos nossos filhos. Nosso país é genocida, é o caso da Marielle, é a letalidade policial no Rio, em São Paulo, na Bahia. A gente tem que trazer essa realidade para a sociedade ver.”
“Eu não tinha como não estar aqui. Costumo dizer que a Marielle também foi morta na Chacina de Osasco, mas em datas diferentes, porque a bala que matou ela era do mesmo lote desviado da Polícia Federal que matou meu filho”, declarou Zilda Maria de Paula, mãe de Fernando Luis de Paula, filho único morto em 2015, e integrante do Movimento de Mães de Osasco e Barueri. “Carnaval também é política e estamos aqui para dar visibilidade à nossa história.”
Pela primeira vez em um bloco, Sandra de Jesus segurava firme o nome do filho Luiz Fernando Alves de Jesus estampado na camiseta. Neste sábado (10/2), completa um ano que Luiz foi morto por policiais das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), força especial da Polícia Militar paulista, e, como a Ponte revelou, a investigação da Polícia Civil aponta que o jovem foi executado e que uma arma foi plantada pelos PMs. “Eu não tenho motivo para comemorar nada, mas eu tenho motivo para vir para a rua lutar e mostrar o quanto todos os dias jovens estão sendo assassinados”, disse.
Após perder o filho, Sandra entrou para o Movimento Independente Mães de Maio onde encontrou acolhimento e também busca acolher outras mães. “É uma vida, é uma família que se destrói, é uma família que sofre, é uma família que chora. São mães destruídas psicologicamente, mentalmente, com saúde, financeiramente. Ontem eu estava atrás de vaquinha para a mãe que teve que enterrar o filho. O Estado mata nossos filhos e não nos dá nem o direito de enterrar nossos filhos dignamente. Então o que eu passei há 364 dias atrás, eu ontem vi uma outra mãe passando.”
No evento, parlamentares, especialmente mulheres negras, também se fizeram presentes. “Marielle tem uma história que nos marca com muita dor, com uma perda brutal e desoladora, mas que também abre uma marca para que outras mulheres negras cresçam, surjam, apareçam, não baixem a cabeça e lembrem que nós só teremos um mundo livre para nós, mulheres negras, quando nós continuarmos lutando, enquanto nós continuarmos lutando”, afirmou a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que é a primeira mulher trans e negra que foi eleita na Câmara dos Deputados. “Tombaram o corpo físico, mas jamais tombarão a potência transformadora e a semente do projeto que é a Marielle.”
Além do desfile desta sexta-feira, o bloco também fará uma apresentação no domingo (11/2), às 14h em frente à Cia Livre de Teatro, localizada na Rua Conselheiro Brotero, nº 195, no bairro da Barra Funda, na zona oeste da cidade. O evento vai terminar em frente ao galpão do Armazém do Campo do Movimento dos Sem Terra (MST), localizado na Alameda Eduardo Prado, no centro. A concentração inicia uma hora antes e é gratuito.
Veja mais fotos do desfile: