Juíza acolheu pedido do Ministério Público, que entendeu não existir provas de que ativistas distribuíram seringas e cachimbos “para incentivar consumo de drogas” na região da Luz, no centro da cidade de SP
O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou, nesta sexta-feira (14/1), o arquivamento do inquérito sobre a atuação de ativistas na região da Luz, conhecida pejorativamente como “Cracolândia”, no centro da capital paulista.
A investigação foi aberta pelo Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico), da Polícia Civil, após um dos fundadores do MBL (Movimento Brasil Livre), o vereador Rubens Nunes (PSL), fazer uma representação criminal, em setembro de 2020, para apurar os crimes de apologia ao crime e indução ao uso indevido de droga contra a A Craco Resiste, coletivo que denuncia violência policial no território desde 2017, e o psiquiatra e palhaço Flavio Falcone.
A juíza Adriana Barrea, do Foro Central Criminal da Barra Funda, acolheu o entendimento do Ministério Público, que havia pedido o arquivamento ao entender que não existiam provas de que os investigados tenham distribuído seringas e cachimbos com o intuito de induzir, instigar ou auxiliar o consumo de drogas ilícitas. A promotora Alexandra Milaré Toledo Santos também havia argumentado que há decreto estadual que regulamenta a distribuição de seringas descartáveis a usuários de drogas, ou seja, uma política pública. “Segundo consta nos autos, todos eles realizavam trabalho voluntário na região da Cracolândia e integravam diversos projetos sociais com o fim de trazer dignidade aos usuários de entorpecentes”, escreveu Santos.
Para o médico, que atua no território da Luz desde 2012, a notícia foi recebida com “alívio”. “Ficou comprovado que não fizemos nada de errado e que o inquérito era completamente inconsistente”, pontuou Falcone. Atualmente, ele integra o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes, ligado ao Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, e desenvolve um trabalho chamado Teto, Trampo e Tratamento na região.
Durante a campanha eleitoral de 2020, em vídeo e postagem no Twitter, Rubens Nunes, que disputava uma cadeira na Câmara Municipal, alegava que o coletivo se tratava de uma “ONG que distribuía cachimbo na Cracolândia”. E usou prints de publicações das redes sociais d’A Craco Resiste que tratava sobre defesa de direitos humanos e a abordagem de redução de danos como meio para tratar dependência química. Na época, ele declarou à reportagem que não concordava com esse tipo de política pública.
De acordo com o relatório de investigação do Denarc, o delegado Claudio Henrique de Assis Lopes apontou que os ativistas Roberta Costa, Marcos Maia e Raphael Escobar e o psiquiatra e palhaço Flavio Falcone foram identificados por redes sociais e que nenhum CNPJ foi encontrado em relação a eles. Lopes pediu informações à Secretaria Municipal da Fazenda sobre repasses públicos aos quatro ou qualquer instituições que poderiam estar vinculadas ao grupo. O único resultado foi Raphael aparecer como credor por ter atuado como agente de prevenção junto à Secretaria Municipal da Saúde, atividade que de fato exerceu entre 2016 e 2017. Ele também não indiciou ninguém.
Em setembro do ano passado, um protesto contra a investigação foi realizado na Praça Princesa Isabel, na região central, e um grupo de advogados, incluindo sete membros do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), chegou a pedir o trancamento do inquérito, o que foi negado pelo tribunal paulista na época.
Para a antropóloga e integrante do coletivo Roberta Costa, a investigação foi uma “perseguição política” e um modo do parlamentar angariar votos na época. “A gente estava sofrendo uma perseguição política absurdamente bizarra, não tem nenhum tipo de cabimento essa denúncia eleitoreira do MBL, é um desrespeito ao debate do território.”
Ela destaca que o pedido de investigação se deu também como uma forma de inibir as denúncias de violência policial que A Craco Resiste vem fazendo, a mais recente uma série de vídeos sobre ações abusivas da GCM no ano passado, e que fez o Tribunal de Justiça de São Paulo reiterar à Prefeitura que os guardas não atuem com truculência. “A distribuição de seringas é uma política de redução de danos, o Ministério da Saúde já financiou esse tipo de prática, não teria problema nenhum se a gente fizesse esse tipo de distribuição, mas a gente não faz porque a gente não tem financiamento e esse tipo de denúncia é motivo de gasto de tempo, de desperdício de dinheiro público e a gente sabe que o gasto com polícia nesse território é absurdo, nosso dossiê mostra isso.”