Das mais de 3 mil mulheres grávidas ou com filhos de até 12 anos assistidas pela Defensoria Pública de São Paulo, 1.030 foram para prisão domiciliar por causa de habeas corpus coletivo
“Eu tenho quatro filhos, mas estou sendo mãe pela primeira vez”. Emocionada, a chefe de confeitaria Desirée Mendes, de 40 anos, conta que essa experiência passou a ser possível em 2012, então gestante de três meses, quando conseguiu um habeas corpus para responder em liberdade a um processo por tráfico de drogas. Acabou condenada a seis anos de prisão. Ela esteve na audiência pública na última quarta-feira (9/5), quando a Defensoria Pública de São Paulo anunciou que das 3.111 mães encarceradas em SP listadas pela SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) e que estão sendo assistidas pelo órgão, 1.030 foram beneficiadas com a prisão domiciliar a partir da aplicação da decisão do STF.
O caso de Desirée é emblemático porque reúne características comuns das mulheres que vivem no cárcere, em especial o fato de vir de um cenário de vulnerabilidade social. Ela foi usuária de drogas por 22 anos e 16 deles morou nas ruas da região da Luz, local conhecido como Cracolândia, no centro da capital paulista, onde atualmente realiza um trabalho de apoio como arte-terapeuta, com terapia ocupacional e culinária, junto às pessoas em situação de dependência química. Mas o caminho não foi fácil.
“Eu já tive outras oportunidades de liberdade, mas eu não consegui aproveitá-las porque eu sempre pensava em desistir. O primeiro impacto com a sociedade é desesperador, porque as pessoas não querem você para varrer uma rua, para picar uma cebola, dizem que você não serve para estar ali. A sociedade não recebe a gente. Quando eu pude sair com meu filho no braço foi diferente, porque eu não aceitei mais um ‘não’ das pessoas”, declarou.
Os outros filhos da confeiteira ficaram, na época em que foi presa outras vezes – o mais velho hoje tem 17 anos –, sob cuidado dos familiares, mas poderiam ter sido submetidos à adoção. Só em 2011, o artigo 318 do Código de Processo Penal passou a prever a substituição de prisão preventiva – a pessoa fica presa até o julgamento – para a domiciliar apenas em casos de gestantes a partir do sétimo mês de gravidez ou de alto risco e se a pessoa for essencial para cuidados especiais a crianças menores de seis anos ou com deficiência. Em 2016, o artigo passa a incluir grávidas sem delimitação de período de gestação e mulheres com filhos de até 12 anos.
Ainda assim, recentemente, o caso de Jéssica Monteiro, de 24 anos, grávida de 9 meses e presa por tráfico de drogas gerou comoção e trouxe novamente o tema à discussão. A prisão dela aconteceu em fevereiro deste ano e, enquanto aguardava a audiência de custódia, entrou em trabalho de parto e teve que ir para o hospital. Depois de dar à luz o filho, Jéssica retornou à prisão por decisão da Justiça. Dois dias depois, nova decisão concedeu à ela a prisão domiciliar. Cinco dias depois, o STF (Supremo Tribunal Federal) iria decidir favoravelmente ao habeas corpus coletivo para fazer valer o que a lei já previa – que mulheres grávidas e mães de crianças até 12 anos que estejam em situação de prisão provisória.
Para o coordenador do NESC (Núcleo de Situação Carcerária) da Defensoria Pública, Thiago Luna Cury, qualquer mudança em prol da liberdade é encarada com muita resistência, ainda mais quando se trata do direito da mulher. “Com o encarceramento de uma mulher, de uma mãe, o reflexo não é apenas a privação da liberdade dela, mas a privação e retirada de direitos que também atingem seus filhos, com o rompimento de vínculos. As mães têm um sofrimento ainda pior por serem julgadas socialmente por terem cometido um crime. Em São Paulo, temos mais de 12 mil mulheres encarceradas em que 60% das unidades são superlotadas e não têm condição nenhuma de receber pessoas”, explica Cury.
Apesar de considerar uma vitória importante, o coordenador do NESC também aponta aspectos restritivos no HC coletivo. “Há uma disputa de interpretação sobre a possibilidade ou não da aplicação da prisão domiciliar nos crimes praticados com violência ou grave ameaça. A lei consolida esse entendimento quando, na verdade, há uma divisão nos tribunais que essa violência ou grave ameaça só impediria [a domiciliar] quando fosse dirigida aos seus descendentes”, explica.
A Defensoria também apresentou relatório da política de atendimento “Mães em Cárcere”, implantada desde 2014, com dados relativos ao ano de 2017. Das 18 unidades prisionais femininas que responderam o formulário, o Centro de Detenção Provisória de Franco da Rocha é o que mais abriga mães (798), o que equivale a 25,95% de uma população de 1.151 mulheres. A Penitenciária de Santana (575), vem em segundo lugar com 18,7% de mães dentre as 2.202 presas, e o Centro de Progressão Penitenciária do Butantã (558), com 18,15% de 1.024 detentas, está em terceiro.
Os dados foram computados em janeiro de 2018 e apontam o número total de 3.074 mães e 6.887 filhos, sendo 47,3% crianças de até 7 anos e 47,9% acima dessa idade e adolescentes. A base de dados é o cruzamento das informações da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) e da SSP (Secretaria de Segurança Pública). Os familiares são os principais responsáveis por esses filhos (85,7%), principalmente os avós maternos (39,1%).