Paraisópolis, em São Paulo, une forças para oferecer ambulâncias, doar cestas básicas e máscaras e atender vítimas da Covid-19
“Nos sentimos abandonados, como se não fossemos brasileiros. Esquecidos”. A definição de Gilson Rodrigues, representantes dos moradores de Paraisópolis, segunda maior favela de São Paulo, na zona sul da cidade, é um desabafo. Faz questão de mostrar a falta de preocupação do poder público com a periferia em meio à pandemia do novo coronavírus. Mais do que reprovar, contudo, a comunidade de Paraisópolis se uniu. Mostrou que, mais uma vez, a favela vive por conta própria, na base de um lema antigo: ‘Nós por nós’.
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União é a palavra que melhor representa o atual momento vivido ali. Seis meses após nove jovens terem morrido pisoteados em ação da PM durante um baile funk e de três jovens serem sequestrados e mortos na quebrada, Paraisópolis não quer ser notícia mais uma vez por causa de tragédias. Os moradores se mobilizaram para evitar um caos gerado pela pandemia.
A organização é simples: cada rua tem um representante, chamado de presidente. Ele é responsável por até 50 famílias, uma forma de o controle do que está acontecendo ser melhor administrado. São os presidentes que definem as entregas de cestas básicas, chamam ambulâncias para os doentes e encaminham quem precisa para as casas de abrigo — outra ação para atender quem precisa.
“Não é à toa que colocamos o nome do voluntário de presidente de rua. Temos nosso próprio presidente, com a ausência de um representante nesse tempo de pandemia”, afirma Gilson. “Tudo que fizemos veio da favela. Não vem nada dos governos. O estadual liberou apenas escolas para a gente, mais nada. Falta política pública. É uma tragédia que está sendo construída”, prossegue.
Para evitar a tragédia, Paraisópolis criou a entrega de marmitas, a produção e entrega de máscaras aos moradores, contratação de profissionais da saúde para atender os moradores em três ambulâncias, a elaboração de casas de acolhimento (que funcionam em escolas locais, cedidas pelo governo do tucano João Doria), além das cestas básicas entregue às famílias mais necessitadas.
Toda a mobilização gera um dia a dia de trabalho corrido. Na última quarta-feira (6/5), por exemplo, um grupo de 250 voluntários se formou para atuar como socorristas, ação feita logo pela manhã. Em seguida, quem estava ali foi direcionado para as demais atividades, que não podem parar.
O fotógrafo Guilherme Christ acompanhou por duas semanas o trabalho nos becos e vielas da favela. Chamou sua atenção o fato de não haver um só representante do poder público ali, prestando o que deveria ser a função governamental. “O que me impressionou mais foi a união, o poder que o Gilson tem de mobilização dentro da comunidade toda”, explica o profissional.
Suas imagens retratam essa atuação conjunta, uma espécie de empatia coletiva sobre o que está acontecendo. Ainda que nem todos respeitassem a quarentena. “Muita gente ainda não entende o que é a Covid-19. Fora o que o governo está fazendo para confundir a população, dizendo ser só uma gripezinha. Muita gente está brincando com o corona ou tinha vergonha de assumir, não avisavam vizinhos”, explica. “Parecia um tabu social”.
Sem ‘mistura’ na geladeira, cuidadora ajuda os demais
Empatia, de fato, é uma palavra importante para quem abraça a ideia e as ações locais. Sentir a dor do outro parece mais importante do que encarar as próprias dificuldades, mesmo sem saber como será o futuro. É o caso de Cláudia Regina di Silvério, 48 anos, 18 deles vividos em Paraisópolis, responsável por encaminhar cestas básicas, álcool em gel e máscara a essas pessoas.
Mãe de três filhos, de 9, 10 e 23 anos, ela é responsável por atender idosos na Rua Nova. Muitos deles contam apenas com a força dos vizinhos. Filhos, netos e outros parentes os abandonaram. Na pandemia, dependem da solidariedade de pessoas como Cláudia.
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Natural de Santos, Cláudia chegou em Paraisópolis movida por uma paixão. “Encontrei um amor”, relembra. Agora, depois de quase duas décadas, vive de cuidar de crianças — além das suas. Das nove que atendia antes da pandemia e assim garantia o sustento dos seus próprios filhos, apenas uma segue sendo cuidada por ela, porque os familiares continuam trabalhando, mesmo com Codiv-19 e isolamento social. Os pais dos demais conseguiram se confinar. A renda de Cláudia sumiu.
“Eu recebi auxilio [emergencial, do governo federal] de R$ 1,2 mil. Disso, R$ 550 foi de aluguel, paguei umas contas, comprei algumas coisas e acabou. A nova parcela está prevista para o dia 25. É bem complicado”, confessa. Além de cuidadora, consegue complementar a renda vendendo bolos, poucos, já que não há festas durante o isolamento social. Ainda assim, consegue olhar para outras realidades além da sua.
“Tem uma família que atendo que tem o pai, sobrinho e três crianças, abandonadas pela mãe. Ele sai para trabalhar 4h30 e eles esperam os voluntários irem com marmita, não comem café da manhã”, conta. “É chorar de noite, viu. Lembro das pessoas… Fico bem emotiva”, diz Cláudia, sabendo que sua realidade também está longe de ser tranquila.
“Não tem mistura mais em casa. Meu filho mais velho teve o salário reduzido. Vamos empurrando e assim vamos indo”, admite. “Eu não sei nem explicar. Acontece tanta coisa que você vê que seu problema é tão pequeno”, diz.
Enquanto deixa seus problemas de lado, vê nas realidades de fora uma forma de ver a vida com um olhar mais otimista, humano. “Todos ajudam as famílias. São pessoas que ficam bem agradecidas. Os idosos ficam bem gratos, pois a maioria fica só, não tem neto, não tem filho, são sozinhos. É tão complicado querer ajudar mais e não conseguir…”, finaliza.
Este ensaio fotográfico foi financiado pelo Fundo de Emergência para Jornalistas da National Geographic Society
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