Justiça manda soltar Matheus, preso após protesto contra Bolsonaro

Matheus Machado Xavier foi preso 3 de julho por estar com capacete de segurança de estação do Metrô no centro de SP. Amigos, familiares e ativistas fizeram campanha nas redes sociais pela soltura do rapaz; juiz determinou liberdade provisória e jovem terá de responder por furto e lesão corporal

O tatuador Matheus Machado xavier, preso desde 3 de julho após protesto contra Bolsonaro | Foto: Reprodução

O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou, nesta terça-feira (13/7), a liberdade provisória do tatuador Matheus Machado Xavier, 25 anos. Ele foi preso em 3 de julho por estar com o capacete de um dos seguranças da estação Higienópolis-Mackenzie, do Metrô, durante um protesto contra o presidente Jair Bolsonaro no centro de São Paulo. Matheus disse que achou o capacete na rua, após um confronto entre seguranças e manifestantes ocorrido a um quilômetro dali, diante da estação, por volta das 20h. O Ministério Público acusa o jovem de ter agredido um dos seguranças para furtar o capacete.

O juiz José Paulo Camargo Magano, da 11ª Vara Criminal do Foro da Barra Funda, considerou que Matheus comprovou ter endereço fixo e trabalho, que não há “indícios de que ele coloque a ordem pública ou a instrução processual em risco”, além de que o Ministério Público se manifestou de forma favorável à liberdade do rapaz. Por outro lado, o magistrado aceitou a denúncia por furto e lesão corporal. Por isso, o tatuador terá de cumprir medidas cautelares enquanto responde ao processo: comparecimento trimestral em juízo para informar e justificar suas atividades, não se ausentar da cidade sem autorização e permanecer em casa após as 19h e nos dias de folga. Ainda não foi expedido alvará de soltura do jovem, que pode deixar o CDP (Centro de Detenção Provisória) de Pinheiros entre esta terça-feira e quarta-feira (14/7).

Durante os 10 dias em que esteve preso, primeiro no 77 DP (Santa Cecília) e depois transferido ao CDP, familiares, amigos e ativistas espalham nas redes mensagens pedindo a libertação do jovem. Diversos grupos, como o Movimento Passe Livre, a Agenda Nacional pelo Desencarceramento se manifestaram, e a Rede de Resistência e Proteção ao Genocídio chegou a realizar um ato em frente à delegacia para onde ele havia sido conduzido. A hashtag #LiberdadeparaMatheus foi usada em postagens em redes sociais.

À Ponte, no domingo (11/7), a mãe do tatuador, a a bancária Patrícia Machado, 60, mãe de Matheus, comparou a detenção de seu filho com a de outro militante, Rodrigo Pilha, também preso após um protesto contra o governo federal, no dia 18 de março, em Brasília (DF). “O país está vivendo uma forma de ditadura”, afirma.

A namorada de Matheus, a estudante de geografia Edilene Lima, 23, afirmou que o tatuador é vítima de “perseguição”, uma vez que já havia sido detido em um outro protesto, há cinco anos. “Em um outro ato, em 2016, o Matheus estava fazendo ação direta e, no momento, a polícia forjou a prisão dele [segundo a polícia, ele portava explosivos, o que foi rechaçado após vídeo dos Jornalistas Livres mostrar que ele não portava tais materiais]. Nisso, ele foi absolvido e a polícia desmoralizada. A polícia tem esse ressentimento dele por conta desse caso. O Matheus já é uma figura marcada pela polícia”, afirma. “Não tem lógica nenhuma a pessoa pegar um objeto no chão e ser acusada de furto”, disse.

As acusações contra Matheus

O tatuador foi preso policiais militares por volta das 21h40, na Rua Major Sertório, na Vila Buarque, com um capacete de um segurança da Via 4 (Linha Amarela) do Metrô. Matheus disse que achou o capacete na rua, após um confronto entre seguranças e manifestantes ocorrido a um quilômetro dali, diante da estação Higienópolis-Mackenzie, por volta das 20h. O Ministério Público acusa o jovem de ter agredido um dos seguranças para furtar o capacete.

Leia também: ‘Não há distinção entre presos políticos e comuns’, diz Luka Franca, do MNU

Contudo, um vídeo, incluído no processo judicial pela Defensoria Pública, mostra que um dos seguranças perdeu o capacete após tropeçar no meio-fio. “Através de vídeo gravado por manifestantes (…), é possível ver o capacete rolando para o meio da multidão, notando-se que a pessoa (não identificada) que teria gerado a queda do segurança nem mesmo faz menção de se importar com o capacete, no momento dos fatos”, afirmam os defensores Diego Rezende Polachini, Luis Fernando Vilas Boas Bonachela e Pedro Ribeiro Agustoni Feilke, no pedido de habeas corpus para Matheus.

Um outro vídeo, obtido pela Ponte, mostra Matheus comemorando com o capacete do Metrô na cabeça, na Rua da Consolação.

No 2º DP (Bom Retiro), para onde Matheus foi levado, um segurança o reconheceu e disse que o tatuador teria golpeado sua cabeça com um caibro de madeira e levado seu capacete. Um outro segurança também reconheceu o tatuador como um jovem que teria agredido seu colega, não sabendo “precisar se era [com] um pau ou um cano”.

Segundo os defensores públicos, “a absoluta certeza do reconhecimento causa grande estranheza”, pois “todos os manifestantes usavam máscara e a grande maioria estava de preto e capuz”. Para evidenciar que o confronto foi um momento de “confusão generalizada”, a Defensoria menciona uma reportagem da Ponte que relata agressões cometidas pelos seguranças do Metrô contra jornalistas.

Segundo o próprio Matheus disse em depoimento, ele passava pelo local e pegou o capacete no chão. De acordo com o relato do tatuador, sua vontade era levar o “objeto para casa”. O jovem, no entanto, nega que tenha participado de agressões. Ainda em seu depoimento, afirmou que o segurança que disse ter sido vítima teria combinado a versão com policiais militares.

Prisão “absurda e absolutamente arbitrária”

O promotor de justiça Sérgio de Assis apoiou a conversão da prisão em flagrante de Matheus em preventiva (sem prazo), afirmando que “filmagens referidas pela autoridade policial e os depoimentos dos agentes de segurança informam atuação de grupo denominado Black Bloc, notoriamente envolvido com a prática de crimes graves em meio a manifestações de cidadãos ordeiros e pacíficos”.

Ouvido pela Ponte, o professor de relações internacionais Acácio Augusto, coordenador do LASInTec (Laboratório de Análise em Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), afirma que o promotor atribuiu a Matheus uma ligação com um grupo que não existe. “Essa afirmação do promotor é ao mesmo tempo completamente deslocada, absurda, estereotipada, caricata, mas é também absolutamente comum, que é o que se fala toda vez que se tem uma ação dessa numa manifestação”, afirma. Acácio, um estudioso do tema, afirma que black bloc não é um movimento, mas um conjunto de táticas, que pode ser adotado por diferentes organizações. “Não existe um grupo chamado black bloc. Essa tática de manifestação não pratica crimes graves, atua dentro da manifestação”, afirma. Para o professor, Matheus está sendo mantido preso “contra uma série de preceitos democráticos constitucionais porque simplesmente se convencionou que ele é desse grupo imaginário do promotor, chamado black bloc”.

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A pedido da Ponte, o advogado criminalista Renan Bohus Costa analisou o processo contra Matheus e considerou sua prisão “absurda e absolutamente arbitrária”. Segundo o criminalista, ainda que Matheus viesse a ser condenado, como os crimes pelos quais é acusado têm penas que poderiam resultar chegar no máximo a 5 anos e ele não tem antecedentes criminais, dificilmente seria condenado a uma pena em regime fechado. “Se for condenado, a pena deve ser substituída por medidas diversas, por exemplo serviço comunitário. Logo, a prisão preventiva é muito mais gravosa que a proposta pena”, aponta. “O rapaz apenas pegou um capacete e em nenhum momento atentou contra a vida de qualquer pessoa.”

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