Governo de SP é condenado a pagar R$ 50 mil para família de Laura Vermont

Juiz entendeu que PMs omitiram socorro e mentiram em depoimento, mas que não participaram diretamente do assassinato da jovem trans de 18 anos, em 2015; família vai recorrer de decisão: ‘o Estado também matou minha filha’, diz mãe

Zilda Laurentino, mãe de Laura Vermont, ao lado das fotografias da filha, em 2019 | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

O governo do estado de São Paulo foi condenado a pagar R$ 50 mil de indenização por dano moral aos pais de Laura Vermont, mulher trans de 18 anos brutalmente assassinada em 2015, ao ser espancada por cinco homens e agredida e baleada por policiais militares quando pediu socorro.

Na sentença, que data de abril deste ano, o juiz Kenichi Koyama atendeu parcialmente o pedido da Defensoria Pública, reconhecendo que os PMs Ailton de Jesus e Diego Clemente Mendes, que então atuavam no 39º Batalhão, omitiram socorro, foram negligentes na abordagem e cometeram fraude processual ao mentirem em depoimento, mas que não seriam os responsáveis diretos pela morte da jovem, já que o laudo médico identificou que ela morreu por traumatismo craniano e não por disparo de arma feito por Ailton, que a atingiu no braço.

“Desse modo, embora sensível também à essa parte da pretensão, não vislumbro nexo de causalidade entre a conduta dos policiais militares e o dano material experimentado pelos autores [família], uma vez que decorrem da morte de sua filha, pela qual não respondem os agentes estatais, afastando o dever de indenizar do Estado tanto quanto às despesas despendidas quanto aos lucros cessantes”, escreveu o magistrado.

No pedido de indenização, feito em outubro de 2020 e que cita reportagem da Ponte, a Defensoria solicitava o pagamento mensal de uma pensão no valor de salário mínimo por mês aos pais de Laura até 2062, quando ela completaria 65 anos, e uma indenização de R$ 2 mil para o casal por danos morais. À reportagem, Zilda Laurentino, mãe de Laura, disse que está revoltada com a decisão. “Não tem valor que pague pela vida da minha filha, eu não consigo tê-la de volta, mas o Estado precisa responder pela morte dela. Não tem cabimento uma decisão dessa. O Estado também matou minha filha”, lamentou.

O caso vai completar seis anos em junho, mas a data para o júri popular ainda não foi definida. O julgamento por homicídio doloso (quando há intenção de matar) dos cinco civis réus – Van Basten Bizarrias de Deus, Jefferson Rodrigues Paulo, ambos de 24 anos, Iago Bizarrias de Deus, Wilson de Jesus Marcolino, os dois com 20 anos, e Bruno Rodrigues de Oliveira – foi adiado duas vezes. Primeiro pela ausência de testemunhas, em maio de 2019. Depois, por causa da pandemia, em março do ano passado. Os acusados respondem em liberdade.

Já os policiais militares foram demitidos da corporação em dezembro de 2016, conforme publicação no Diário Oficial do Estado. A Polícia Civil entendeu que os dois não participaram do homicídio.

Leia também: Mesmo com pandemia, Brasil registra recorde de transfeminicídios em 2020

Na época, a Ponte revelou imagens de câmeras de segurança de estabelecimentos comerciais que mostram Laura sendo perseguida e agredida pelos cinco homens quando passava pela avenida Nordestina, Vila Nova Curuça, zona leste de São Paulo. Na versão da polícia, ela se desentendeu com o grupo ao passar por ele. A PM foi chamada para atender a ocorrência. Os policiais Ailton e Diego alegaram que Laura estava extremamente agitada e, sem que os dois militares percebessem, a jovem teria assumido o volante do carro da PM e partiu em alta velocidade, vindo a perder o controle e bater contra o muro de um condomínio poucos metros depois. A família afirma, porém, que Laura não sabia dirigir.

Diego disse que ainda teria se ferido ao tentar pará-la e, quando ela desceu do veículo, Laura continuou a correr pela avenida Nordestina, sendo atingida na cabeça por um ônibus, que não parou. Os PMs não mencionaram o disparo que foi feito contra ela na delegacia e disseram que haviam a socorrido ao hospital, mas a família afirma que os próprios pais a levaram para ter atendimento médico. Laura, porém, chegou sem vida ao hospital.

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Desde então, familiares lutam por justiça. “É pelo o que eu vivo todos os dias”, desabafa Zilda, que conta estar a base de remédios e ter tentado fazer acompanhamento psicológico. “Eu vou levar a perda da minha filha por toda a minha vida, se não fosse o trabalho no pet shop, já teria enlouquecido, mas não vou desistir”.

À Ponte, a Defensoria confirmou que vai recorrer da decisão. “Há farto material probatório indicando que os policiais agrediram Laura e dispararam com uma arma de fogo contra ela, atingindo-a no braço. Além disso, deixaram de prestar socorro a Laura, que foi conduzida ao hospital apenas pela iniciativa da família. Assim, a conduta policial, embora não seja a causa exclusiva da morte de Laura, foi determinante para este resultado. Ao menos não se demonstrou que os agentes públicos fizeram o que estava ao seu alcance para evitá-lo”, declarou Isadora Brandão, coordenadora do Núcleo de Defesa da Diversidade e Igualdade Racial da Defensoria Pública de SP e uma das responsáveis pelo pedido de indenização.

Já a Procuradoria Geral do Estado disse que o caso está em análise.

Reportagem atualizada às 15h02, de 14/05/2021, para incluir posicionamento da Defensoria.

Correções

Reportagem atualizada às 15h02, de 14/5/2021, para incluir resposta da Defensoria.

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