Homem morre baleado por policiais em comunidade na zona norte do RJ

    Enquanto PM afirma que foi recebida a tiros por criminosos, testemunhas dizem que policial responsável admitiu o erro de ter matado morador

    Francisco Laércio e a esposa (à esq.) e as cápsulas de tiros de fuzil disparados pela PMERJ | Foto: Arquivo pessoal

    “Ele era um homem maravilhoso. Fará muita falta”. Assim Arlete Lima define Francisco Laércio Paula, 26 anos. Gerente de um bar na Lapa, centro do Rio de Janeiro, o homem voltava para casa na manhã desse sábado (9/11), quando a Polícia Militar do Rio de Janeiro, comandada pelo governador Wilson Witzel (PSC), o matou em ação da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) de Barreira do Vasco, comunidade localizada em São Cristóvão, zona norte da capital fluminense.

    Era 6h55 da manhã quando Francisco entrou na Rua Santo Antônio. Segundo moradores ouvidos pela Ponte, ele foi atingido por um tiro na cabeça quando estava perto de sua casa. Arlete estava dormindo naquela hora e foi acordada pelos vizinhos, que avisaram que seu marido tinha sido atingido. “Testemunhas me disseram que não teve confronto na hora, então não foi bala perdida nenhuma”, desabafa. O homem era nascido Ipaporanga, no Ceará.

    De acordo com uma testemunha, os policiais chegaram atirando. “Eu vi um menino com arma na cintura correr dos policiais. Ele não atirou, mas os PMs não quiseram nem saber e começaram a dar tiro de [fuzil] 762, atingiram o Francisco na cabeça e seguiram em frente sem socorrer”, disse uma testemunha que viu todo o desenrolar da ação.

    Sob condição de anonimato, ela explica que o próprio policial admitiu ter cometido um erro e entendido o que acabara de fazer. “Eu fui atrás dos PMs e tirei foto deles e pedir para eles socorrerem. Eles seguiram em frente e eu ouvi eles falando entre eles ‘Ih… Matei, matei o cara mané’. O Policial ficou desnorteado”, relembra o morador de Barreira.

    Representante da associação de moradores, Vânia Rodrigues reforça a versão, adicionando ainda que Francisco tentou entrar na casa de uma vizinha para se esconder, mas mesmo assim os policiais atiraram. “Todo mundo sabe quem foi o policial. Moradores, inclusive, ouviram o policial admitir que ele tinha feito merda e matado um morador”, define.

    Para a associação de moradores, desde que o novo comandante da UPP iniciou sua nova gestão, a tranquilidade na comunidade foi abalada. “Ele autoriza os PMs dele a entrar dando tiro, sempre de manha. Nós sempre pedíamos em reunião pra ele não fizesse isso porque tem criança saindo pra escola e morador quase sendo baleado. Ai agora ocorre isso, matam um nordestino que veio tentar a sorte nessa cidade”, afirmou a representante da associação.

    A morte de Francisco mantém a trágica rotina de letalidade policial neste governo de Wilson Witzel (PSC), que assumiu o estado em janeiro de 2019. São, em média, seis operações e uma pessoa morta por dia no estado. Defensor das políticas bélicas do presidente Jair Bolsonaro (PSL) para a crise na segurança pública, Witzel comemorou morte do sequestrador de um ônibus e acumula estatísticas de 30% do total de homicídios do estado terem a polícia como autora.

    Foto tirada por morador de um dos policiais que participou da ação que culminou com um morto | Foto: Arquivo pessoal

    Assim como Francisco, Margareth Teixeira da Costa, 17 anos, que tinha o sonho de ser policial militar, Willian Augusto Silva, 20, que sofria de depressão. A irmã do jovem, Thayná Silva, assistiu a morte do irmão pela televisão. “Liguei para minha mãe e ela teve a confirmação de que era ele naquele ônibus”, relatou à Ponte.

    Além dos caveirões aéreos, helicópteros usados como plataformas de tiros e lançamento de granadas, o governo incluiu em suas ações o uso de snipers, atiradores de elite que disparam a metros ou quilômetros de distância das vítimas. As ações de Witzel geraram reação de parlamentares, como denúncia na ONU, e da população, com crianças pedindo para a Justiça determinar padrões de segurança a serem seguidos pela polícia durante operações.

    A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro disse para a reportagem que, na manhã deste sábado (9/11), “equipes do Grupamento Tático de Polícia de Proximidade realizavam patrulhamento quando foram informados da presença de criminosos armados na Comunidade Barreira do Vasco. Chegando ao local, os policiais foram alvo de disparos de arma de fogo e houve confronto e um morador foi atingido, não resistindo aos ferimentos”, garante a corporação.

    A nota diz ainda a investigação ficará a cargo da DH (Delegacia de Homicídio) da Polícia Civil, em paralelo a um IPM (Inquérito Policial Militar), que investigará as ações dos agentes envolvidos na morte de Francisco. A corporação ignorou o pedido da reportagem pela identificação do comandante da UPP local.

    Neste domingo (10/11), a polícia informou que os policiais do Grupamento Tático de Polícia de Proximidade foram afastados pela Coordenadoria da Polícia Pacificadora. Segundo a tropa, o caso não ocorreu pela morte de Francisco, mas por “desobediência de ordem e descumprimento de missão, ambos crimes militares”, afirma a nova nota. Eles estão presos na UP (Unidade Prisional) da PM.

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