“Não quero entrar nunca mais num lugar como a prisão. Tenho medo de voltar”

    Jonathan conta como foi ser baleado nas costas, perder um rim e ficar 35 dias preso por um crime que diz não ter cometido

    Jonathan abraça a mãe, Irene | Foto: Arquivo Pessoal

    Uma corrida para abraçar a mãe, Irene, e a avó, Osita, marcou a saída de Jonathan de Araújo Souza, 18 anos, do CDP (Centro de Detenção Provisória) II de Guarulhos, na Grande SP. Foram 35 dias preso, sob a acusação de roubo de moto, até receber liberdade provisória.

    “Não quero entrar nunca mais num lugar como aquele, a prisão. Tenho medo de volta pára lá, mas espero que a minha inocência prevaleça”, conta o jovem, à Ponte. “Lá, me apeguei a Deus. Participava dos cultos todos os dias”.

    O vendedor é acusado por PMs de ter roubado uma moto. Preso no dia 9 de julho, em Cidade Ademar (zona sul de São Paulo), ele foi baleado nas costas, perdeu o rim esquerdo e parte do intestino pelos danos do tiro. Seu reconhecimento foi feito por um dos policiais através de foto.

    Decisão do juiz José Roberto Cabral Longaretti, da 13ª Vara Criminal da Barra Funda, determinou a liberdade provisória do jovem. Anteriormente, a Justiça havia negado um pedido de habeas corpus. Ele agora vai responder à acusação em liberdade.

    Segundo o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), há indícios de que Jonathan é inocente e foi confundido com o real suspeito do crime. Além disso, relatório do órgão aponta para a possibilidade dele “ter sido vítima de abusos, ilegalidades e até de crimes cometidos por policiais militares no exercício de suas funções”.

    “Agora, só quero cuidar do meu filho”, diz a mãe, Irene Araújo, aliviada. “Foi uma maravilha poder levá-lo para casa. Agora, vou marcar médico para ele ver os pontos inflamados da cirurgia. Era para ele ter tirado todos, mas o PS [pronto-socorro] do CDP não tinha estrutura para cuidar”, aponta Irene. Foram 36 pontos para a retirada do rim e mais dois pelo disparo.

    Os PMs Carlos Henrique Fogaça Mattos, de 29 anos, e Roberto Santos de Almeida, 44, envolvidos na ação, foram afastados do serviço nas ruas e estão atuando em questões administrativas da corporação, recebendo os mesmos salários. Mattos foi quem identificou o jovem no hospital através de uma fotografia.

    Confira abaixo relato de Jonathan, desde o dia da prisão até ser solto, na quarta-feira (23/8).

    Jonathan (à esq.) com amigos e familiares em seu retorno para casa em Cidade Ademar | | Foto: Arquivo Pessoal

    Dia da prisão

    Lembro que era um dia de muito sol. Dormi na casa da minha namorada e, quando acordei, fui para a minha casa, por volta de meio-dia. Tomei café com minha família e, depois de um tempo, liguei para um amigo e fui para a frente da casa dele.

    Peguei a minha moto, uma XRE 300, vermelha, desci para ficar lá conversando. Somos bastante amigos e eu da família dele. Passou um tempo, resolvi dar uma volta com a moto. Fazia um mês que estava com ela, é aquilo: toda hora você quer andar por causa da empolgação de algo novo seu.

    Estava subindo a rua desse meu amigo, que é uma avenida extensa. Passou uma moto branca bem rápida. Eu continuei. Na rua, tem uma rotatória e, do lado, um beco, uma viela de frente. Só vi o cara da moto branca pular da moto e sair correndo. Eu segui meu caminho e, quando entrei na rotatória de costas para a viela, escutei um monte de disparos e, depois, dois mais próximos. O primeiro acho que foi o que pegou na minha moto e o outro que me acertou. Ali, não tinha percebido que tinha sido baleado, só senti uma queimação.

    Jonathan abraça a avó, Osita | Foto: Arquivo Pessoal

    Quando estava voltando para a casa do meu amigo que percebi. Cheguei quase desmaiando. Ele disse agora, quando fui solto, que eu estava com cara de dor e brincou dizendo que tinha caído, mas nem lembro. Só lembro de dizer que achava que tinha tomado um tiro, ele não acreditando e, depois de olhar, minhas costas, se desesperar. Foi quando chamou o pai, me colocaram no carro e fomos para o hospital. No meio do caminho, ainda fomos abordados e ficamos um tempo até a Polícia Militar decidir o que ia fazer. Aí nos escoltaram até o hospital, uma viatura na frente e outra atrás. Só lembro de entrar no hospital, um policial pegar os meus documentos, os da moto e o meu celular.

    Daí pra frente, acordei na cama com um PM do meu lado dizendo que eu estava preso. Foi quando me desesperei. Minha mãe estava do lado, me tranquilizou, dizendo que ia para casa para me acalmar. Mas, depois, fui para a delegacia e ali bateu o desespero. Pensava que nunca mais ia sair de lá, não conseguiria provar que não tinha feito nada. Foi difícil.”

    ‘Os presos me ajudaram demais’

    Nos dois primeiros dias que fiquei, passei muito mal. Cheguei sem dor, mas depois do primeiro cochilo, acordei mal. Lá a gente não dorme, tem muita dificuldade. Quando acordei, sentir dor demais e desmaiei. Quando abri o olho de novo, estava no colo de um preso desesperado chamando por ajuda para me levarem ao pronto-socorro do CDP.

    Os presos me ajudaram demais. Não fossem eles, teria encarado mais dificuldade. Eles não fumavam na cela para não fazer fumaça e me prejudicar. Se privaram de coisas para me ajudar. No banho de sol, às vezes deixaram de jogar futebol ou, então, ficavam na minha frente para a bola não bater em mim. Vomitei demais lá dentro, porque o PS não tinha medicamentos que eu precisava. Não fosse eles, não sei como seria.

    Lá dentro, ia para os cultos todos os dias, lia a Bíblia, escrevia cartas. Não mandava, que demora 15 dias, é burocrático, mas recebi de minha mãe, tia e primas. É mais fácil chegar do que sair.

    Liberdade

    Não consigo descrever até agora a sensação que estou sentindo. Desde o abraço na minha mãe, ver minha avó, amigos, família, é como se estivesse vivendo a primeira vez de tudo. Uma das primeiras coisas que fiz foi tomar um banho quente, que na prisão não tem. Só de acordar e ver meu teto, da minha casa, dá um alívio…

    Agora, só quero terminar o que estava fazendo: voltar a trabalhar na loja de roupas em que trabalhava antes de tudo acontecer. Não sei como será. Meu chefe me conhece desde a escola, é meu amigo, sabe da minha índole e que não fiz aquilo. Espero convencê-lo a me dar outra chance. Meu sonho é fazer a faculdade, quero cursar educação física para dar aula em escola pública. Vou alcançar meu sonho. Se pudesse ver os policiais de novo, eu queria perguntar a eles o porque de terem feito eu passar por tudo isso.”

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude
    1 Comentário
    Mais antigo
    Mais recente Mais votado
    Inline Feedbacks
    Ver todos os comentários
    trackback

    […] caso de Jonathan de Araújo Souza resultou em condenação na Justiça, mesmo após reportagem da Ponte garantir uma […]

    mais lidas