Mães de Maio cobram Ministério Público por Crimes de 2006 e declaração de promotora que caluniou movimento

Movimento jogou tinta vermelha na calçada em frente à sede do MP, no centro da cidade de São Paulo, em referência às 505 vítimas do massacre promovido pelo Estado; crimes completam 16 anos sem punição

Mães de Maio realizaram ato em frente ao prédio do MPSP na semana que os Crimes de Maio de 2006 completam 16 anos | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

“Nós vamos enegrecer essa calçada, essa é uma calçada negra”, gritava, revoltada, Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Independente Mães de Maio, enquanto militantes jogavam tinta vermelha em frente ao prédio do Ministério Público do Estado de São Paulo, na Rua Riachuelo, no centro da capital paulista, na noite desta sexta-feira (13/5).

O líquido que era puxado por vassouras e escorria pelo meio fio representava as 505 pessoas mortas e outras quatro desaparecidas durante ações de policiais e grupos de extermínio entre os dias 12 e 21 de maio de 2006, em uma reação de vingança contra os ataques da facção criminosa Primeiro Comando do Capital (PCC), que mataram 59 agentes públicos, entre policiais, guardas civis e policiais penais. Os crimes completam 16 anos de impunidade nesta semana.

Com velas e fotos das vítimas, o ato se concentrou na Praça João Mendes, a poucos metros de distância da Rua Riachuelo, e caminhou até o prédio do órgão. O papel do MP desde os crimes tem sido muito questionado e cobrado pelas mães. Na época dos assassinatos, em 25 de maio de 2006, 79 promotores assinaram um ofício em que reconheciam “a eficiência da resposta da Polícia Militar, que se mostrou preocupada em restabelecer a ordem pública violada”.

Um promotor que se arrependeu da canetada foi Eduardo Ferreira Valério, que em 2019 moveu uma ação civil pública pedindo a reparação dos familiares das vítimas dos Crimes de Maio. A ação, no valor de R$ 154 milhões, pedia indenização não só para os 505 civis mortos pelo Estado, mas também para os 59 agentes públicos mortos em ataques criminosos no período. O processo atualmente está em recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), já que o tribunal paulista negou o pedido alegando que os crimes prescreveram.

“Estamos aqui clamando por respostas, não estamos vingando nada porque não somos vingativas, somos mães parideiras”, discursou Débora. “E vamos lutar pela memória dos nossos filhos e pela nossa honra porque cada mãe de maio tem uma profissão, são empobrecidas, estão na cozinha de alguma autoridade, e não vamos tolerar ser chamadas de donas de biqueira”.

Mas a atuação mais repudiada pelo movimento durante a manifestação foi uma declaração de 2015 em que uma ex-promotora do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Ana Maria Frigério Molinari, lançava calúnias afirmando que havia recebido a informação de que o Movimento Mães de Maio seria formado por mães de traficantes, que, após a morte de seus filhos, em maio de 2006, teriam passado a gerenciar pontos de venda de drogas, com o apoio do PCC.

A divulgação de um vídeo com as calúnias da promotora rendeu censura à Ponte em 2016 por decisão judicial e chegou a ser utilizada pela defesa de dois acusados, que foram absolvidos, durante julgamento da Chacina de Osasco. Nela, o advogado João Carlos Campanini apresentava a aparente intenção de ligar Zilda Maria de Paula, líder do movimento Mães de Osasco e mãe de Fernando Lins de Paula, morto na chacina de 2015, a uma visão criminalizada das Mães de Maio.

Debora Silva colocou uma caixa de papelão o nome de “biqueira” com papéis com os nomes das vítimas ao criticar vídeo em que promotora criminaliza movimento Mães de Maio | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

As mães, em conjunto com a ONG Conectas Direitos Humanos, encaminharam um ofício, em março de 2021, ao agora reeleito procurador-geral de Justiça Mário Luiz Sarrubbo solicitando informações e providências sobre a disseminação e a utilização do vídeo em processos judiciais, já que a promotora nunca foi punida. Na quinta-feira (12), o movimento foi a Brasília pedir uma reunião com o Corregedor Nacional do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Oswaldo D’Albuquerque, enquanto também acontecia o protocolo da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) das Vidas Negras — ação que a Coalização Negra por Direitos em parceria com movimentos de mães de vítimas do Estado, impetrou no Supremo Tribunal Federal (STF) para a implementação de políticas que garantam direitos da população negra.

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Débora colocou uma caixa de papelão escrito “biqueira” e “lojinha” com papéis com nomes das vítimas e frases como “nossos mortos têm voz”e “abaixo aos arquivamentos”, sobre as investigações terem sido arquivadas, e “o vídeo do MP é racista”. “É essa a nossa biqueira, promotora”, declarou a ativista. “A vida dos nossos filhos não têm negócio! Cadê o procurador-geral para entrar com uma ação? Enquanto não tiver justiça, não haverá paz! Enquanto esse vídeo não for retirado, não vai ter sossego, porque nós vamos cobrar. Se a gente fosse da biqueira, não estaria cobrando por justiça pelos nossos filhos”, declarou.

O que diz o Ministério Público

A Ponte questionou a assessoria do MP se medidas foram tomadas para responsabilizar a promotora de justiça Ana Maria Frigério Molinari por suas acusações, e se o procurador-geral de justiça do Estado de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo pretende cumprir os requerimentos solicitados no ofício protocolado pelo movimento. Até a publicação, não houve resposta. Caso o MP se manifeste, a reportagem será atualizada.

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