Após a anulação da sentença de GCM e de ex-policial, novo tribunal do júri terá início nesta segunda (22). “Cada dia que passa nós revivemos, parece que foi ontem que mataram meu filho”, diz dona Zilda, mãe de Fernando Luiz de Paula, morto aos 34 anos
“Eu tinha acabado de chegar do trabalho, quando a avó da mulher dele ligou na minha casa. Eu fiquei em choque sem saber se tinha acontecido mesmo, nessa hora eu saí correndo para o Jardim Helena. Quando eu cheguei próxima a igreja, ele já tinha ido embora. O corpo dele foi retirado depois, na tarde do dia seguinte. Muita gente morreu, cada gaveta iam dois corpos, ele não tinha lugar para ir, foi no chão do carro do IML [Instituto Médico Legal]”. A lembrança contada neste sábado (20/2) Maria José de Lima Silva, 55 anos, empregada doméstica, avó e mãe de Rodrigo Lima da Silva, faz parte de seu dia a dia.
Os olhos marejados também são parte de um cotidiano de dor e revolta de uma mãe que teve seu filho de 16 anos executado quando tinha saído para tomar um sorvete. O crime deixou 23 mortos nas cidades de Osasco, Carapicuíba e Barueri, na Grande São Paulo, em agosto de 2015, sendo seis vítimas no dia 8 e 17 vítimas na noite de 13 de agosto.
Dona Maria é uma das mães que estava presente no centro de Osasco na tarde deste sábado, onde aconteceu uma manifestação realizada com o apoio da Associação Amparar, do Centro Acadêmico 13 de Agosto e da organização Geledés.
O protesto fez homenagens e cobrou justiça do poder público: o ex-PM Victor Cristilder Silva Santos e o Guarda Civil Municipal (GCM) de Barueri Sérgio Manhanhã tiveram suas sentenças anuladas pelo Tribunal de Justiça de SP e vão retornar ao tribunal do júri nesta segunda-feira (22). Os ex-PMs Fabrício Eleutério e Thiago Henklain foram condenados em setembro de 2017 a cumprir 255 anos, 7 meses e 10 dias; e a 247 anos, 7 meses e 10 dias de prisão, respectivamente. Todos os quatro pemanecem presos em regime fechado.
Próximo à estação Osasco da CPTM foram levantadas duas faixas. Uma delas dizia: “5 anos da chacina de Osasco e Barueri. Exigimos justiça para os assassinados em 13 de agosto de 2015. Vidas negras importam”.
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A outra trazia fotos de 11 homens executados, com os respectivos nomes e a frase: “Sem justiça não haverá paz”. O som das falas dos participantes, amplificadas pela caixa de som, chamavam a atenção de cidadãos que circulavam no polo comercial e tentavam entender o que acontecia na pequena concentração de cerca de 30 pessoas.
Ao longo da manifestação algumas viaturas da Guarda Civil Municipal circulavam próximas ao grupo que protestava.
“Mudou tudo, a minha vida virou de ponta cabeça. Hoje eu olho para o Estado de maneira diferente. Esperamos mudar alguma coisa com esse movimento. Meu filho era o meu braço direito. Passei por muita coisa, que só Deus sabe”, contou Rosa Francisca Correa, 53 anos, doméstica e mãe de Wilker Thiago Correa, assassinado aos 29 anos.
Zilda Maria de Paula, de 68 anos, mãe de Fernando Luís de Paula, lembrou da violência cotidiana que atinge jovens negros das periferias. “Todo dia vemos os meninos negros morrendo, o Brasil é um país que mata, é zona leste, é zona sul, é Rio de Janeiro e norte. Temos um governo federal que não está nem aí para a pandemia e está liberando armas para acabar de matar as pessoas negras, pobres e da periferia”.
Para ela, a luta das mães é o que lhe traz forças para seguir. “Queremos justiça e todo mundo sabe. Não é fácil, eu tinha um filho único e tiraram ele de mim, nem tive chances de ser avó. Ajudar as mães é o que me fortalece. Não queremos que aconteça mais isso, são cinco anos que vivemos isso, cada dia que passa nós revivemos, parece que foi ontem que mataram meu filho”, disse no microfone.
Segundo a representante da Marcha de Mulheres Negras de São Paulo, Simone Cristina Teixeira dos Anjos, 36 anos, o crime de Osasco tomou uma dimensão política devido a sua magnitude. “Os crimes que acontecem nas periferias de São Paulo também acontecem aqui, mas a imprensa local não cobre os problemas da periferia e a chacina trouxe uma visibilidade para a luta política das mães, a luta de viver diariamente nas periferias de Osasco, encabeçada pela dona Zilda que bravamente coordena esse movimento”.
A jovem moradora da periferia de Osasco ainda expõe as contradições sociais da cidade. “Hoje somos a oitava cidade mais rica do Brasil e a segunda do estado de São Paulo, mas temos 15 mil famílias que ganham até R$89 por pessoa. Nós temos mulheres chefes de famílias de até cinco pessoas que ganham R$ 450 por mês”.
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Revoltada, Aparecida Gomes da Silva Assunção, 59 anos, mãe de Leandro Pereira Assunção, assassinado aos 36 anos, questionou a periculosidade dos agentes policiais que serão julgados, caso voltem às ruas. “Meu filho, deixou três filhos e agora meus netos querem o pai. Ele estava vindo do serviço e passou no bar do Juvenal para tomar uma cerveja, mal entrou no bar, sentou e nem a cerveja tomou, foi alvejado. Agora eles [policiais] não querem pagar pelo crime que fizeram? É muito fácil matar 23 pessoas e sair impune, isso não é justo para as famílias. Agora eles querem ir para a rua? Matar mais gente, porque tem uma índole criminosa. Eles têm que pagar!”.
A manifestação que durou cerca de duas horas deverá continuar nos próximos dias em frente ao Fórum de Osasco.
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