Justiça absolve motorista condenado por roubo cometido a 30 km de onde ele estava

    Desembargador considera Cláudio Eduardo Rocha, condenado e preso desde setembro de 2019, inocente; passados 10 dias da decisão, ele ainda não foi solto

    Mesmo com provas de sua inocência, Cláudio ficou preso por 11 meses | Foto Arquivo/Ponte

    Desde setembro de 2019, Cláudio Eduardo Leandro Rocha está preso na Penitenciária de Potim, no interior de São Paulo. Mesmo com provas da sua inocência, foi condenado por roubo. Somente 11 meses depois, a Justiça do Estado de São Paulo determinou sua absolvição. A decisão é do dia 1º de agosto e, até agora, ele não foi solto.

    Cláudio foi condenado a 9 anos e 26 dias de prisão por ter, segundo o Ministério Público, roubado uma igreja às 8h do dia 16 de julho de 2019, em São Miguel, zona leste da cidade de São Paulo. A Justiça considerou as alegações do MP suficientes e até mesmo mais fortes do que provas levadas pela defesa do motorista, que o colocavam a 30 quilômetros do local no horário em que o crime foi cometido.

    A família transformou a pura alegria com a absolvição, na semana passada, em revolta pela demora em liberá-lo. Sabrina Moura de Oliveira, 24 anos, companheira de Cláudio, comemorou a decisão inicial, mas se frustrou ao ir nesta terça-feira (11/8) até Potim, a 167 quilômetros de onde mora, na capital paulista, e não rever o marido.

    Segundo a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), Cláudio não foi libertado, pois funcionários da unidade de Potim 1 ainda analisavam no sistema se havia algum outro processo pendente que impediria a soltura do homem. O procedimento demorou tanto que, mesmo o alvará de soltura tendo chegado na segunda-feira (10/8) na unidade, a liberação não aconteceu até o fim da tarde de terça.

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    Sabrina voltará ao local nesta quarta-feira para, caso dê tudo certo, reencontrar Cláudio. A união dos dois é tamanha que estavam juntos no dia do roubo que a Justiça, inicialmente, considerou que o homem cometera: ambos foram à Defensoria Pública no dia e horário do assalto à igreja.

    Imagens de câmera de segurança e documentos enviados pela defesa à Justiça comprovam a presença do homem na sede da Defensoria Pública paulista. Sua entrada se dá às 7h58, junto de sua companheira. A saída é às 9h19, conforme os registros.

    Instante em que Cláudio e Sabrina, às 7h58, entram na Defensoria | Foto: Reprodução

    Na época, dois homens entraram em uma igreja, renderam o pastor e seu ajudante e levaram R$ 4 mil em dinheiro e R$ 1.080 em cheque. Eles usavam um veículo Fiat Palio vermelho. Cláudio usava o carro da irmã, de mesmo modelo, mas de cor preta.

    O desembargador Fábio Poças Leitão analisou o pedido da defesa e discordou da juíza Tamara Priscila Tocci, responsável pela sentença. O magistrado argumentou não haver nenhum elemento no processo capaz de ligar Cláudio ao crime.

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    “É que não há nos autos prova concreta e definitiva de que Claudio tenha efetivamente participado do delito”, argumenta o desembargador, em seu texto, considerando o álibi apresentado pela defesa como “devidamente comprovado”.

    “O carro utilizado no dia do delito tratava-se de um Palio vermelho, de propriedade do corréu David, onde verifica-se o corréu Rodrigo descendo de tal veículo pouco antes do fato, e não o Palio preto, este sim de propriedade de Cláudio”, sustenta.

    Imagem da saída de Cláudio e Sabrina | Foto: Reprodução

    Baseado nas imagens de segurança colhidas na Defensoria, bem como imagens dos homens que roubaram a igreja, Poças Leitão inocentou Cláudio. Antes do crime, imagens mostraram os homens chegando ao local de boné. Nos vídeos da Defensoria, era possível verificar que o corte de cabelo usado por Cláudio não batia com o mesmo corte do suspeito que aparece nas imagens gravadas perto da igreja.

    A inocência do homem já havia sido indicada pelo Ministério Público. No dia 27 de janeiro, a procuradora de Justiça Jaqueline Mara Lorenzetti Martinelli pediu a absolvição de Cláudio por considerar as imagens de câmera de segurança provas fortes o suficiente para livrá-lo da acusação.

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    “Claramente se pode confirmar que o réu Cláudio ali esteve presente no mesmo dia e horário do delito, reforçando a prova de seu álibi já indicada”, analisa Martinelli.

    O advogado de Cláudio, Paulo Evângelos Loukantopoulos, considerou a sentença “equilibrada, nada mais justo do que isso”. Agora, sua missão é tirar o motorista da cadeia.

    Imagens dos suspeitos, com identificação de Cláudio sendo o de boné vermelho | Foto: Reprodução

    O alvará de soltura do homem saiu apenas nove dias depois da decisão expedida pelo TJ. A demora revoltou a defesa do motorista.

    “É bizarro [ainda não ter saído]. Estamos fazendo audiências pelo celular [durante a pandemia], ela precisa determinar a liberdade e assinar digitalmente”, explica o defensor, que entrou na sexta-feira (7/8) com pedido de urgência para a liberação do homem. O alvará de soltura saiu somente nesta segunda-feira (10/8), ainda sem garantir a liberdade para Cláudio.

    Comparação do suspeito com corte de cabelo de Cláudio, enviado pela defesa para mostrar diferença | Foto: Reprodução

    Depois que Cláudio estiver novamente em casa com a companheira Sabrina e seus três filhos, o próximo passo será pedir indenização ao Estado. Afinal, ele passou 11 meses dentro de uma prisão por um crime que não cometeu.

    “Os juízes dizem que quando a vítima pede dano moral quer se aproveitar do caso. Vamos pedir um dano moral, sim”, afirma, citando casos nos Estados Unidos em que são dadas indenizações de U$S 1 milhão em situações de erros judiciais.

    “Só que aqui no Brasil existe um raciocínio diferente dos EUA. Lá, levou um tapa irregular, pode pedir R$ 1 milhão. Aqui, se você pede R$ 1 milhão o juiz dá R$ 20 mil, R$ 30 mil e para ele está bom”, afirma.

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    O tempo na prisão comprometeu a renda da família. Sabrina e Cláudio tinham uma adega e, sem ele para trabalhar, o período de funcionamento diminuiu. Com a pandemia de coronavírus, a situação, já grave, piorou ainda mais.

    “O Cláudio foi tirado de circulação na sociedade e sua vida foi destruída. Ele ficou preso, a família passou necessidade financeira. Teve uma série de reflexos. A pessoa perde moral, mesmo sendo inocente. Como vai apagar isso da sua vida?”, questiona Loukantopoulos.

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