Justiça recorre a audiências pela internet, sob críticas de defensores

    Por causa do coronavírus, Conselho Nacional de Justiça autorizou a realização de audiências pela internet; para advogados, formato prejudica a defesa dos réus

    TJ de São Paulo detalhou que júris populares estão fora da retomada | Foto: Divulgação

    A Justiça brasileira saiu parcialmente da quarentena nesta semana, com a retomada do trâmite normal para os processos que correm na Justiça de forma digitalizada, iniciada em 4 de maio. Isso significa que os prazos para acusações, defesas, questionamentos de sentenças e decisões passem a contar normalmente, apesar da pandemia de Covid-19 e do isolamento social. No entanto, entidades que protegem o direito de defesa criticam a decisão e afirmam que é inconstitucional.

    A retomada dos prazos processuais teve como base a resolução 314 do CNJ (Conselho Nacioanl de Justiça), que altera texto anterior sobre a pandemia, de 19 de março, e praticamente faz a Justiça voltar ao seu transcorrer normal. A decisão, assinada por Dias Toffoli, presidente do CNJ e do STF (Supremo Tribunal Federal), define que somente os processos físicos ficam fora da retomada de prazos.

    Julgamentos do tribunal do júri, para homicídios dolosos (com intenção), contudo, ainda continuam suspensos, como explicou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a pedido da Ponte (o CNJ não respondeu aos pedidos de entrevista).

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    A resolução do CNJ prevê que tudo será feito pela internet, sem necessidade de encontros presenciais. Vale para a sustentação de um advogado, a acusação do Ministério Público ou a sentença proferida por um juiz. Há, contudo, a necessidade de todos os envolvidos concordarem com tal formato. Assim, a Justiça voltará a realizar audiências, desde que virtuais.

    Anteriormente, estavam disponíveis apenas certos tipos de pedidos no plantão extraordinário da Justiça, como habeas corpus e mandado de segurança; medidas liminares; comunicação de prisão em flagrante, pedido de liberdade provisória e medidas cautelares; pedido de busca e apreensão; e, entre as últimas listadas, pedido de progressão de pena e regressão de regime prisional.

    Cada integrante da Justiça será responsável pelo seu próprio acesso às audiências e julgamentos. O documento afirma o mesmo sobre as testemunhas, de defesa ou acusação, com participação garantida pelo Ministério Público ou pela defesa.

    As audiências virtuais também serão realizadas com pessoas presas. Agendadas, elas funcionarão com a mesma obrigação de todas as partes serem responsáveis por suas conexões e participações. Ainda que haja a confirmação, parte dos defensores questiona a forma com que os procedimentos serão feitos.

    Para o presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Hugo Leonardo, a decisão é prejudicial para os advogados. Sem as participações presenciais, ele sustenta, os argumentos para garantir a defesa dos réus perdem peso.

    “Muitos casos que estão sendo pautados com isso [as audiências virtuais] não estão nem perto de ocorrer a prescrição. Todos nós sabemos que, nesse momento de pandemia, se perde uma série de questões da defesa, com despacho, sustentação em tempo real… A presença é absolutamente indispensável”, sustenta.

    Para o presidente da entidade, o Conselho errou ao optar pelas audiências não presenciais. “O CNJ fez uma escolha a partir da importância da burocracia ou simplesmente de dar viabilidade burocrática e perdeu de vista casos urgente por natureza”, critica Hugo.

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    “Não vi nenhuma situação de casos de réus presos, por exemplo. Não vi situação envolvendo atendimento médico de urgência, pessoas idosas. São problemas e o CNJ deveria se colocar a partir de situações de importância para as pessoas, e não exclusivamente para a máquina judiciária rodar”, afirma.

    A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, por meio do Núcleo Especializado em Situação Carcerária, também se posicionou contra a proposta de audiências virtuais, que classificou como “inconstitucional e ilegal, ao menos no que toca aos processos criminais”.

    “Não é cabível que um mero comunicado substitua a função legislativa e traga procedimento não tratado legalmente”, sustenta o Núcleo, mencionando que não está garantida a entrevista somente entre réu e defensor antes da audiência. De acordo com a resolução, isso será feito quando somente os dois estiverem presentes na conversa online, sem juiz e acusação.

    “Ocorre que a audiência em ambiente virtual, como proposto pela Corregedoria Geral de Justiça, não garante essa comunicação reservada com a garantia do necessário sigilo sobre ela, tendo em vista que a ferramenta sequer conta com a possibilidade de o/a defensor/a público/a certificar-se de que ninguém acessará esta comunicação durante sua entrevista”, pontua o documento.

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    Além do TJ-SP e do CNJ, a Ponte questionou o Ministério Público de São Paulo sobre a retomada dos prazos processuais, mas a assessoria de imprensa do órgão não se posicionou até a publicação desta reportagem.

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