Festa Literária das Periferias celebra 10 anos: ‘temos que ver nossas histórias contadas por nós’

Flup acontece de forma online e presencial no Rio de Janeiro a partir de sábado (30). Em live da Ponte, pedagoga Daniele Salles falou das conquistas e da importância do projeto

Daniele Salles atua como porta-voz da Festa Literária das Periferias | Foto: Reprodução e arquivo pessoal

Quando as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) foram instaladas em diversas comunidades do Rio de Janeiro, para tratar da segurança pública, uma dupla de produtores culturais decidiu visibilizar uma outra perspectiva nas periferias, ainda pouco incentivada pelo Estado: a literatura. O poeta carioca Ecio Salles e o escritor pernambucano Júlio Ludemir fundaram a Festa Literária das Periferias (Flup) em 2012. Prestes a completar dez anos, o projeto transformou as favelas da cidade do Rio em palco de produções e discussões sobre arte e escrita.

A edição deste ano acontece entre os dias 30/10 e 08/11 de forma online e presencial para celebrar esta trajetória. A pedagoga e mestre em Educação, Daniele Salles, que atua como porta-voz da Flup e é viúva de Ecio Salles, foi a convidada da Academia de Literatura das Ruas deste mês para contar as expectativas para o evento. A live comandada pela editora de relacionamento da Ponte Jessica Santos foi transmitida no nosso Instagram na última quarta-feira (20/10).

Daniele comenta que, desde o início, a Flup ganhou proporções de uma festa literária internacional e que seu grande diferencial está na ação social, que propõe uma formação contínua ao longo do ano. “A Flup não foi criada e nem teve pretensão de ser um lugar de descoberta de talento, celeiro de pessoas habilidosas. Pelo contrário, o talento já existia, tudo já estava posto. A Flup só estava fomentando o que já estava muito presente. Entender a favela como lugar de produção e de consumo de literatura, saindo dessa curva convencional do mercado, era algo que Júlio e o Ecio perseguiam muito”.

Neste trabalho de amplificar as vozes marginalizadas, a iniciativa impulsionou a carreira de poetas, escritores e slammers, passando por comunidades como Morro dos Prazeres, Mangueira, Babilônia e Vidigal. Para Daniele, o projeto se tornou uma missão que seu marido Ecio Salles, vítima de um câncer em 2019, deixou como legado. “Essa passagem de bastão para a mão de uma mulher preta fez a diferença no que a Flup vinha realizando. Hoje, a Flup está uma mulher ousada e muito dona de si”, conta.

No entanto, levar a festa adiante não foi tarefa fácil segundo ela. “A gente vive um momento em que nós temos um cenário muito dispares em relação à literatura e à cultura de modo geral. Temos um governo que deprecia, ataca e que não legitima a importância da literatura e da cultura. Ao mesmo tempo, temos fenômenos como Itamar [Vieria Junior], com o seu Torto Arado.”

Edição 2021 homenageia a palavra falada

A partir de sábado (30/10), a Festa Literária das Periferias abre os trabalhos de apresentações artísticas e debates. Daniele diz que levar grandes artistas às periferias e colocar toda a produção periférica em evidência é fundamental para enfrentar o racismo estrutural. “São exemplos de representatividade para todo aquele pessoal que está na favela achando que não vai poder sonhar com carreira x, y ou z. Temos que ver nossas histórias produzidas, sendo representadas e contadas por nós”.

Daniele lamenta que autores negros e negras, como Conceição Evaristo, não estejam entre as leituras da educação básica: “vejo o quanto a escola nos deve de trazer os nossos heróis e nossas heroínas para dentro da sala de aula. A Flup vem fazendo pontes que de alguma maneira vai encurtar esta caminhada”.

A homenageada da edição deste ano será Esperança Garcia, mulher negra escravizada reconhecida como a primeira advogada do estado do Piauí. A Flup irá lançar o livro Cartas para Esperança, uma produção de 50 mulheres negras que escrevem para outras mulheres negras sobre a esperança, inspiradas na história de vida e de luta por justiça da advogada piauiense. “A Flup é a composição de muitas vozes, braços e muitos corações”, reconhece Daniele.

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Homenageando a poesia slam, o evento vai reunir Roberta Estrela D’Alva, Djamila Ribeiro, Maria Bethânia, Emicida, Elenilda Amaral, Ivonete Amaral, Boaventura de Souza Santos, Coalklan, entre outras personalidades. As inscrições para participar das mesas presenciais da Flup, no Morro da Babilônia, na zona sul do Rio de Janeiro, estão abertas no site do evento, onde também está a programação completa da festa literária, com datas e horários.

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