Feira de Santana (BA) sofre onda de homicídios após morte de policial

    Morte de soldado que tentou evitar assalto é seguida de assassinatos nas periferias; este é segundo final de semana no estado com mortes posteriores à execução de um PM

    Corpos das vítimas em um do carros do IML | Denivaldo Costa/Central de Polícia

    Fim de semana na Bahia, um policial militar é morto. Em seguida, uma série de homicídios aconteceu em dois dias. Nos últimos dois finais de semana, o mesmo roteiro se repetiu: primeiro em Salvador e, agora, em Feira de Santana, segunda cidade mais populosa do estado. Após a execução do soldado Wagner Silva Araújo, 28 anos, na madrugada de sábado, foram registrados 19 assassinatos entre o sábado e o fim da manhã desta segunda-feira (18/6).

    No final de semana anterior, 31 pessoas foram assassinadas na capital baiana após o cabo Gustavo Gonzaga, de 44 anos, ser executado e ter partes do corpo cortadas. As características dos assassinatos em Feira de Santana, após a morte do soldado Araújo, segue a mesma lógica dos ocorridos em Salvador dias antes: todos são homens, jovens e moradores de bairros da periferia. No caso anterior, especialistas ouvidos pela Ponte apontam para a ação de grupos de extermínio e que esse tipo de situação é comum após mortes de PMs.

    O PM Araújo morreu por volta de 4h30 da madrugada de sexta-feira (15/6) para sábado, quando saía de uma festa no bairro São João, na região central de Feira. Ao deixar o lugar, o policial viu duas pessoas sendo assaltadas e tentou evitar o crime, mas acabou baleado no peito. Socorrido, foi levado ao hospital e não resistiu. Araújo era policial desde 2015 e deixa esposa e um filho de seis meses. Ainda não há suspeitos do crime.

    Em seguida, os assassinatos em série começaram. Há casos de vítimas atingidas com tiros pelas costas, baleados na cabeça e outros enquanto assistiam ao jogo do Brasil conta a Suíça, pela estreia na Copa do Mundo na Rússia. A maioria morreu nos bairros onde moravam, alguns em locais desertos. Testemunhas denunciaram o uso de um Celta branco e de motos nos ataques.

    Robson Ubelino Coutinho (21 anos), Sílvio de Jesus (30), Alexandre da Silva Moreira (17), Jhonatas dos Santos Oliveira (25), Jhonatas Moreira (14), Leandro Oliveira Santana (35), Matheus Silva do Amor Divino (17), Guilherme da Silva Barbosa (22), Diego de Jesus Souza dos Santos (20), Igor Silva de Jesus, Robério Gomes de Jesus (21), Robert Miller Garcia dos Santos (15) e George Antônio Souza de Jesus (28) são algumas das vítimas reconhecidas – as demais não foram identificadas.

    As mortes foram registradas nos bairros Rua Nova, Queimadinha Santa Mônica II, Gabriela, Cordeirópolis, Papagaio, Campo Limpo, Parque Lagoa Subaé, Sítio Mathias, Pedra do Descanso e na Praça da Matriz, unica localidade central de Feira de Santana.

    “Quando morre um policial, tem início uma caça às bruxas. Todo mundo sabia que seria dada uma resposta: ela existe e é a execução. As mortes são uma resposta de força ao tráfico, mas nenhum dos envolvidos desses crimes têm a ver com a morte dos policiais. Existem organizações para matar, grupos com essa finalidade e sabemos que a motivação são as mortes dos policiais”, explica um investigador da Polícia Civil da Bahia à Ponte, com a condição de anonimato.

    Soldado Araújo, morto após tentativa de evitar um assalto | Foto: reprodução

    Comandante da Polícia Militar baiana, o coronel Anselmo Brandão declarou à imprensa que os crimes foram praticados por grupos criminosos que “aproveitaram a oportunidade”. Sobre a possível ligação de policiais nesses crimes, como um suposto revide pela execução do soldado Wagner Silva Araújo, o coronel negou.

    “Eu não quero ser leviano em dizer que esses crimes foram cometidos por qualquer pessoa. Esses crimes têm sido cometidos por grupos criminosos. Eu não afirmo que são policiais, porque na minha tropa não há marginais e se tiver marginais nós vamos buscar as autorias. Nesse instante eu não posso afirmar nada de autoria em relação a esses grupos”, garantiu Brandão.

    Segundo o comandante, casos de mortes de policiais “não podem ser toleradas” e “não é hora de baixar a cabeça, é hora de levantar” em busca de ações “mais repressivas”. “Se as leis fossem mais duras e encarcerassem mais os marginais, com certeza teríamos um quadro completamente diferente”, disse o comandante.

    “Ele [soldado Araújo] estava em lazer e poderia ter se omitido. Mas ele foi para o enfrentamento. Sem estar de serviço, ele colocou em risco a sua vida. Foi muito rápido. Às vezes, somos muito injustiçados na forma como o policial atua. As pessoas pensam que é como um videogame e não é. É uma linha tênue e é preciso tomar decisão. Tanto que ele foi vitimado por um tiro só”, disse o coronel Anselmo Brandão.

    A Ponte entrou em contato com a SSP-BA para solicitar posicionamento pelas duas séries de homicídios, tanto em Feira de Santana quanto em Salvador. Até o momento, a pasta não respondeu aos pedidos.

    Enquanto oficialmente o governador Rui Costa e o secretário da Segurança Pública, Maurício Teles, não se posicionaram sobre as 50 mortes após as execuções de dois policiais militares, a SSP-BA divulgou nota oficial à imprensa questionando números do Atlas da Violência 2018. Elaborado pelo Ipea e o FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), o levantamento colocou quatro cidades do estado entre as mais violentas do país. Para a SSP-BA, o Atlas é “falho e não tem credibilidade”. Contudo, sobre as mortes especificamente, a pasta silenciou.

    A maior parte da morte de policiais no país ocorre nas folgas. Segundo números do FBSP, 453 policiais militares e civis morreram no estado ao longo de 2016, sendo 335 fora do serviço, o que dá 74%, enquanto 118 em ações ostensivas e investigativas. Na Bahia, o total é de 14 membros da força policial mortos, 10 deles em folga (71%). O caso do soldado Araújo se enquadra na lógica de que o PM tem que ser PM 24 horas por dia, explicada pela pesquisadora Samira Bueno, do Fórum.

    “Sabemos que a corporação é capaz de proteger o policial quando ele está de serviço, fardado, com apoio e rádio, mas não consegue garantir fora dessa circunstância. De um lado, tem o imaginário dele ser policial 24 horas, de ser o herói e colocarem na cabeça do cara que ele tem que resolver todos os problemas. E, com os baixos salários, eles são forçados a fazerem bico, sem apoio e desprotegido”, analisa.

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