Governo de SP cerca ato por Marielle Franco com forte aparato policial

    Protesto cobrou resposta para a morte da vereadora e de Anderson Gomes e relembrou outras vítimas da violência de Estado

    Manifestação ocupou parte da Av. Paulista| Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    Sufocante. Esse foi o sentimento do protesto realizado nesta quinta-feira (31/10) na região central da cidade de São Paulo cobrando respostas para os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, mortos na noite de 14 de março de 2018. Foi a primeira manifestação de rua realizada após o nome do presidente Jair Bolsonaro (PSL) apareceu nas investigações do crime. O elevado número de policiais militares, e a maneira como cercaram os manifestantes, perturbaram o ato.

    Policiais mascarados do BAEP acompanhavam o final da manifestação | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    O protesto intitulado “Quem mandou matar Marielle?”, puxado por frentes do Psol e movimentos negros unificados, foi rapidamente organizado depois da matéria do Jornal Nacional, exibida na terça-feira (29/10), que apontava que o presidente da República teria liberado uma suposta visita do ex-PM Élcio Queiroz em seu condomínio, na Barra da Tijuca, Rio, horas antes do crime que tirou a vida da vereadora carioca. Élcio está preso junto de Ronnie Lessa, ambos suspeitos de terem executado a vereadora e seu motorista, Anderson Gomes.

    Manifestante pede o impeachment de Jair Bolsonaro | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    Na quarta-feira (30/10), em coletiva de imprensa, a promotora Simone Sibilio, do Ministério Público do Rio de Janeiro, afirmou que o porteiro deu uma informação falsa ao citar Bolsonaro. A promotora afirma que o depoimento dele não bate com a prova técnica, que aponta que é a voz de Ronnie Lessa que autoriza a entrada de Élcio Queiroz no condomínio às 17h07 naquele dia 14 de março.

    Mesmo assim, cerca de mil pessoas foram à avenida Paulista, em São Paulo, para pedir respostas sobre os mandantes do crime e pedir a saída do presidente Bolsonaro. A revolta do Chile foi muito lembrada por manifestantes, em cartazes e falas públicas. Durante a primeira hora, cerca de 300 pessoas participavam do protesto.

    Cerca de mil pessoas acompanharam o ato | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    O número de policiais militares era alto. Era como se a Polícia Militar de São Paulo esperasse ações como as do Chile na Avenida Paulista. A Ponte contou pelo menos 75 policiais militares cercando a manifestação, por todos os lados, e ao menos 20 PMs do Baep (Batalhão de Ações Especiais de Polícia) em um ônibus, no fim do ato. A PM só liberou três faixas para manifestação seguir do Masp (Museu de Arte de São Paulo) até o prédio onde fica o escritório da Presidência da República, ao lado do metrô Consolação. Inicialmente apenas uma faixa foi liberada, mas as lideranças negociaram com a polícia, que liberou mais duas.

    A sensação era de que a PM estava pronta pra sufocar o protesto a qualquer momento, mas o ato seguiu pacífico até o fim. Por volta das 20h, os manifestantes, que já somavam mil pessoas, se reuniu em frente ao prédio do escritório da Presidência, onde o ato seria encerrado às 20h30. A PM só liberou que os manifestantes bloqueassem totalmente a avenida por 5 minutos, tempo de os manifestantes mudarem de faixa e pararem em frente ao prédio da Presidência.

    Policiais militares do BAEP entram em formação durante a manifestação | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    Durante o ato, frases como “Justiça por Marielle”, “Fora Bolsonaro”, “Ditadura nunca mais”, “Marielle presente” e “Vidas negras importam” eram entonadas pelos manifestantes. Nomes como os de Ágatha Félix, Marcus Vinícius, Amarildo, Babiy Querino, Pedro Gonzaga e Evaldo Rosa foram lembrados bradados durante as falas públicas.

    Em entrevista à Ponte, a psicóloga Luana dos Santos Alves Silva, que também é integrante da Rede Emancipa, movimento social de educação popular do Psol, comentou a quantidade expressiva de policiais no ato.

    Luana dos Santos Alves Silva | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    “Eles sentem que a capacidade da Marielle, da indignação em torno do caso da Marielle mobiliza muita gente é grande. Eles sabem que é um ato que pode massificar, é um ato que representa resistência. O papel político da Polícia Militar é de intimidação política, tanto nas periferias com a intimidação política da juventude”, critica Luana.

    “O genocídio não é uma questão qualquer, o genocídio é uma opressão política, é dizer para ela que se cale e não levante a cabeça. A polícia, então, cumpre o seu papel político de repressão, o papel de dizer que as pessoas não devem estar na rua. Diante do fato, da gravidade do fato, eles tentaram mostrar que eles vão, como sempre, usar o caminho da repressão”, continua.

    Para ela, mais importante do que estar nas ruas manifestando é permanecer com atos cada vez maiores para cobrar respostas. “A gente ocupar a rua nesse momento é dizer que não vai ser fácil esse caminho para ele, que vai ter resistência popular, da juventude, das mulheres negras e do povo brasileiro. Não vamos aceitar o autoritarismo da família Bolsonaro. A gente sabe que existe envolvimento de grupos paramilitares, de milícia, que o Bolsonaro é ligado às milícias e que esse projeto de tirar direitos, de acabar com o serviço social e acabar com direitos públicos não vai passar fácil”, diz Luana.

    Policiais fazem cordão de isolamento próximo ao escritório da Presidência, na Av Paulista | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    Para a professora Rosangela Pospigelova, 47 anos, é necessário saber quem são os mandantes da morte de Marielle. “Temos que deixar claro que queremos saber quem realmente está por trás da morte de Marielle. Só se fala que matou, mas não se fala de quem mandou matar. Estamos na rua porque queremos saber quem é o mandante, para quem interessava a morte dela. Eles pensaram que por ela ser uma mulher negra, favelada e LGBT não ia dar em nada, mas eles se enganaram”, argumenta.

    Valeria Motta: “querem nos intimidar” | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    Valeria Motta, 38 anos, integrante do A Periferia é o centro, coletivo que faz intervenções sobre a truculência policial em territórios periféricos, é urgente mostrar para os policiais o quanto o trabalho deles é precarizado e que as lutas também devem ser deles. “As autoridades querem nos intimidar. Eu, enquanto educadora e mãe, tenho familiares que morreram na zona sul por conta da precarização da Polícia Militar. Eles são trabalhadores como todos nós, mas eles precisam ter essa consciência. O nosso papel na periferia é fortalecer as mães e os moleques da quebrada para que eles aprendam a se defender e denunciar”.

    O ato foi acompanhado por policiais armados com munição menos letal | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

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