Gangue de PMs usou sistema de inteligência da polícia para extorquir traficantes

    Justiça determinou prisão preventiva de dez policiais em Sorocaba (SP) por aceitar suborno e liberar suspeitos; conversas no WhatsApp deduraram a prática

    PMs usariam fardas e sistema da corporação para praticar crimes | Foto: Reprodução/Facebook

    Policiais militares de Sorocaba encontraram uma forma de aumentar seus ganhos: extorquir suspeitos e traficantes. A tarefa se baseava em chegar em biqueiras, onde havia a venda de drogas, e ameaçar pessoas suspeitas ou condenados na Justiça com mandados de prisão em aberto. Como se não bastasse, a gangue ainda se apropriava de drogas “apreendidas”.

    As ações aconteciam com base nos sistemas de inteligência da própria corporação. O grupo se dividia em PM de serviço pelo 7º Batalhão de PM do interior e outros de folga. Civis, sem ligação com a segurança pública paulista, também participavam.

    Dois cidadãos comuns contribuíram para desvendar a atuação do grupo. Ambos foram pegos com armas, coletes balísticos e fardas similares aos usados pela PM, o que abriu uma investigação mais detalhada.

    Mensagens no WhatsApp demonstraram ser um caso maior do que apenas civis se passando por policiais. Em seus celulares havia conversas, vídeos e fotos comprovando a ligação de PMs na extorsão.

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    Antes de abordarem as biqueiras, os policiais vigiavam e observavam as bocas de fumo. Utilizaram até rastreador em veículos de forma clandestina. Depois de identificarem seus alvos, acessavam os sistemas para terem informações criminais e ameaçá-los.

    Todas as ações eram feitas de forma extraoficial, sem constar nenhum registro no sistema da corporação. Em alguns casos, aponta a investigação, os registros eram feitos parcialmente, com uma parcela dos objetos encontrados com as pessoas.

    O grupo é composto por pelo menos dez PMs, que tiveram a prisão preventiva expedida pela Justiça. Eles estão presos no Presídio Militar Romão Gomes, na zona norte da cidade de São Paulo. Todos são praças, policiais de baixa patente: seis cabos e quatro soldados.

    Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, há “fortes indícios” de que os PMs cometeram os crimes de associação criminosa, concussão (quando um funcionário público exige vantagens pessoais por meio de sua profissão), prevaricação (deixar de denunciar um crime ao presenciá-lo) e violação de sigilo funcional.

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    Estão presos os policiais Daniel Pires Braatz, José Carlos Correa Filho, Ricardo Cordeiro da Silva, José Luiz Ribeiro Ismerim, Carlos Vaz Júnior, Peterson Rogério Fernandes, Ewerton Luiz Favoretto, Danilo Proença de Melo, Anderson Colonesi e Jonatas Tadeu Caricati.

    “Os militares estaduais e civis utilizavam dos Sistemas Inteligentes da PMESP, viaturas de serviço para apoio em ações, abordagens e consultas de documentos, tudo para identificar infratores, localizá-los e exigir vantagem indevida ou subtrair objetos ilícitos de sua posse”, detalha o juiz militar Ronaldo Roth.

    O magistrado determinou ainda a busca e apreensão na casa dos dez PMs. Também fez o mesmo pedido para outros dois PMs que não estão entre os presos: os cabos Márcio Matrigani e Sandro William Almeida. Há suspeita de que mais três cidadãos sem ligações com a PM participavam do grupo criminoso.

    Base do 7 Batalhão do interior, onde os PMs trabalhavam | Foto: Reprodução/Google Street View

    Segundo o juiz Roth, deixar os policiais em liberdade comprometeria as investigações “uma vez que eles poderão colocar obstáculos à instrução criminal”, sustenta ao determinar suas prisões.

    “Nota-se que o envolvimento de policiais militares nos crimes gravíssimos apurados é incompatível para aqueles que têm o dever de proteger a sociedade, o que causa grave abalo aos princípios de hierarquia e disciplina militares”, defende Roth.

    O tenente-coronel Adilson Paes de Souza explica nunca ter visto uma ação deste tipo em seus anos como policial. No entanto, afirma “não ser raro” a população denunciar situações similares.

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    “Algumas pessoas , que vivem nos bairros, nas periferias, relatam casos de PMs que vão nas bocas de fumo, descem e saem tranquilamente. Vai para buscar dinheiro, há relato de pessoas”, afirma.

    Adilson considera extremamente grave a existência de crimes como os supostamente cometidos pelos policiais de Sorocaba. Para ele, é um caminho para a “falência do sistema”.

    “Contribui para o descrédito na polícia, na sedimentação das organizações criminosas e para a falência do sistema de segurança pública e de Justiça”, resume, citando que, se por um lado há policiais que liberam suspeitos de crimes, por outro há PMs que forjam flagrantes “em outras pessoas para mostrar eficiência do sistema”.

    A extorsão se baseava justamente em sistema da PM. “Precisa verificar quem são as pessoas que tiveram acesso, pesquisar os perfis e, nesse caso, punir exemplarmente e divulgar com transparência à sociedade”, diz o tenente-coronel.

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    Segundo o policial e pesquisador, há formas de aumentar a proteção para o InfroCrim e InfoSeg, nome dos sistemas aos quais os PMs em rua têm acesso.

    “Talvez, desenvolver outra ferramenta no sistema que permita maior controle. De se saber como é o controle do acesso e desenvolver uma medida para tornar mais seletivo e mais controlado”, sugere.

    A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo João Doria (PSDB), sobre a prisão dos PMs.

    Em nota, a secretaria confirmou que os dez policiais estão presos no Romão Gomes desde a quarta-feria (9/9) em ação da Corregedoria da PM.

    “A operação faz parte de ações decorrentes de depuração interna realizada pelo comando dos batalhões, visando à manutenção da transparência, qualidade e legitimidade na prestação de serviços”, afirma a assessoria de imprensa terceirizada da pasta, a InPress.

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