Em ato na favela de Manguinhos, na zona norte do Rio de Janeiro, no último sábado (14/05), mães de vítimas da comunidade tiveram apoio do Movimento Independente Mães de Maio (SP) para homenagear jovens assassinados por policiais
No último sábado (14/05), quando se completaram dois anos que Johnatha de Oliveira Lima foi morto com um tiro nas costas por um policial militar na favela de Manguinhos, na zona norte do Rio de Janeiro, aos 19 anos, moradores da comunidade, familiares e mães de vítimas de violência do Estado se reuniram em um ato em sua homenagem, lembrando também outros jovens que foram assassinados por policiais nos últimos anos em Manguinhos e em outras comunidades da capital fluminense.
Também participaram do ato mães de outros estados que compartilham da mesma dor e da mesma luta de Ana Paula Oliveira, mãe de Johnatha. Entre elas, Rute Fiuza, cujo filho foi torturado por 23 policiais militares da Bahia em Salvador e desapareceu em 2014, e Vera Lúcia dos Santos e Débora Maria da Silva, do Movimento Independente Mães de Maio, de São Paulo, cuja luta inspira mães de vítimas em todo o Brasil desde 2006, quando o Estado de São Paulo promoveu a série de ataques que vitimou quase 500 pessoas, em represália a uma ofensiva da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), após seus líderes serem transferidos nas prisões paulistas.
“A memória dos nossos filhos precisa ser preservada. Quando a gente leva as mães do Rio de Janeiro para apoiar as Mães de Maio numa pedra fundamental do memorial dos Crimes de Maio, dos crimes da democracia, a gente tem que vir aqui dar também esse apoio às mães de Manguinhos. Elas estavam conosco em São Paulo nos três dias do encontro feito para fortalecer essa homenagem aos nossos filhos, aqui e lá. A gente vai continuar, porque os nossos mortos têm voz!”, disse Débora durante o ato, referindo-se ao Primeiro Encontro Internacional de Vítimas do Estado, organizado pelas Mães de Maio em São Paulo nos dias 11, 12 e 13 últimos, para lembrar os dez anos dos Crimes de Maio de 2006, quando seu filho Edson Rogério da Silva foi exterminado.
A união das mães que compartilham a mesma dor é fundamental para Ana Paula Oliveira. “Esse ato em memória dos dois anos da morte do Johnatha foi muito importante para selar de uma vez por todas a união das mães do Rio, de São Paulo e Salvador. Nós [mães do Rio] fomos para São Paulo, passamos três dias lá e, apesar de muito cansadas, as mães [de São Paulo e Salvador] fizeram questão de encarar as seis horas de viagem para vir para o ato do Johnatha, de estar ao meu lado e me dar forças, porque sabiam o quanto era importante pra mim preservar a memória do meu filho e não deixar sua morte cair no esquecimento”, diz a mãe de Johnatha à Ponte Jornalismo.
Durante o ato, foi inaugurada uma placa, com os nomes das seis vítimas de violência do Estado em Manguinhos nos últimos três anos: Mateus Oliveira Casé, morto em 20 de março de 2013, aos 16 anos; Paulo Roberto Pinho de Menezes, espancado até a morte por policiais da UPP local na madrugada de 17 de outubro de 2013, aos 18 anos; Johnatha de Oliveira Lima, morto com um tiro nas costas em 14 de maio de 2014, aos 19 anos; Afonso Maurício Linhares, morto em 18 de junho de 2014, aos 25 anos, quando apitava um jogo de futebol no campinho de futebol da comunidade; Christian Soares Andrade, morto em 8 de setembro de 2015, aos 13 anos, quando brincava com colegas no mesmo campinho; Caio Daniel da Silva Lima, morto em 9 de março deste ano, aos 14 anos, e João Batista Soares de Souza, alvejado por policiais diante da mulher e de três filhos em 4 de abril último, aos 29 anos.
A placa foi simbolicamente colocada na frente do muro do campo de futebol de Manguinhos, onde foram mortas duas das
vítimas da comunidade – Afonso Maurício e Christian. “O púlpito com a placa se posiciona em frente à rua onde vivi a minha vida toda, onde o Johnatha morou até sete meses antes de ser assassinado”, conta Ana Paula Oliveira.
A homenagem foi completada com grafittis no muro do campinho e o plantio de sete árvores, pelas próprias mães, em memória de seus filhos. Entre elas, Fátima Pinho, mãe de Paulo Roberto Pinho de Menezes, e Fátima Silva, mãe de Hugo Leonardo dos Santos, baleado e morto por policiais militares da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha) em abril de 2012.
“Só o amor explica tanta vontade de lutar”
Importante liderança na luta das mães de vítimas no Rio de Janeiro desde a morte de Johnatha, Ana Paula afirma se inspirar na luta das Mães de Maio para seguir em frente. “Ver mães como Debora, Vera e tantas outras Mães de Maio, que estão há dez anos nessa luta, transmite muita força, muita garra, muita resistência e amor por seus filhos. Porque só o amor explica tanta vontade de lutar. Elas são muito admiradas por todas nós, inspiração para a nossa luta. Elas mostram que não existe outra alternativa a não ser lutar”, diz.
“Quando conseguimos alcançar algum degrau rumo à Justiça, rumo a alguma transformação para o nosso bem, não é graças àqueles que têm o poder da caneta, mas à nossa luta. Se não fosse ela nada aconteceria”, afirma. Na voz, a dor e a força que parecem movê-la em cada passo dado desde a morte do filho.
“Infelizmente, estão tentando de todas as maneiras tapar as nossas bocas, calar as nossas vozes. Como a Lei Antiterrorismo, que proíbe manifestações. Nós não somos terroristas. Os terroristas vestem fardas, são aqueles que nos tiraram nossos filhos, que assinam papéis que dão legitimidade às mortes dos nossos filhos. Esses, sim, são terroristas”, enfatiza a mãe.
“Nós somos mães que tivemos nossos filhos assassinados e precisamos colocar para fora nossa dor e nosso grito por justiça. Ninguém vai nos calar. Temos consciência de que somos fortes e de que nossa luta é legítima. E a certeza de que cada lágrima derramada desde que perdemos nossos filhos não será em vão. Lutaremos até o fim”, encerra.