Famosos, ativistas e especialistas se unem e cobram de Doria combate à violência policial

    Texto elenca oito medidas que o Estado deve adotar e conta com apoio de movimentos como Mães de Maio e nomes como Emicida, Zezé Motta e Djamila Ribeiro

    Grupo recusou encontro sem a presença de João Doria | Foto: Reprodução/Facebook

    Um grupo que reúnes movimentos sociais, coletivos negros, especialistas da área de segurança pública e justiça, e personalidades cobra um encontro com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), para apresentar uma série de medidas de combate à violência policial.

    O movimento quer falar presencialmente com o tucano e já recusou reuniões apenas com o secretário-executivo da PM, coronel Álvaro Camilo, e o Ouvidor da Polícia de São Paulo, Elizeu Soares Lopes, como sugerido pelo governo.

    Em 24 de junho, o grupo enviou o primeiro pedido de reunião, sem receber resposta. Entregaram novo documento em 17 de julho, dando cinco dias de resposta. As negociações para esse encontro estão acontecendo e existe um desejo do governo de que o grupo seja um pouco menor, mas não há uma resposta definitiva ou data marcada até o momento.

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    No pedido, o grupo argumenta que há um cenário de “violência extrema praticada por agentes de segurança pública” em São Paulo, o que é uma espécie de “licença para matar” quando se tem “inação” quando há casos de mortes e feridos na atuação policial.

    São 29 instituições a assinar o documento, entre elas Mães de Maio, Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Comissão Arns, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, UneAfro, entre outras.

    Parte dos famosos que encorpam o pedido por ações efetivas incluem o ator Antônio Fagundes, o músico Emicida, a escritora Djamila Ribeiro, o cineasta Fernando Meirelles, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, a atriz Zezé Motta, o padre Júlio Lancelloti, entre outros.

    Intitulada “Medidas mínimas para contenção da violência e letalidade policiais”, a carta que o grupo pretende entregar a Doria sugere oito medidas que devem ser tomadas com urgência para acabar com a violência de Estado. Ela ainda não está pronta, mas, em linhas gerais, as medidas versam sobre a reavaliação do modelo de polícia, como por exemplo, reformular o POP, que é o procedimento operacional padrão, e responsabilização do Estado em duas esferas: punição aos agentes de Estado envolvidos e reparação aos familiares das vítimas.

    O grupo também exige mais transparência sobre o emprego da força em ações policiais e cobra um melhor monitoramento de abordagens policiais, lembrando que, ainda esta semana, Doria anunciou a implementação das câmeras corporais. O movimento levanta a dúvida sobre quem vai gerenciar esses dados.

    Outro item que chama a atenção é que o grupo pede “atenção à questão da atividade de segurança privada”. Um dos casos recentes de repercussão ocorrido na zona sul da capital paulista, onde Guilherme Guedes, 15 anos, foi assassinado, em 14 de junho, envolvia uma empresa de segurança cujo dono é o PM Adriano Fernandes de Campos. Ele e um funcionário da empresa, ex-PM Gilberto Eric Rodrigues, são suspeito do crime.

    Para a advogada Sheila de Carvalho, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – SP, as medidas que serão apresentadas são muito concretas para o que ela definiu como movimento de partida. “É o mínimo que a gente tem que ter hoje para combater a violência policial. Elas não são uma receita mágica, elas não vão acabar com o racismo, com a letalidade policial, porque a gente sabe que isso são gargalos estruturais que envolvem muito mais debate e construção política. mas elas nos dão um ponto de partida”, afirmou em entrevista à Ponte.

    Sheila destaca o pedido de responsabilização “daqueles que praticam a violência”. “A gente sabe que nem mesmo isso acontece e que é muito comum policiais que foram envolvidos no assassinato dos nossos jovens ficarem impunes porque existe uma estrutura que os protege”.

    Outro destaque feito pela advogada é a reparação às vítimas e familiares. “A reparação é importante porque ela é um reconhecimento dessa violação e é também a memória, acolhimento e cuidado. Ao mesmo tempo a gente precisa que esses casos sejam reconhecidos e responsabilizados para que a gente consiga realizar as medidas de reparação. Há uma ligação estreita entre elas [as medidas]”, explica.

    Para Sheila de Carvalho, o rosto dessa demanda que será levada ao governador são as Mães de Maio, que também assinam a carta. “Não faria sentido ter uma reunião com governantes sem a presença das vítimas”, avalia.

    “Estamos morrendo com nossos filhos”

    Fundadora do movimento Mães de Maio, Débora Maria da Silva disse que, caso tenha a oportunidade de ficar cara a cara com João Doria, iria dizer: “Parem de matar nossos filhos. Já passou da hora de os políticos trazerem como fundamental questão a ser combatida a matança dos nossos filhos. O governo mata nossos filhos e abandona a família inteira. Precisamos que o governo faça políticas afirmativas de reparação. Nossos mortos têm voz!”.

    Débora Silva, coordenadora do movimento Mães de Maio, durante homenagem em maio de 2019 | Foto: Bianca Moreira/Conectas

    Em entrevista à Ponte, Débora ponderou que, de todos os oito itens contidos na carta de medidas, os que mais representam a luta das mães é a reparação psíquica, econômica e social das vítimas e dos familiares, e a remodelação completa da polícia. “Estamos morrendo junto com nossos filhos. Somos cidadãs que pagamos impostos e não podemos aceitar que os comandados e o mandantes recebam salário pago por nós para matar nossos filhos. Não tem como recuar mais. Basta do cinismo de quem faz política de extermínio como moeda de troca para garantir o poder”.

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    Débora não se limita a criticar a PM e responsabiliza Polícia Civil. “Uma mata e a outra não investiga”, critica. Na luta há 14 anos, desde maio de 2006, quando seu filho Edson Rogério foi uma das mais de 500 vítimas da investida do Estado contra os ataques do PCC, Débora afirma que não é novidade alguma a denúncia de que a polícia é violenta. No entanto, vê com bons olhos o apoio de pessoas que nunca se posicionaram publicamente sobre o tema, mas que tem grande apelo midiático.

    “A gente está gritando, gritando, gritando faz tempo e ninguém nos ouve. Quando a gente vê um grito de uma pessoa que nunca gritou, mas que se dirige a dar um colo e a se comprometer com essa luta, é claro que é bem vindo”, avalia.

    “Costumo dizer que essa luta não é das mães, mas de todos que não aceitam uma ditadura continuada. Mesmo a classe média gritando que a ditadura acabou, ela não acabou, ela sempre esteve presente na periferia”, afirma.

    Casos recentes foram motivadores

    Segundo a advogada Marina Dias, diretora-executiva do IDDD, já existe historicamente no estado ações violentas e letais da polícia. No entanto, afirma que a escalada recente, com aumento de mortes em meio à pandemia de coronavírus, gerou este movimento.

    Os números são expostos na carta onde estão elencadas as medidas. A Ponte também realizou reportagens sobre a letalidade policial no período da pandemia mostrando, por exemplo, que em abril, a PM paulista matou uma pessoa a cada seis horas.

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    “Houve um aumento considerável. Temos a clareza que essa violência é voltada para um grupo específico, dos jovens negros que moram na periferia”, explica a advogada, alertando para um censo de “urgência que o tema tem ganhado” como motivo maior para que haja a reunião.

    Além disso, nas últimas semanas casos de abordagens violentas trouxeram o debate do exagerado uso da força ao público em geral.

    A ideia do movimento surgiu no coletivo 342Artes, o qual Marina é uma das integrantes. Dali partiu para as outras entidades e ganhou força. “Queremos fazer um diálogo propositivo. De fato poder transformar essa realidade e levaremos pauta com propostas efetivas”, afirma.

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    Sobre a presença de nomes conhecidos, Marina considera que a inclusão serve para “demonstrar que não são as pessoas historicamente nessa luta [da segurança pública], mas que existem outras pessoas de diversos setores que estão percebendo que o tema precisa ser tratado com critério, responsabilidade pelo Estado”.

    A Ponte solicitou ao governo do estado um posicionamento sobre o pedido do grupo, além de saber se Doria disponibilizará uma data de sua agenda para o encontro e aguarda uma resposta.

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