Massacre em Manaus: ‘Vi o nome do meu filho escrito no papel, mas não estava acreditando’

    Adriana Marinho conta como era a situação dentro do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, onde seu filho Leonardo Marinho Araújo, 23 anos, um dos 55 mortos durante o massacre, cumpria pena

    Adriana Marinho usa uma camiseta com a foto do filho Leonardo | Foto: arquivo pessoal

    O massacre era uma tragédia anunciada. Assim define a mãe de um dos 55 presos mortos em presídios privatizados em Manaus, capital do Amazonas, entre o domingo (26/5) e a segunda-feira (27/5). Os 4 presídios eram administrados pela empresa Umanizzare.

    Há dois anos, a dona de casa Adriana Belém Marinho, 48 anos, ia todos os domingos visitar seu filho Leonardo Marinho Araújo, 23 anos, preso por latrocínio (roubo seguido de morte), no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim). Ela demorava mais de duas horas para chegar no local, saindo da sua casa, na zona leste de Manaus, até a BR-174, mas nunca deixou de visitar o filho, por quem “era completamente apaixonada”.

    No último domingo, porém, não conseguiu realizar a visita. “Meu filho me falou que logo logo estava aqui fora comigo, ele pediu pra eu não perder essa visita, pois tinha coisas para me falar. Eu fui na última visita, mas não consegui entrar. Quando ia revistar a minha comida, o agente veio com a arma apontada pra gente. A gente é humilhada pra entrar lá, parece que fazem de propósito. Eles colocam duas pessoas pra revistar a comida. Imagina, um monte de mãe. Eu chegava lá as oito horas da manhã e só entrava meio dia, uma e meia da tarde. Nossos filhos erraram, mas a gente não tem culpa. Eles nem respeitaram, já vieram com aquelas armas enormes”, conta a mãe enquanto respira fundo.

    Adriana também relatou que a tragédia já era de conhecimento de todos no domingo pela tarde. “Eu me sinto até culpada, sabe? No domingo eles já sabiam que ia ter, mas a gente achou que não ia acontecer. Uma mocinha quando saiu, saiu gritando desesperada falando que iam matar mais de 50. Em vez da gente alertar, de chegarem lá com a Força Nacional, nós ficamos caladas. Ia acontecer, já ia acontecer. O marido dessa moça falou que isso ia acontecer”.

    Leonardo Araújo, 23 anos, é um dos 55 mortos | Foto: arquivo pessoal

    Quando recebeu a notícia da morte do filho, na segunda-feira, custou para aceitar. “Eu vi o nome do meu filho escrito ali no papel, mas não estava acreditando. Ainda tinha uma esperança que tivessem anotado o nome dele errado, mas depois quando eu vi, era meu filho mesmo. Até agora, ninguém entrou em contato comigo, nem o Estado nem ninguém da cadeia”.

    Leonardo, que completaria 24 anos no próximo dia 2/6, entrou para o crime, mas, antes disso acontecer, tinha muitos sonhos. “Meu filho queria trabalhar e fazer cursos para se profissionalizar. Ele era um filho muito maravilhoso. Ele experimentou as drogas e quis fazer a vontade do mundo. Deu nisso. Ele sempre foi um filho muito bom. É uma perda muito grande. Eu não tava esperando passar por essa situação”.

    Dentro do presídio, conta Adriana, as coisas nunca foram fáceis. A mãe conta que tinha medo que isso acontecesse, baseada nos relatos do filho nas visitas. “A vida lá dentro não era boa não, os meninos tão tudo magro. Do jeito que está ali dentro, os meninos vão ficar tudo enlouquecido. É horrível ali dentro. A comida entra azeda, com barata, eles tomam água quente, da torneira, e ainda desligavam a torneira, tinha dia que eles ficavam o dia inteiro sem água, tendo que tomar água do vaso”.

    Nas conversas que tinha com Leonardo, Adriana ouvia também muitos relatos de agressões dos agentes de segurança. “A Choque entrava direto lá, batia neles, soltava os cachorros em cima dele, jogava sabão em pó pra eles caírem, soltava o cassetete. Meu Deus do céu, tudo isso ficava na cabeça da gente. Pensa uma mãe ficar pensando nos filhos. O filho tá preso, mas você não tem mais uma vida. Muitas mães perderam. Os que ficaram vivos, as mães também estão sofrendo. Eu fiz muita amizade ali, com muitas mães, muitas mães conheciam meu filho”, desabafa.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas